A Esquizofrenia e o Metabolismo da Glicose: Uma Nova Perspectiva

A esquizofrenia é um transtorno mental crônico que afeta mais de 20 milhões de pessoas globalmente. Caracteriza-se por distorções no pensamento, percepção, emoções e linguagem. Apesar de décadas de pesquisa, ainda não há consenso sobre as causas exatas da esquizofrenia. Entre as hipóteses atuais, o metabolismo da glicose no sistema nervoso central se destaca como um possível fator-chave.

A Relação Entre Esquizofrenia e Metabolismo da Glicose

Estudos mostram que pacientes com esquizofrenia apresentam distúrbios no metabolismo da glicose, incluindo níveis alterados no líquido cefalorraquidiano. Esses desequilíbrios sugerem que as vias metabólicas da glicose podem predispor o sistema nervoso central a respostas patológicas.

Pesquisadores propõem que a esquizofrenia segue um modelo de “dois golpes”:

  1. Primeiro Golpe: Desregulação do metabolismo da glicose, que torna o sistema nervoso vulnerável.

  2. Segundo Golpe: Um fator ambiental (como estresse ou infecções) que exacerba a resposta patológica.

Explorando o Metabolismo da Glicose

A glicose, principal fonte de energia cerebral, também atua como molécula sinalizadora. Seus metabólitos influenciam desde a secreção de hormônios até a ativação de células neuronais, como astrócitos e microglia. Isso reforça a ideia de que o metabolismo da glicose não é apenas uma fonte de energia, mas um complexo sistema de sinalização intracelular.

Pesquisas recentes destacam o papel do L-lactato (L-lac-) e do piruvato no equilíbrio redox celular. Distúrbios nesse equilíbrio têm sido associados à esquizofrenia, com implicações na regulação de genes de risco e na formação da memória.

O Modelo de Metabolismo de "Duas Células"

Um modelo alternativo sugere que os neurônios não adquirem glicose diretamente do líquido intersticial cerebral, mas sim através dos astrócitos. Esses, por sua vez, regulam a oferta de glicose e seus metabólitos de acordo com a demanda neuronal. Nesse contexto, a glicogenólise astrocítica (degradação do glicogênio em glicose) desempenha um papel crucial na memória e no funcionamento cerebral saudável.

Desafios ao Conceito Tradicional

O modelo clássico de metabolismo da glicose, centrado na glicólise como uma simples sequência de reações enzimáticas, não captura sua complexidade atual. Novos estudos mostram que enzimas como GAPDH têm funções além da glicólise, incluindo reparo de DNA e transporte intracelular.

Fluxo hipotético de glicose no cérebro. Em verde estão os astrócitos e em azul, os neurônios (Roosterman, & Cottrell, 2021)

Transporte de Glicose e Compartimentos Astrogliais-Neuronais

A concentração de glicose no líquido intersticial cerebral (ISF) é baixa, cerca de 2,6 mM, insuficiente para atender às altas demandas energéticas de compartimentos neuronais. Em contraste, nos capilares, a glicose atinge 5,5 mM. Os astrócitos desempenham um papel crucial nesse transporte, cobrindo os capilares com seus pés finais e transferindo glicose para os neurônios por meio de transportadores de glicose (GLUTs). Além disso, os astrócitos regulam a glicogenólise, liberando glicose-1-fosfato, que é convertida em glicose-6-fosfato, inibindo a hexoquinase II e priorizando a transferência de glicose para os neurônios.

Quando há falhas no compartimento astroglial-neuronal, ocorre um “vazamento” de glicose para o ISF, ativando células microgliais. Isso pode desencadear uma resposta inflamatória, com aumento da fagocitose, liberação de citocinas como TNF-α e IL-6, e outras alterações relacionadas à esquizofrenia.

O funcionamento adequado desse compartimento depende de proteínas de adesão celular, responsáveis por manter sua integridade e garantir a transferência eficiente de glicose. Alterações genéticas ou epigenéticas podem desestabilizar essa estrutura, contribuindo para os desequilíbrios metabólicos observados em pacientes com esquizofrenia. Genes relacionados à dinâmica dos transportadores de glicose e proteínas de adesão também têm sido associados ao risco da doença.

A Consolidação da Memória e o Fluxo de Glicose

A formação da memória está diretamente ligada ao aumento da expressão de transportadores de glicose (GLUTs) e monocarboxilatos (MCTs) em astrócitos e neurônios, transformando o “riacho de glicose” em uma torrente de alta demanda. Essa atividade regula o fluxo de energia e estabiliza sinapses neuronais, processos frequentemente comprometidos na esquizofrenia.

Um compartimento disfuncional pode levar à ativação das células microgliais, que sensibilizam o cérebro a respostas inflamatórias, contribuindo para a liberação de mediadores como IL-1β e fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). Essas respostas inflamatórias são frequentemente observadas em pacientes com esquizofrenia e podem estar diretamente relacionadas ao metabolismo desregulado da glicose.

O Fluxo Bidirecional de Ácidos Monocarboxílicos

O transporte de ácidos monocarboxílicos, como o lactato (L-lacH) e piruvato, é fundamental para o metabolismo cerebral. Modelos recentes sugerem que os monocarboxilatos podem ser exportados e importados por células específicas, dependendo da atividade glicolítica. Essa dinâmica influencia diretamente os níveis de energia e sinalização celular, regulando processos como glicólise e fosforilação oxidativa.

O “envio” e “recebimento” de sinais através do metabolismo da glicose (Roosterman, & Cottrell, 2021)

O transporte de glicose e seus derivados é mediado por transportadores específicos:

  • GLUTs (Transportadores de Glicose): Captam glicose e exportam-na como sinal metabólico.

  • MCTs (Transportadores de Monocarboxilatos): Facilitam a troca de piruvato (Pyr-) e lactato (L-lac-) com suas formas protonadas (PyrH e L-lacH), estabelecendo a comunicação entre diferentes compartimentos celulares.

Nas mitocôndrias:

  • O complexo MCT1•LDH-h (Lactato Desidrogenase Mitocondrial) converte L-lac- em Pyr- e transfere PyrH para a matriz mitocondrial, alimentando o ciclo TCA (ácido tricarboxílico) e a cadeia de transporte de elétrons (ETC).

  • PyrH, em vez de Pyr-, é identificado como o substrato principal do complexo PDH (Piruvato Desidrogenase).

Esses transportadores agem como reguladores metabólicos, distinguindo entre vias catabólicas (alimentadas por L-lac-) e anabólicas (alimentadas por PyrH).

Sinalização em Astrócitos e Neurônios

Os astrócitos, ao armazenarem glicogênio, desempenham um papel central na sinalização metabólica:

  • A glicogenólise astrocítica libera glicose e L-lac-, que são transferidos para os neurônios, influenciando o consumo energético e a estabilidade do compartimento astrócitos-neurônios.

  • Sinalização por L-lacH: O aumento da captação de L-lacH acelera a atividade ETC nos neurônios, destacando o papel catabólico do lactato.

A troca de glicose, PyrH e L-lacH permite que células musculares, cerebrais e β pancreáticas adaptem-se a mudanças no fornecimento metabólico, facilitando processos como aprendizagem e memória.

Tratamentos para Esquizofrenia e Metabolismo da Glicose

Os tratamentos para esquizofrenia, como terapia eletroconvulsiva (ECT) e a administração de olanzapina, interagem diretamente com o metabolismo da glicose. A ECT estimula a glicogenólise astrocítica, promovendo o fornecimento de metabólitos para neurônios. Isso resulta na ativação de vias catabólicas, estabilizando o compartimento astrócitos-neurônios e influenciando a sinalização cerebral.

A olanzapina afeta a expressão de genes relacionados ao metabolismo da glicose, como Slc16a1 e Ldhb, diminuindo o consumo mitocondrial de L-lac- e alterando a proporção L-lac-/Pyr-. Essa alteração favorece o ciclo anabólico Pyr-TCA, contribuindo para efeitos como ganho de peso e hiperglicemia.

Os Inibidores de recaptação de serotonina aumentam a glicogenólise astrocítica, sinalizando o equilíbrio metabólico entre vias catabólicas e anabólicas. O impacto nos compartimentos astrócitos-neurônios explica os efeitos terapêuticos em transtornos como esquizofrenia e depressão.

Hipótese Unificadora da Esquizofrenia

A esquizofrenia pode ser entendida como uma desregulação metabólica que afeta a sinalização glicolítica em astrócitos e neurônios. A glicose e seus metabólitos atuam como "segundos mensageiros", ligando alterações metabólicas a respostas celulares, incluindo:

  • Ação da glicogenólise como mediador principal na liberação de moléculas sinalizadoras.

  • O papel de transportadores e complexos enzimáticos como MCT1•LDH-h e GAPDH na regulação metabólica e energética.

Estas questões apontam para uma outra perspectiva de tratamento: o uso de dietas cetogênicas no tratamento de pacientes diagnosticados com esquizofrenia. Escrevi sobre este tema neste outro artigo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O Papel do Estresse e da Inflamação no Sistema Metabólico Triptofano-Quinurenina

O estresse e a inflamação são fatores reconhecidos por ativar o sistema metabólico triptofano (Trp)-quinurenina (KYN), um processo que desempenha um papel crucial no desenvolvimento de condições patológicas, como distúrbios neurológicos e psiquiátricos.

O Papel Essencial do Triptofano (L-Trp)

O L-Trp é um aminoácido aromático fundamental para a biossíntese de proteínas e atua como substrato para a produção de neurotransmissores e hormônios. Quando ocorre privação aguda de Trp, observam-se sintomas como aumento da sensibilidade à dor, atividade motora, sobressalto acústico e agressividade. A deficiência crônica de Trp pode levar a ataxia, comprometimento cognitivo e disforia, manifestada por sentimentos de tristeza, pesar e angústia.

Triptofano e Distúrbios Psiquiátricos

Estudos apontam para níveis reduzidos de Trp em amostras de sangue de pacientes com depressão e transtorno afetivo bipolar. Isso se deve ao fato de o Trp ser metabolizado em dois sistemas principais: o sistema de serotonina (5-HT) e o sistema KYN. Curiosamente, mais de 95% do L-Trp é direcionado para o sistema KYN, o que resulta na produção de diversas biomoléculas com funções biológicas significativas.

Enzimas e Metabólitos do Sistema KYN

O sistema KYN é composto por várias enzimas-chave:

  • Triptofano 2,3-dioxigenase (TDO):

    • A TDO, uma enzima citosólica codificada pelo gene tdo2, catalisa a conversão de L-Trp em N-formil-L-quinurenina, primeiro passo limitante do sistema Trp-KYN. Estimulada pelo cortisol e pelo metabólito 3-HK, a TDO está associada a condições como TDAH, síndrome de Tourette, MDD (depressão maior), ASD (autismo) e SCZ (esquizofrenia).

    • Modelos de camundongos com deficiência de tdo2 exibiram comportamentos ansiolíticos, maior exploração e cognição aprimorada, além de alterações nos níveis de Trp, 5-HT (serotonina) e KYN. No entanto, estudos posteriores relataram resultados inconclusivos sobre esses comportamentos.

  • Indoleamina 2,3-dioxigenases (IDOs): As IDOs possuem duas isoformas:

    • IDO1: Codificada pelo gene ido1, expressa em várias partes do corpo, incluindo o cérebro. Relaciona-se à sensibilidade a citocinas pró-inflamatórias.

    • IDO2: Codificada pelo gene ido2, expressa amplamente em tecidos como rins e fígado, com funções específicas no metabolismo imunológico.

      • Camundongos com ido1 nocaute (KO) demonstraram comportamentos como hipoatividade diurna, alterações em níveis de serotonina e resistência ao comportamento depressivo induzido por estímulos inflamatórios. Por outro lado, ido2 KO exibiram maior exploração em fases claras.

      • Polimorfismos em ido1 e ido2 também foram associados à resposta ao tratamento com antidepressivos como citalopram

  • Quinurenina 3-monooxigenase (KMO)

    • A KMO, codificada pelo gene kmo, catalisa a conversão de L-KYN em 3-HK, uma etapa redox limitante. Localizada na membrana externa das mitocôndrias, é influenciada por moléculas pró-oxidantes e citocinas inflamatórias.

    • Estudos em camundongos com deficiência de kmo revelaram níveis elevados de KYNA e AA, bem como redução de 3-HK e QUIN, dependendo do tecido. Esses animais apresentaram maior ansiedade e alterações na memória contextual, associadas à alta concentração de KYNA no cérebro.

    • Polimorfismos em kmo, como rs1053230 e rs2275163, foram relacionados a disfunções cognitivas, especialmente em pacientes com esquizofrenia.

  • Quinurenina aminotransferases (KATs)

    • As KATs são enzimas transaminases que convertem L-KYN em KYNA, um antagonista de receptores de glutamato, como AMPA e NMDA. Isoformas como KAT I, II, III e IV desempenham funções distintas no metabolismo mitocondrial e de aminoácidos.

      Em modelos de camundongos:

      • KAT II KO exibiram aumento na função cognitiva e redução transitória de KYNA no hipocampo.

      • GOT2 KO resultaram em morte embrionária, destacando a importância metabólica da KAT IV.

      Além disso, a ação de KYNA nos receptores glutamatérgicos é dose-dependente, influenciando funções cognitivas e emocionais.

  • Quinureninase (KYNU)

    • A KYNU catalisa a conversão de L-KYN em AA e 3-HK em 3-HAA, moléculas com propriedades antioxidantes e inflamatórias.

    • Em humanos, variantes em kynu foram associadas a defeitos congênitos e redução de NADH.

    • Camundongos com deficiência dessa enzima ainda não foram amplamente investigados em relação a distúrbios neurológicos.

Embora a maioria dessas enzimas esteja localizada no citosol, algumas possuem localizações específicas nas mitocôndrias. Por exemplo, a KMO é encontrada na membrana externa da mitocôndria, enquanto as KATs apresentam uma distribuição que inclui a matriz mitocondrial e a membrana plasmática.

Principais Metabólitos e Suas Propriedades

O sistema KYN é responsável pela produção de metabólitos como L-KYN, ácido quinurênico (KYNA), 3-hidroxi-L-quinurenina (3-HK), ácido quinolínico (QUIN) e NAD+. Esses metabólitos apresentam uma ampla gama de propriedades biológicas, que podem ser oxidativas, antioxidantes, neurotóxicas, neuroprotetoras, além de efeitos sobre a cognição e a imunomodulação.

Implicações Psiquiátricas e Neurológicas

Disfunções no sistema Trp-KYN estão ligadas a condições como MDD, SCZ, transtorno bipolar e TEPT. Alterações no córtex pré-frontal (PFC) afetam memória, aprendizagem emocional e controle motor, com potencial impacto em transtornos de ansiedade e depressão.

Estudos recentes destacam abordagens terapêuticas não invasivas, como estimulação cerebral, para modular circuitos neurais envolvidos em memórias emocionais, oferecendo esperança para o tratamento de condições psiquiátricas graves.

O sistema Trp-KYN permanece um campo promissor para entender a relação entre metabolismo, neuroquímica e saúde mental. Pesquisas futuras podem revelar alvos terapêuticos inovadores para o manejo de transtornos neurológicos e psiquiátricos.

Intestino e o sistema Trp-KYN

O intestino desempenha um papel crucial na regulação do metabolismo do triptofano (Trp) pelo sistema Trp-KYN (triptofano-quinurenina), um caminho metabólico essencial para diversos processos fisiológicos e psiquiátricos. Vamos explorar como o intestino e o sistema Trp-KYN estão interligados e seu impacto na saúde geral.

1. Metabolismo de Triptofano no Intestino

O triptofano é um aminoácido essencial obtido pela dieta. No intestino, o Trp é metabolizado de três formas principais:

  • Síntese de serotonina (5-HT): Cerca de 90% da serotonina do corpo é produzida nas células enteroendócrinas do intestino.

  • Conversão microbiana em indóis: O microbioma intestinal transforma Trp em compostos bioativos, como indol e ácido indol-3-acético, que têm efeitos imunomoduladores e metabólicos.

  • Via Trp-KYN: Catalisada por enzimas como TDO (triptofano 2,3-dioxigenase) e IDOs (indoleamina 2,3-dioxigenases), o Trp é convertido em quinurenina (KYN), que influencia processos inflamatórios, neurológicos e imunológicos.

2. Enzimas do Sistema Trp-KYN e o Papel do Intestino

  • TDO (Triptofano 2,3-Dioxigenase): Enzima estimulada por cortisol e fatores de estresse, é expressa principalmente no fígado, mas sua atividade é modulada por metabólitos intestinais.

  • IDO1 e IDO2 (Indoleamina 2,3-Dioxigenases): São reguladas por citocinas pró-inflamatórias e também estão ativas no trato intestinal, onde interagem com o microbioma e modulam a resposta imunológica local e sistêmica.

A atividade dessas enzimas no intestino não apenas regula os níveis de triptofano, mas também impacta a produção de quinurenina e seus derivados, que têm papéis neuroprotetores ou neurotóxicos.

3. Relação com o Microbioma Intestinal

O microbioma intestinal é um mediador importante na interação entre o Trp e o sistema KYN:

  • Algumas bactérias intestinais utilizam Trp para produzir metabólitos bioativos que podem inibir ou estimular o sistema imune.

  • O metabolismo bacteriano de Trp pode alterar a proporção de quinurenina e seus derivados, influenciando processos inflamatórios e neurológicos.

  • Disbiose intestinal (desequilíbrio microbiano) pode desregular a via Trp-KYN, contribuindo para doenças inflamatórias, psiquiátricas e metabólicas.

4. Estratégias Terapêuticas e Intervenções

Intervenções direcionadas ao intestino e ao sistema Trp-KYN estão sendo estudadas para tratar condições psiquiátricas e físicas:

  • Probióticos e prebióticos: Modulação do microbioma para regular a produção de metabólitos de Trp.

  • Inibidores da IDO e TDO: Regulam o desvio do Trp para a via KYN em condições inflamatórias ou psiquiátricas.

  • Dieta rica em Trp: Garantir a disponibilidade adequada do aminoácido para manter o equilíbrio entre serotonina e quinurenina.

  • Terapias anti-inflamatórias: Podem atuar na regulação da via KYN e melhorar os desfechos relacionados à inflamação.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Nutrição no tratamento da ansiedade (a teoria metabólica)

Existe a ansiedade normal e a ansiedade patológica. A ansiedade normal (ou adaptativa ou funcional) não deixa de ser desconfortável, mas é uma resposta evolutiva adaptativa, que garantiu a sobrevivência da nossa espécie. A ansiedade nos deixa mais aptos a fugir de perigos. A ansiedade também pode também pode aumentar o foco, concentração e desempenho.

Curva da Lei de Yerkes-Dodson

A Curva da Lei de Yerkes-Dodson descreve a relação entre o nível de excitação (ou estresse) e o desempenho em tarefas. Essa relação é representada por uma curva em forma de U invertido. A teoria foi proposta pelos psicólogos Robert Yerkes e John Dodson em 1908 e é amplamente utilizada em psicologia, administração e neurociência para entender como o desempenho humano varia com o nível de ativação.

Excitação muito baixa leva a um desempenho fraco. Conforme o nível de excitação pela tarefa aumenta, o interesse e a atenção crescem até um ponto de melhor desempenho. Contudo, a partir de certo ponto o desempenho pode ficar prejudicado.

Cada pessoa aguenta um nível maior ou menor de ansiedade e estresse. Mas, outra forma de olhar é que tarefas mais difíceis requerem menos ansiedade para um desempenho máximo, enquanto tarefas mais difíceis requerem um nível de excitação maior para um desempenho ótimo.

Contudo, existe a ansiedade que gera muito sofrimento e prejuízo funcional. Aqui estão os transtornos de ansiedade, um grupo de condições psicológicas caracterizadas por sentimentos excessivos de preocupação, medo e tensão. Eles podem variar em sintomas, intensidade e causas. De acordo com os principais manuais diagnósticos, como o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças), os transtornos de ansiedade incluem as seguintes categorias principais:

1. Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)

  • Caracteriza-se por uma preocupação excessiva e incontrolável com várias questões do dia a dia.

  • Os sintomas incluem inquietação, fadiga, dificuldade de concentração, irritabilidade e tensão muscular. Está relacionada à alterações do circuito cortico-estriado-talâmico.

2. Transtorno de Pânico

  • Envolve ataques de pânico recorrentes e inesperados, acompanhados por um medo intenso de um novo ataque.

  • Sintomas incluem taquicardia, sudorese, sensação de sufocamento e medo de morrer ou perder o controle. Associado à hiperestímulo da amígdala (o centro do medo).

3. Fobia Específica

  • Medo intenso e irracional de objetos, situações ou animais específicos (por exemplo, medo de altura, aranhas, voar).

  • A exposição ao estímulo provoca ansiedade imediata. Também associado à hiperestímulo da amígdala.

4. Transtorno de Ansiedade Social (Fobia Social)

  • Medo intenso de ser avaliado ou julgado negativamente em situações sociais.

  • Pode levar à evitação de interações sociais.

5. Transtorno de Ansiedade de Separação

  • Ansiedade excessiva em relação à separação de figuras de apego, como pais ou cuidadores.

  • Mais comum em crianças, mas pode ocorrer em adultos.

6. Mutismo Seletivo

  • Incapacidade de falar em situações sociais específicas, apesar de a pessoa ser capaz de falar em outros contextos.

  • Geralmente diagnosticado na infância.

7. Agorafobia

  • Medo ou ansiedade relacionados a estar em situações onde fugir ou obter ajuda seria difícil, como em multidões, transportes públicos ou espaços abertos.

  • Frequentemente associada ao transtorno de pânico.

8. Transtorno de Ansiedade Induzido por Substância/Medicamento

  • Ansiedade causada diretamente pelo uso, abstinência ou intoxicação de substâncias como drogas, álcool ou medicamentos.

9. Transtorno de Ansiedade devido a Condição Médica Geral

  • Ansiedade que ocorre como consequência direta de condições de saúde, como hipertiroidismo, arritmias ou doenças respiratórias.

10. Transtorno de Ansiedade Não Especificado

  • Inclui sintomas significativos de ansiedade que não atendem completamente aos critérios para um transtorno específico.

Outros Transtornos Relacionados

Algumas condições relacionadas que, embora não sejam classificadas exclusivamente como transtornos de ansiedade, podem compartilhar características ou estar associadas:

  • Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e transtornos relacionados.

  • Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).

  • Transtorno de Estresse Agudo.

Embora essas condições sejam distintas, elas muitas vezes se sobrepõem, e é comum que uma pessoa tenha mais de um transtorno de ansiedade ao mesmo tempo.

Aspectos neurobiológicos da ansiedade

Alterações de circuitos neurais costumam estar presentes, especialmente as relações entre a amígdala, o córtex pré-frontal e o hipocampo. A amígdala em particular, desempenha um papel crucial na resposta ao medo e na percepção de ameaças. Disfunções nessa área podem levar a uma hiper-responsividade às ameaças, característica dos transtornos ansiosos.

A amígdala está relacionada à percepção do quão ameaçador é um estímulo. Hiperestímulo da amígdala gera medo irracional por um objeto específico. O ataque de pânico é um medo forte irracional que vai e vem.

Neurotransmissores também estão alterados nos transtornos de ansiedade. Muitos neurotransmissores atuam como neuromoduladores que alteram as respostas emocionais, como serotonina e norepinefrina. Excesso de norepinefrina, por exemplo, gera hiperativação do locus coeruleus e aumento da ativação da amígdala, como observado nos estados ansiosos, com resposta exagerada ao estresse e aumento de percepção de ameaças.

Além do estresse crônico, do envelhecimento e dos fatores de risco genéticos, a situação piora na vigência de inflamação sistêmica, infecções, privação de sono e dieta inadequada. Estes fatores contribuem para estresse oxidativo, disfunção mitocondrial, desequilíbrios metabólicos, neuroinflamação, resposta de proteínas mal dobradas que podem levar à degeneração do Locus coeruleus.

O Locus coeruleus pode ser protegido com várias estratégias de estilo de vida, incluindo atividade física, higiene do sono, nutrição adequada, manejo do estresse, uso de antioxidantes, compostos que reduzam a inflamação (como ômega-3 e curcumina), moduladores metabólicos (como cetonas e NADH).

A disfunção na ação do GABA, um importante neurotransmissor inibitório, é outro fator importante pois pode levar a aumento de excitabilidade neuronal, muito associada à ansiedade.

Um outro ponto é a desregulação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA ou HHA), que regula a resposta a situações de estresse e está hiperativado na maior parte dos pacientes com transtornos de ansiedade. A hiperativação expressa por elevados níveis de cortisol, pode influenciar as funções de regiões como o hipotálamo e a amígdala. O manejo do estresse é fundamental no tratamento dos transtornos ansiosos.

Por fim, existem comumente alterações de neuroplasticidade e de fatores neurotróficos. O papel do BDNF é fundamental na resposta adaptativa ao estresse, sugerindo que a falha de mecanismos de neuroplasticidade pode contribuir para a persistência dos sintomas ansiosos.

Tratamento da ansiedade

O diagnóstico e o tratamento devem ser realizados por profissionais especializados. O tratamento pode envolver:

  • terapia cognitivo-comportamental

  • uso de medicamentos

  • atividade física

  • suplementação

  • dieta

Nutrição como tratamento metabólico para a ansiedade

O cérebro é metabolicamente ativo, consumindo grandes quantidades de energia. Desequilíbrios no metabolismo cerebral, como resistência à insulina e inflamação, estão associados à ansiedade. Assim, ajustar a dieta pode ajudar a regular esses processos metabólicos.

Dieta Cetogênica: Rica em gorduras e baixa em carboidratos, esta dieta melhora a função mitocondrial e reduz a inflamação, ajudando a aliviar sintomas de ansiedade.

  1. Ácidos Graxos Ômega-3: Encontrados em peixes e sementes, eles reduzem a inflamação no cérebro e melhoram a comunicação neuronal.

  2. Probióticos e Saúde Intestinal: Um intestino saudável está ligado a um cérebro saudável. Alimentos fermentados podem diminuir os níveis de ansiedade.

  3. Vitaminas B e Magnésio: Essenciais para a produção de neurotransmissores como a serotonina, que regula o humor.

  4. Controle de Açúcar no Sangue: Dietas que evitam picos de glicose ajudam a manter níveis de energia cerebrais mais estáveis.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/