A Esquizofrenia e o Metabolismo da Glicose: Uma Nova Perspectiva

A esquizofrenia é um transtorno mental crônico que afeta mais de 20 milhões de pessoas globalmente. Caracteriza-se por distorções no pensamento, percepção, emoções e linguagem. Apesar de décadas de pesquisa, ainda não há consenso sobre as causas exatas da esquizofrenia. Entre as hipóteses atuais, o metabolismo da glicose no sistema nervoso central se destaca como um possível fator-chave.

A Relação Entre Esquizofrenia e Metabolismo da Glicose

Estudos mostram que pacientes com esquizofrenia apresentam distúrbios no metabolismo da glicose, incluindo níveis alterados no líquido cefalorraquidiano. Esses desequilíbrios sugerem que as vias metabólicas da glicose podem predispor o sistema nervoso central a respostas patológicas.

Pesquisadores propõem que a esquizofrenia segue um modelo de “dois golpes”:

  1. Primeiro Golpe: Desregulação do metabolismo da glicose, que torna o sistema nervoso vulnerável.

  2. Segundo Golpe: Um fator ambiental (como estresse ou infecções) que exacerba a resposta patológica.

Explorando o Metabolismo da Glicose

A glicose, principal fonte de energia cerebral, também atua como molécula sinalizadora. Seus metabólitos influenciam desde a secreção de hormônios até a ativação de células neuronais, como astrócitos e microglia. Isso reforça a ideia de que o metabolismo da glicose não é apenas uma fonte de energia, mas um complexo sistema de sinalização intracelular.

Pesquisas recentes destacam o papel do L-lactato (L-lac-) e do piruvato no equilíbrio redox celular. Distúrbios nesse equilíbrio têm sido associados à esquizofrenia, com implicações na regulação de genes de risco e na formação da memória.

O Modelo de Metabolismo de "Duas Células"

Um modelo alternativo sugere que os neurônios não adquirem glicose diretamente do líquido intersticial cerebral, mas sim através dos astrócitos. Esses, por sua vez, regulam a oferta de glicose e seus metabólitos de acordo com a demanda neuronal. Nesse contexto, a glicogenólise astrocítica (degradação do glicogênio em glicose) desempenha um papel crucial na memória e no funcionamento cerebral saudável.

Desafios ao Conceito Tradicional

O modelo clássico de metabolismo da glicose, centrado na glicólise como uma simples sequência de reações enzimáticas, não captura sua complexidade atual. Novos estudos mostram que enzimas como GAPDH têm funções além da glicólise, incluindo reparo de DNA e transporte intracelular.

Fluxo hipotético de glicose no cérebro. Em verde estão os astrócitos e em azul, os neurônios (Roosterman, & Cottrell, 2021)

Transporte de Glicose e Compartimentos Astrogliais-Neuronais

A concentração de glicose no líquido intersticial cerebral (ISF) é baixa, cerca de 2,6 mM, insuficiente para atender às altas demandas energéticas de compartimentos neuronais. Em contraste, nos capilares, a glicose atinge 5,5 mM. Os astrócitos desempenham um papel crucial nesse transporte, cobrindo os capilares com seus pés finais e transferindo glicose para os neurônios por meio de transportadores de glicose (GLUTs). Além disso, os astrócitos regulam a glicogenólise, liberando glicose-1-fosfato, que é convertida em glicose-6-fosfato, inibindo a hexoquinase II e priorizando a transferência de glicose para os neurônios.

Quando há falhas no compartimento astroglial-neuronal, ocorre um “vazamento” de glicose para o ISF, ativando células microgliais. Isso pode desencadear uma resposta inflamatória, com aumento da fagocitose, liberação de citocinas como TNF-α e IL-6, e outras alterações relacionadas à esquizofrenia.

O funcionamento adequado desse compartimento depende de proteínas de adesão celular, responsáveis por manter sua integridade e garantir a transferência eficiente de glicose. Alterações genéticas ou epigenéticas podem desestabilizar essa estrutura, contribuindo para os desequilíbrios metabólicos observados em pacientes com esquizofrenia. Genes relacionados à dinâmica dos transportadores de glicose e proteínas de adesão também têm sido associados ao risco da doença.

A Consolidação da Memória e o Fluxo de Glicose

A formação da memória está diretamente ligada ao aumento da expressão de transportadores de glicose (GLUTs) e monocarboxilatos (MCTs) em astrócitos e neurônios, transformando o “riacho de glicose” em uma torrente de alta demanda. Essa atividade regula o fluxo de energia e estabiliza sinapses neuronais, processos frequentemente comprometidos na esquizofrenia.

Um compartimento disfuncional pode levar à ativação das células microgliais, que sensibilizam o cérebro a respostas inflamatórias, contribuindo para a liberação de mediadores como IL-1β e fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). Essas respostas inflamatórias são frequentemente observadas em pacientes com esquizofrenia e podem estar diretamente relacionadas ao metabolismo desregulado da glicose.

O Fluxo Bidirecional de Ácidos Monocarboxílicos

O transporte de ácidos monocarboxílicos, como o lactato (L-lacH) e piruvato, é fundamental para o metabolismo cerebral. Modelos recentes sugerem que os monocarboxilatos podem ser exportados e importados por células específicas, dependendo da atividade glicolítica. Essa dinâmica influencia diretamente os níveis de energia e sinalização celular, regulando processos como glicólise e fosforilação oxidativa.

O “envio” e “recebimento” de sinais através do metabolismo da glicose (Roosterman, & Cottrell, 2021)

O transporte de glicose e seus derivados é mediado por transportadores específicos:

  • GLUTs (Transportadores de Glicose): Captam glicose e exportam-na como sinal metabólico.

  • MCTs (Transportadores de Monocarboxilatos): Facilitam a troca de piruvato (Pyr-) e lactato (L-lac-) com suas formas protonadas (PyrH e L-lacH), estabelecendo a comunicação entre diferentes compartimentos celulares.

Nas mitocôndrias:

  • O complexo MCT1•LDH-h (Lactato Desidrogenase Mitocondrial) converte L-lac- em Pyr- e transfere PyrH para a matriz mitocondrial, alimentando o ciclo TCA (ácido tricarboxílico) e a cadeia de transporte de elétrons (ETC).

  • PyrH, em vez de Pyr-, é identificado como o substrato principal do complexo PDH (Piruvato Desidrogenase).

Esses transportadores agem como reguladores metabólicos, distinguindo entre vias catabólicas (alimentadas por L-lac-) e anabólicas (alimentadas por PyrH).

Sinalização em Astrócitos e Neurônios

Os astrócitos, ao armazenarem glicogênio, desempenham um papel central na sinalização metabólica:

  • A glicogenólise astrocítica libera glicose e L-lac-, que são transferidos para os neurônios, influenciando o consumo energético e a estabilidade do compartimento astrócitos-neurônios.

  • Sinalização por L-lacH: O aumento da captação de L-lacH acelera a atividade ETC nos neurônios, destacando o papel catabólico do lactato.

A troca de glicose, PyrH e L-lacH permite que células musculares, cerebrais e β pancreáticas adaptem-se a mudanças no fornecimento metabólico, facilitando processos como aprendizagem e memória.

Tratamentos para Esquizofrenia e Metabolismo da Glicose

Os tratamentos para esquizofrenia, como terapia eletroconvulsiva (ECT) e a administração de olanzapina, interagem diretamente com o metabolismo da glicose. A ECT estimula a glicogenólise astrocítica, promovendo o fornecimento de metabólitos para neurônios. Isso resulta na ativação de vias catabólicas, estabilizando o compartimento astrócitos-neurônios e influenciando a sinalização cerebral.

A olanzapina afeta a expressão de genes relacionados ao metabolismo da glicose, como Slc16a1 e Ldhb, diminuindo o consumo mitocondrial de L-lac- e alterando a proporção L-lac-/Pyr-. Essa alteração favorece o ciclo anabólico Pyr-TCA, contribuindo para efeitos como ganho de peso e hiperglicemia.

Os Inibidores de recaptação de serotonina aumentam a glicogenólise astrocítica, sinalizando o equilíbrio metabólico entre vias catabólicas e anabólicas. O impacto nos compartimentos astrócitos-neurônios explica os efeitos terapêuticos em transtornos como esquizofrenia e depressão.

Hipótese Unificadora da Esquizofrenia

A esquizofrenia pode ser entendida como uma desregulação metabólica que afeta a sinalização glicolítica em astrócitos e neurônios. A glicose e seus metabólitos atuam como "segundos mensageiros", ligando alterações metabólicas a respostas celulares, incluindo:

  • Ação da glicogenólise como mediador principal na liberação de moléculas sinalizadoras.

  • O papel de transportadores e complexos enzimáticos como MCT1•LDH-h e GAPDH na regulação metabólica e energética.

Estas questões apontam para uma outra perspectiva de tratamento: o uso de dietas cetogênicas no tratamento de pacientes diagnosticados com esquizofrenia. Escrevi sobre este tema neste outro artigo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/