O estresse e a inflamação são fatores reconhecidos por ativar o sistema metabólico triptofano (Trp)-quinurenina (KYN), um processo que desempenha um papel crucial no desenvolvimento de condições patológicas, como distúrbios neurológicos e psiquiátricos.
O Papel Essencial do Triptofano (L-Trp)
O L-Trp é um aminoácido aromático fundamental para a biossíntese de proteínas e atua como substrato para a produção de neurotransmissores e hormônios. Quando ocorre privação aguda de Trp, observam-se sintomas como aumento da sensibilidade à dor, atividade motora, sobressalto acústico e agressividade. A deficiência crônica de Trp pode levar a ataxia, comprometimento cognitivo e disforia, manifestada por sentimentos de tristeza, pesar e angústia.
Triptofano e Distúrbios Psiquiátricos
Estudos apontam para níveis reduzidos de Trp em amostras de sangue de pacientes com depressão e transtorno afetivo bipolar. Isso se deve ao fato de o Trp ser metabolizado em dois sistemas principais: o sistema de serotonina (5-HT) e o sistema KYN. Curiosamente, mais de 95% do L-Trp é direcionado para o sistema KYN, o que resulta na produção de diversas biomoléculas com funções biológicas significativas.
Enzimas e Metabólitos do Sistema KYN
O sistema KYN é composto por várias enzimas-chave:
Triptofano 2,3-dioxigenase (TDO):
A TDO, uma enzima citosólica codificada pelo gene tdo2, catalisa a conversão de L-Trp em N-formil-L-quinurenina, primeiro passo limitante do sistema Trp-KYN. Estimulada pelo cortisol e pelo metabólito 3-HK, a TDO está associada a condições como TDAH, síndrome de Tourette, MDD (depressão maior), ASD (autismo) e SCZ (esquizofrenia).
Modelos de camundongos com deficiência de tdo2 exibiram comportamentos ansiolíticos, maior exploração e cognição aprimorada, além de alterações nos níveis de Trp, 5-HT (serotonina) e KYN. No entanto, estudos posteriores relataram resultados inconclusivos sobre esses comportamentos.
Indoleamina 2,3-dioxigenases (IDOs): As IDOs possuem duas isoformas:
IDO1: Codificada pelo gene ido1, expressa em várias partes do corpo, incluindo o cérebro. Relaciona-se à sensibilidade a citocinas pró-inflamatórias.
IDO2: Codificada pelo gene ido2, expressa amplamente em tecidos como rins e fígado, com funções específicas no metabolismo imunológico.
Camundongos com ido1 nocaute (KO) demonstraram comportamentos como hipoatividade diurna, alterações em níveis de serotonina e resistência ao comportamento depressivo induzido por estímulos inflamatórios. Por outro lado, ido2 KO exibiram maior exploração em fases claras.
Polimorfismos em ido1 e ido2 também foram associados à resposta ao tratamento com antidepressivos como citalopram
Quinurenina 3-monooxigenase (KMO)
A KMO, codificada pelo gene kmo, catalisa a conversão de L-KYN em 3-HK, uma etapa redox limitante. Localizada na membrana externa das mitocôndrias, é influenciada por moléculas pró-oxidantes e citocinas inflamatórias.
Estudos em camundongos com deficiência de kmo revelaram níveis elevados de KYNA e AA, bem como redução de 3-HK e QUIN, dependendo do tecido. Esses animais apresentaram maior ansiedade e alterações na memória contextual, associadas à alta concentração de KYNA no cérebro.
Polimorfismos em kmo, como rs1053230 e rs2275163, foram relacionados a disfunções cognitivas, especialmente em pacientes com esquizofrenia.
Quinurenina aminotransferases (KATs)
As KATs são enzimas transaminases que convertem L-KYN em KYNA, um antagonista de receptores de glutamato, como AMPA e NMDA. Isoformas como KAT I, II, III e IV desempenham funções distintas no metabolismo mitocondrial e de aminoácidos.
Em modelos de camundongos:
KAT II KO exibiram aumento na função cognitiva e redução transitória de KYNA no hipocampo.
GOT2 KO resultaram em morte embrionária, destacando a importância metabólica da KAT IV.
Além disso, a ação de KYNA nos receptores glutamatérgicos é dose-dependente, influenciando funções cognitivas e emocionais.
Quinureninase (KYNU)
A KYNU catalisa a conversão de L-KYN em AA e 3-HK em 3-HAA, moléculas com propriedades antioxidantes e inflamatórias.
Em humanos, variantes em kynu foram associadas a defeitos congênitos e redução de NADH.
Camundongos com deficiência dessa enzima ainda não foram amplamente investigados em relação a distúrbios neurológicos.
Embora a maioria dessas enzimas esteja localizada no citosol, algumas possuem localizações específicas nas mitocôndrias. Por exemplo, a KMO é encontrada na membrana externa da mitocôndria, enquanto as KATs apresentam uma distribuição que inclui a matriz mitocondrial e a membrana plasmática.
Principais Metabólitos e Suas Propriedades
O sistema KYN é responsável pela produção de metabólitos como L-KYN, ácido quinurênico (KYNA), 3-hidroxi-L-quinurenina (3-HK), ácido quinolínico (QUIN) e NAD+. Esses metabólitos apresentam uma ampla gama de propriedades biológicas, que podem ser oxidativas, antioxidantes, neurotóxicas, neuroprotetoras, além de efeitos sobre a cognição e a imunomodulação.
Implicações Psiquiátricas e Neurológicas
Disfunções no sistema Trp-KYN estão ligadas a condições como MDD, SCZ, transtorno bipolar e TEPT. Alterações no córtex pré-frontal (PFC) afetam memória, aprendizagem emocional e controle motor, com potencial impacto em transtornos de ansiedade e depressão.
Estudos recentes destacam abordagens terapêuticas não invasivas, como estimulação cerebral, para modular circuitos neurais envolvidos em memórias emocionais, oferecendo esperança para o tratamento de condições psiquiátricas graves.
O sistema Trp-KYN permanece um campo promissor para entender a relação entre metabolismo, neuroquímica e saúde mental. Pesquisas futuras podem revelar alvos terapêuticos inovadores para o manejo de transtornos neurológicos e psiquiátricos.
Intestino e o sistema Trp-KYN
O intestino desempenha um papel crucial na regulação do metabolismo do triptofano (Trp) pelo sistema Trp-KYN (triptofano-quinurenina), um caminho metabólico essencial para diversos processos fisiológicos e psiquiátricos. Vamos explorar como o intestino e o sistema Trp-KYN estão interligados e seu impacto na saúde geral.
1. Metabolismo de Triptofano no Intestino
O triptofano é um aminoácido essencial obtido pela dieta. No intestino, o Trp é metabolizado de três formas principais:
Síntese de serotonina (5-HT): Cerca de 90% da serotonina do corpo é produzida nas células enteroendócrinas do intestino.
Conversão microbiana em indóis: O microbioma intestinal transforma Trp em compostos bioativos, como indol e ácido indol-3-acético, que têm efeitos imunomoduladores e metabólicos.
Via Trp-KYN: Catalisada por enzimas como TDO (triptofano 2,3-dioxigenase) e IDOs (indoleamina 2,3-dioxigenases), o Trp é convertido em quinurenina (KYN), que influencia processos inflamatórios, neurológicos e imunológicos.
2. Enzimas do Sistema Trp-KYN e o Papel do Intestino
TDO (Triptofano 2,3-Dioxigenase): Enzima estimulada por cortisol e fatores de estresse, é expressa principalmente no fígado, mas sua atividade é modulada por metabólitos intestinais.
IDO1 e IDO2 (Indoleamina 2,3-Dioxigenases): São reguladas por citocinas pró-inflamatórias e também estão ativas no trato intestinal, onde interagem com o microbioma e modulam a resposta imunológica local e sistêmica.
A atividade dessas enzimas no intestino não apenas regula os níveis de triptofano, mas também impacta a produção de quinurenina e seus derivados, que têm papéis neuroprotetores ou neurotóxicos.
3. Relação com o Microbioma Intestinal
O microbioma intestinal é um mediador importante na interação entre o Trp e o sistema KYN:
Algumas bactérias intestinais utilizam Trp para produzir metabólitos bioativos que podem inibir ou estimular o sistema imune.
O metabolismo bacteriano de Trp pode alterar a proporção de quinurenina e seus derivados, influenciando processos inflamatórios e neurológicos.
Disbiose intestinal (desequilíbrio microbiano) pode desregular a via Trp-KYN, contribuindo para doenças inflamatórias, psiquiátricas e metabólicas.
4. Estratégias Terapêuticas e Intervenções
Intervenções direcionadas ao intestino e ao sistema Trp-KYN estão sendo estudadas para tratar condições psiquiátricas e físicas:
Probióticos e prebióticos: Modulação do microbioma para regular a produção de metabólitos de Trp.
Inibidores da IDO e TDO: Regulam o desvio do Trp para a via KYN em condições inflamatórias ou psiquiátricas.
Dieta rica em Trp: Garantir a disponibilidade adequada do aminoácido para manter o equilíbrio entre serotonina e quinurenina.
Terapias anti-inflamatórias: Podem atuar na regulação da via KYN e melhorar os desfechos relacionados à inflamação.
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