Indivíduos com síndrome de Down podem comer brócolis?

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Alguns profissionais recomendam que crianças com síndrome de Down abstenham-se do consumo de brássicas, grupo de hortaliças que incluem brócolis, couve, couve-flor, couve-de-bruxelas, nabo, rabanete, rúcula e agrião. Outros, principalmente imunologistas e geneticistas, já não costumam compartilhar da mesma visão.

Por que essa discrepância nas condutas? Pela visão acerca da causa do problema. O hipotireoidismo na síndrome de Down dificilmente será causado pelo alimento. Pode ser congênito (nasce com o bebê) ou adquirido. Mutações genéticas (Hermanns et al., 2014) aumentam a incidência de hipotireoidismo em pessoas com SD em 28 vezes em relação a pessoas típicas (Cebeci, Güven & Yildiz, 2013).

A glândula tireóide é responsável pela produção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina), que regulam o metabolismo, processos químicos e físicos no organismo. Estima-se que entre 30 e 40% das pessoas com síndrome de Down desenvolvam hipotireoidismo, com baixa produção dos hormônios da tireóide. Tanto a doença de Graves quanto a tireoidite de Hashimoto são mais comuns neste grupo, pela desregulação do sistema imune.

Existem pelo menos 10 genes localizados no cromossomo 21 responsáveis pela regulação do sistema imune. O mais importante é o FOXP3 e sua desregulação está associada às doenças autoimunes. O gene AIRE também localizado no cromossomo 21 está pouco expresso na síndrome de Down, o que também aumenta o risco de problemas autoimunes relacionados à tireóide (Aversa et al., 2015).

O hipotireoidismo pode se desenvolver em qualquer fase da vida trazendo consigo sintomas como cansaço, intolerância ao frio, pele seca, áspera ou fria, prisão de ventre, sonolência, apatia, aumento de peso e rouquidão na voz. O diagnóstico definitivo vem com a análise periódica dos níveis sanguíneos dos hormônios T3, T4 e TSH. Comprovado o diagnóstico, o tratamento baseia-se na reposição hormonal durante toda a vida.

O uso de determinados medicamentos (carbonato de lítio, amiodarona, propiltiouracil e metimazol), erros inatos da síntese de hormônios tireoidianos, deficiências hipofisárias e hipotalâmicas, resistência periférica aos hormônios tireoidianos e doenças congênita também aumentam o risco de hipotireoidismo.

A tireóide também é afetada por metais pesados (alumínio, chumbo, mercúrio, arsênico, cádmio), pelo glúten, soja, além dos glicosinolatos e isotiocianatos das brássicas, os quais podem interferir no uso do iodo pela glândula. Mas, um estudo de 2019 comparou mulheres adultas que tomaram diariamente, por 12 semanas, suco feito de broto de brócolis (40 µmol de sulforafano e 600 µmol do precursor glucorafanin) com as que não consumiram o suco e não encontrou nenhuma diferença. no funcionamento da tireóide (avaliado pela dosagem de TSH, T4 livre, tireoglobulinas e anticorpos anti-TG e anti-TPO). Desta forma, os autores consideraram o uso de brássicas seguro para pessoas típicas (Chartoumpekis et al., 2019).

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Em geral, vegetais crucíferos só desencadeiam hipotireoidismo quando são consumidos em alta quantidade e ainda há carência de iodo na dieta (Fenwick, Heaney e Mullin, 1983). Os minerais iodo, zinco e selênio são  fundamentais para a produção de hormônios da tireóide na forma ativa. O equilíbrio entre a quantidade de iodo e a quantidade de isotiocianatos das brássicas determina em parte a quantidade de hormônios que serão produzidos.

E na SD? Como a causa exata do hipotireoidismo em cada pessoa com síndrome de Down é desconhecida (Cebeci e Yildiz, 2013), alguns médicos preferem excluir o brócolis e outros vegetais do grupo das brássicas da dieta. Porém, não existem estudos que mostrem a efetividade da prática. Existem crianças com SD que nunca comeram brócolis e desenvolveram hipotireoidismo. E outras que comeram e não desenvolveram. Assim como existem crianças que comeram e desenvolveram. Ou seja, os fatores genéticos parecem muito mais importantes do que o consumo de brássicas, leguminosas (como soja) ou tubérculos.

Por quê eu não concordo com a exclusão completa destes alimentos? (Fique a vontade para ter outra opinião!).

- Estudo de Masci e colaboradores (2015) mostrou que sucos de brássicas protegem as células contra a toxicidade do peptídeo beta amilóide, responsável pela doença de Alzheimer. Este ao meu ver é um problema muito maior na vida de indivíduos com síndrome de Down do que o hipotireoidismo. Veja bem, não estou dizendo que o hipotireoidismo não seja problema. É sim! Depois dos problemas cardiovasculares e da demência é uma das principais causas de óbito (Yang, Rasmussen & Friedman, 2002). Os valores plasmáticos dos hormônios tireoidianos devem ser acompanhados anualmente mas sem descuidarmos de outros aspectos da saúde.

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- As brássicas fornecem vitaminas, minerais, fibras e os tais glicosinolatos, agentes eficientes no reparo celular, reduzindo o risco de câncer, doenças cardiovasculares e inflamatórias. 

- As brássicas são uma fonte adicional de colina,  nutriente fundamental para a melhoria do funcionamento cerebral, da atenção, da cognição espacial, além de prevenir o declínio da memória. A colina também ajuda a retardar o Alzheimer, estimulando a formação de novos neurônios. A gema de ovo é bastante rica em colina. Dentre os alimentos de origem vegetal destacam-se o brócolis e a couve-flor. Mulheres devem aumentar o consumo de colina especialmente se estiverem grávidas ou amamentando criança com síndrome de Down (Moon et al., 2010Velazquez et al., 2013).

- Crianças com síndrome de Down acompanhadas de autismo também parecem se beneficiar do consumo de sulforafano, presente no brócolis. Após 18 semanas de uso, as interações sociais e comunicação verbal melhoram (Singh et al., 2014).

- Alimentos ricos em enxofre (brócoli, couve, repolho, couve-flor, agrião) aumentam a produção de glutationa, um importante antioxidante. Na síndrome de Down é comum a redução da glutationa. Como resultado pode haver maior quantidade de radicais livres circulantes, o que leva a maior prejuízo cognitivo e motor, envelhecimento precoce, aumento do risco de Alzheimer e redução da longevidade.

Dicas importantes:

- Ofertar boas fontes de zinco. Este mineral é co-fator da enzima Desiodase tipo 2, que converte o hormônio T4 (inativo) em T3 (forma ativa). O zinco também faz parte dos receptores para o T3. Destacam-se como boas fontes os frutos do mar, ovos caipiras, sementes (girassol, linhaça, ect), aveia, amendoim, amêndoas, avelã, castanhas e lentilha.

- Incluir fontes de selênio na dieta. Este mineral é co-fator da enzimas Desiodase tipo 1, igualmente importante para a ativação do hormônio T3. Castanha do Brasil (Pará), semente de girassol e alho cru são boas fontes de selênio.

- Inclua diariamente fontes de iodo, que podem vir do sal iodado, de algas e frutos do mar. Suplementos para crianças com síndrome de Down já possuem iodo (iodine), zinco e selênio na composição.

- Alimentos que contém cianetos (brócolis, couve de bruxelas, mandioca, rabanete) não devem ser consumidos em excesso. Contudo também não se deve eliminá-los totalmente pois seus compostos contribuem para a prevenção do Alzheimer e de vários tipos de câncer. Para minimizar o efeito dos cianetos oferte todos os alimentos deste grupo cozidos.

- Evite o consumo excessivo de cloro, pois ele também está relacionado com o bloqueio de iodo na tireóide. Utilize água filtrada ou mineral e evite o uso do adoçante sucralose.

- Caso o hormônio da tireóide já esteja sendo usado, evite alimentos que contenham soja por pelo menos 4 horas após a ingestão do hormônio sintético para não prejudicar sua absorção. Além do grão de soja e derivados como leite de soja e tofu, muitos alimentos industrializados contém proteína de soja na composição como peito de peru, salsicha ou são feitos com farinha de soja. Fique atento às embalagens.

PS: No próprio site do CEPEC, coordenado pelo dr. Zan as brássicas aparecem entre as hortaliças indicadas: http://www.sindromededown.com.br/?page_id=192

Discuto muitas questões relacionadas à suplementação de compostos específicos no curso online. Saiba mais aqui.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/
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Qual arroz possui menos arsênico?

O arsênico é um metal pesado que aumenta na água e nos alimentos quando o ambiente está poluído ou quando há uso excessivo de pesticidas no cultivo dos vegetais (como acontece no Brasil).

O acúmulo de arsênico no corpo aumenta o risco de câncer, de doenças vasculares, diabetes tipo 2 e também está associado a maior dificuldade de concentração, aprendizagem e memória.

O arroz acumula facilmente arsênico pois o cultivo é feito com grande quantidade de água (que pode estar contaminada com resíduos industriais ou pela atividade de mineração ou de queima de madeira ou carvão). Além disso, o arroz naturalmente absorve mais arsênico do solo do que outros cereais. Como o brasileiro consome arroz praticamente diariamente, existe o risco de intoxicação e de desenvolvimento precoce das doenças acima citados.

O que fazer?

  • Em alguns dias da semana substitua o arroz por outras fontes de carboidrato como quinoa ou batata doce ou “arroz de couve-flor”;

  • Lave bem o arroz antes de cozinhar. A lavagem reduz o arsênico em 10 a 28% (Sengupta et al., 2006);

  • Misture ao arroz verduras orgânicas como brócolis, vagem ou cenoura. Assim, você fica saciado com um menor consumo deste tipo de cereal;

  • Varie os tipos de arroz. O basmati e o jasmim puxam menos arsênico (Potera, 2007). Outra opção é o arroz parboilizado, que possui 25% menos arsênico do que o arroz tradicional. É uma opção para quem consome muito arroz. Lembrando que o processo faz com que o potássio também seja perdido. Por isso, é importante ter um bom consumo de frutas e verduras, que são ricas neste mineral.

Artigo científico: Habibur Rahman, Manus Carey, Mahmud Hossain, Laurie Savage, M. Rafiqul Islam, Andrew A. Meharg. Modifying the Parboiling of Rice to Remove Inorganic Arsenic, While Fortifying with Calcium. Environmental Science & Technology, 2019; DOI: 10.1021/acs.est.8b06548

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/
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Regressão em adolescentes com síndrome de Down

Um número crescente de relatos clínicos tem mostrado regressão inesperada em adolescentes e adultos com síndrome de Down (SD). A regressão pode envolver alterações no funcionamento cognitivo e adaptativo, na função motora, nas habilidades de comunicação ou no comportamento.

Os pais devem observar modificações relacionadas ao comprometimento cognitivo-executivo, assim como maior retraimento social, perda de linguagem funcional e de habilidades adaptativas previamente adquiridas. Em geral, caracteriza-se a regressão quando as alterações possuem duração superior a 3 meses (Chicoine & Capone, 2018).

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Um dos fatores responsáveis pela regressão pode ser a neuroinflamação gerada pelo acúmulo de metais pesados no tecido nervoso. O cérebro de pessoas com síndrome de Down é mais vulnerável ao estresse oxidativo, a carências nutricionais e à intoxicação por metais pesados. Em camundongos Ts1Cje, usado como modelo genético para o estudo da SD, há maior acúmulo de cobre no hipocampo e no córtex cerebral. O cobre aumenta a quantidade de radicais livres circulando no cérebro, oxida lipídios e aumenta o acúmulo de de emaranhados de proteína tau, envolvida em alterações comportamentais e no aumento do risco da doença de Alzheimer.

O cobre é importante para o cérebro mas deve estar dentro das células. Em pessoas com Alzheimer o equilíbrio do cobre parece estar comprometido, com excesso de cobre no amilóide (Bush, 2013). Discuto muitas questões relacionadas à suplementação de compostos específicos no curso online. Saiba mais aqui.

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