Para que servem as proteínas desacopladoras?

As proteínas desacopladoras (ou UCPs – "Uncoupling Proteins") têm um papel crucial na regulação do metabolismo energético das células, especialmente nas mitocôndrias. Elas são encontradas principalmente na membrana interna das mitocôndrias, onde desempenham a função de desacoplar o processo de produção de ATP (energia) da cadeia respiratória. Em condições normais, as proteínas desacopladoras servem a várias funções importantes:

1. Regulação da Produção de Calor (Termogênese)

Uma das funções principais das proteínas desacopladoras, especialmente a UCP1, é a geração de calor. Elas desempenham um papel importante na termogênese não tremor (produção de calor sem tremores musculares), especialmente em tecido adiposo marrom. Esse tipo de gordura, encontrado principalmente em bebês e em algumas espécies de mamíferos, usa as proteínas desacopladoras para converter a energia armazenada nas gorduras em calor, em vez de ser utilizada para gerar ATP. Isso ajuda a manter a temperatura corporal em condições frias.

2. Controle do Metabolismo Energético e Homeostase da Energia

As proteínas desacopladoras podem ajudar a regulamentar o equilíbrio energético das células. Elas alteram a forma como a energia da cadeia respiratória é utilizada. Ao desacoplar a produção de ATP, as UCPs evitam que o excesso de energia gerado pela cadeia respiratória seja convertido em ATP, e parte dessa energia é liberada como calor. Esse processo pode ser importante para:

  • Manutenção do equilíbrio energético, evitando a sobrecarga de ATP.

  • Redução do estresse oxidativo, já que um desacoplamento eficiente pode diminuir a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), que estão associadas ao estresse celular e ao envelhecimento.

3. Proteção Contra o Estresse Oxidativo

O desacoplamento mitocondrial também pode servir para reduzir o estresse oxidativo nas células. Quando a cadeia respiratória está muito "acoplada", ou seja, a produção de ATP é excessivamente eficiente, pode ocorrer a formação de espécies reativas de oxigênio (EROs), que são prejudiciais às células. As proteínas desacopladoras ajudam a reduzir a produção excessiva de EROS ao dissipar parte da energia como calor, em vez de permitir que toda a energia gerada pela cadeia respiratória seja utilizada na síntese de ATP.

4. Regulação do Peso Corporal e Composição Corporal

As proteínas desacopladoras têm sido associadas ao controle do peso corporal e à composição corporal, particularmente em relação ao tecido adiposo marrom. A ativação dessas proteínas pode ajudar a aumentar a queima de gordura e a reduzir a gordura corporal, já que as calorias são dissipada como calor, em vez de serem armazenadas sob forma de gordura. Isso é um dos mecanismos através dos quais o corpo mantém seu equilíbrio energético e pode ser um fator envolvido em condições metabólicas.

5. Adaptação ao Estresse e Exercício Físico

Durante o exercício físico intenso ou em situações de estresse térmico (como exposição ao frio), as proteínas desacopladoras ajudam a regular o fluxo de energia e a manter a eficiência energética das mitocôndrias. Elas podem ser ativadas para aumentar a produção de calor (termogênese) ou para ajustar o uso de energia durante a resposta ao estresse, o que contribui para a resistência física e a adaptação ao esforço.

6. Regulação da Insulina e da Sensibilidade à Insulina

Estudos recentes sugerem que as proteínas desacopladoras também podem ter um papel na regulação da insulina e na sensibilidade à insulina. Elas podem afetar como as células utilizam a glicose, influenciando o metabolismo da glicose e ajudando a prevenir resistência à insulina, o que é particularmente importante em condições como a diabetes tipo 2.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

CBS e alterações cognitivas no autismo

O gene CBS (cistationa beta-sintase) está envolvido no metabolismo da homocisteína, um aminoácido contendo enxofre. A variação genética rs234706 refere-se a um polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) específico no gene CBS que pode afetar a atividade da enzima. Esta variante tem sido associada a várias condições de saúde, particularmente aquelas relacionadas à saúde cardiovascular, metabolismo da homocisteína e função neurológica.

A variante rs234706 AA refere-se a uma combinação de alelos (homozigotos) onde ambas as cópias do gene CBS carregam o alelo A nesta posição. Este SNP é conhecido por afetar a atividade da CBS, que por sua vez influencia os níveis de homocisteína no corpo.

A enzima CBS está envolvida na via de transulfuração, que converte homocisteína em cisteína e outros compostos contendo enxofre. Esta via é importante para manter o equilíbrio da glutationa (um antioxidante) e regular o metabolismo do enxofre, ambos os quais podem influenciar os níveis de glutamato.

Altos níveis de homocisteína, que podem ocorrer em indivíduos com atividade reduzida de CBS (como com a variante rs234706 AA), podem ter vários impactos nos sistemas neurotransmissores, particularmente o glutamato. Níveis elevados de homocisteína foram associados à neurotoxicidade e podem potencialmente aumentar a atividade do glutamato no cérebro, pois a homocisteína influencia o receptor NMDA e outros receptores de glutamato envolvidos na sinalização excitatória.

No caso do rs234706 AA, a atividade reduzida de CBS pode levar a níveis elevados de homocisteína. Altos níveis de homocisteína podem interferir na regulação normal dos sistemas neurotransmissores, incluindo o ciclo glutamato-glutamina, e podem aumentar os níveis de glutamato. O glutamato, sendo o principal neurotransmissor excitatório no cérebro, desempenha um papel crucial na função cerebral. No entanto, o excesso de glutamato é neurotóxico e está associado a várias condições neurológicas, incluindo doenças neurodegenerativas e disfunção cognitiva.

Níveis elevados de homocisteína também podem prejudicar a função mitocondrial, afetando o metabolismo energético e a saúde dos neurônios no cérebro, o que pode contribuir para déficits cognitivos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Anomalias mitocondriais em células linfoblastoides de crianças com autismo

​Estudo publicado por Shannon Rose e colaboradores em 2017 investigaram as anomalias mitocondriais e redox em células linfoblastoides de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

As células linfoblastoides são um tipo de célula derivada de linfócitos (um tipo de célula do sistema imunológico) que pode ser cultivada em laboratório. Elas são frequentemente usadas em pesquisas para estudar questões biológicas e genéticas, incluindo a função mitocondrial e os efeitos do estresse oxidativo no TEA.

As principais conclusões deste estudo incluem:

  1. Função Respiratória Mitocondrial Alterada: As células linfoblastoides (LCLs) de crianças com TEA apresentaram uma função respiratória mitocondrial distinta, caracterizada por maior consumo de oxigênio para produção de energia (ATP), em comparação com as células de irmãos não afetados.

  2. Aumento da Glicólise e Reserva Glicolítica: Observou-se também um aumento significativo na glicólise. Quando as mitocôndrias não estão funcionando de forma eficiente, como ocorre na disfunção mitocondrial observada no estudo, as células podem tentar compensar essa falta de produção de energia pela aumento da glicólise, uma via de produção de energia anaeróbica (sem oxigênio) que não depende das mitocôndrias. Isso é conhecido como efeito Warburg, onde as células, em resposta à disfunção mitocondrial, começam a depender mais da glicólise para obter ATP, mesmo na presença de oxigênio.

    Se a cadeia transportadora de elétrons (CTE) não estiver funcionando adequadamente (como indicado pela redução da respiração ATP-linked e aumento do vazamento de prótons), isso pode resultar em uma produção insuficiente de ATP nas mitocôndrias. Para compensar essa falha, as células podem aumentar a glicólise para gerar mais ATP, mesmo que essa via seja menos eficiente em termos de produção de energia.

    O aumento da glicólise pode indicar que as células cerebrais estão tendo dificuldades em utilizar a respiração mitocondrial como principal fonte de energia. Isso pode ser associado a disfunções cognitivas, dificuldades no processamento sensorial e problemas comportamentais, comuns no autismo.

  3. Estresse Oxidativo Elevado: A glicólise, embora forneça energia rapidamente, não é tão eficiente quanto a fosforilação oxidativa (respiração mitocondrial). Isso pode resultar em uma produção energética mais ineficaz, gerando estresse celular e contribuindo para o dano mitocondrial. Tanto as LCLs de crianças com TEA quanto as de seus irmãos não afetados exibiram níveis elevados de estresse oxidativo, evidenciado por uma diminuição na capacidade redox da glutationa intracelular.

  4. Expressão de Proteína Desacopladora 2 (UCP2): A expressão gênica da UCP2 foi significativamente mais alta nas LCLs de crianças com TEA e de seus irmãos não afetados, indicando um papel potencial na regulação do estresse oxidativo mitocondrial. ​Mais sobre este assunto neste outro texto.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/