Disbiose, nervo vago e doenças crônicas

A microbiota, o intestino e o cérebro comunicam-se através do eixo microbiota-intestino-cérebro e uma perturbação deste eixo está envolvida na fisiopatologia de muitas doenças crônicas, incluindo as neurodegenerativas.

O cérebro e o intestino comunicam-se de forma bidirecional, através do sistema nervoso autônomo (SNA) e dos órgãos circunventriculares. Uma perturbação deste eixo está envolvida na fisiopatologia de distúrbios gastrointestinais (GI), como a síndrome do intestino irritável (SII) e a doença inflamatória intestinal (DII), que são doenças biopsicossociais.

O nervo vago (NV), o principal componente do sistema nervoso parassimpático, é capaz de perceber a microbiota, de transferir esta informação intestinal para o sistema nervoso central onde está integrada, e depois gerar uma resposta adaptada ou inadequada.

Os compostos neuroativos produzidos no intestino são liberados por bactérias como o ácido γ-aminobutírico (GABA), serotonina, dopamina, acetilcolina (ACh) e atuam essencialmente localmente no sistema nervoso entérico. Alguns desses compostos atingem o cérebro através do sangue e dos órgãos circunventriculares ou através do NV.

A figura acima mostra a comunicação entre o sistema nervoso central e a microbiota através do nervo vago (NV). O NV contém 80 de fibras nervosas aferentes e 20% de fibras nervosas eferentes. As fibras aferentes de NV podem ser estimuladas por componentes da microbiota, direta ou indiretamente, através de células endócrinas intestinais. As fibras aferentes do NV exercem estímulos no sistema nervoso central através da rede autonômica central (CAN). As fibras aferentes do NV são capazes de estimular fibras eferentes através do reflexo inflamatório.

As fibras eferentes do NV podem reduzir a inflamação digestiva e reduzir a permeabilidade intestinal por meio do reforço das junções estreitas. Essas ações das fibras eferentes vagais podem modular indiretamente a composição da microbiota. Juntamente com o eixo cérebro-NV-microbiota existe comunicação bidirecional de várias maneiras.

Parede intestinal em condições homeostáticas (esquerda) e condições inflamatórias (direita). Em condições inflamatórias a composição da microbiota intestinal é alterada (a), a barreira epitelial intestinal é prejudicada (b), permitindo a translocação de micróbios (ou seus produtos) (c) e resultando em um aumento nas células Th17 (d) e perda axonal entérica e gliose (e) (Parodi, & Rosbo, 2021).

Além da detecção mediada por células, o NV pode detectar sinais da microbiota através de mecanismos diretos. Por exemplo, os AGCC produzidos pela microbiota ativam as fibras aferentes vagais por diferentes mecanismos dependendo do composto: enquanto o oleato, um ácido graxo longo, atua nas fibras aferentes vagais através de um mecanismo mediado por CCK, o butirato, um ácido graxo curto, tem um efeito direto em terminais aferentes.

Além disso, os receptores TLR4 são expressos em fibras aferentes vagais e essas fibras podem detectar produtos bacterianos como o LPS de bactérias para ativar o cérebro.

Receptor TLR4 (Dai et al., 2022)

As terminações aferentes vagais são divididas em três subtipos: as terminações aferentes das vilosidades são distribuídas nas pontas apicais das vilosidades intestinais, imediatamente abaixo da parede epitelial, enquanto outros tipos de terminações aferentes são distribuídas independentemente ao redor das glândulas intestinais ou criptas ( terminações aferentes da cripta), imediatamente abaixo da junção cripta-vilosidade, ou ao longo das glândulas antrais gástricas (terminações aferentes da glândula antral) e forma concentrações terminais imediatamente abaixo da parede epitelial luminal.

Tipos de terminações aferentes vagais (Bonaz, Bazin, & Pellissier, 2018)

Aferentes Terminais Vagais e o Eixo Microbiota-Intestino-Cérebro

As terminações aferentes do nervo vago (VN) desempenham um papel crucial na comunicação entre o sistema gastrointestinal (GI) e o cérebro. Estas terminações são sensíveis tanto a estímulos químicos quanto mecânicos e estão localizadas nas glândulas antrais gástricas e nas vilosidades intestinais. A ativação de fibras aferentes vagais pode influenciar diretamente o comportamento intestinal e a comunicação com o cérebro, sendo modulada pela microbiota intestinal e afetada por fatores como estresse.

As fibras aferentes vagais são sensíveis a várias substâncias presentes no intestino, incluindo neurotransmissores como serotonina (5-HT), que atuam diretamente sobre as terminações aferentes através dos receptores 5-HT3. Além disso, elas podem responder a moléculas derivadas da microbiota, como ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), e hormônios intestinais.

Interação da Microbiota com o Sistema Nervoso

O VN é um mediador importante na comunicação entre o intestino e o cérebro, sendo capaz de modificar a atividade cerebral e afetar o comportamento. Pesquisas de Tanida et al. (2005) e Bravo et al. (2011) mostram que a administração de probióticos como Lactobacillus rhamnosus pode afetar a expressão de neurotransmissores cerebrais e reduzir a resposta ao estresse e sintomas de ansiedade. A ativação vagal também pode modificar a expressão de neurotransmissores como serotonina, GABA e glutamato no cérebro, sugerindo que a modulação da microbiota intestinal pode ter efeitos terapêuticos em distúrbios como a depressão e a epilepsia.

O Impacto do Estresse na Comunicação Microbiota-Intestino-Cérebro

A redução no tônus vagal tem sido associada a condições caracterizadas por disbiose e permeabilidade intestinal aumentada. O estresse piora tudo, pois afeta negativamente a função gastrointestinal, aumentando a permeabilidade intestinal e alterando a microbiota. O fator liberador de corticotrofina (CRF) está envolvido nesse processo, modulando tanto a permeabilidade intestinal quanto a composição da microbiota. O estresse crônico pode inibir a atividade vagal, prejudicando a resposta anti-inflamatória e favorecendo a disbiose intestinal, o que pode contribuir para condições como a síndrome do intestino irritável (SII) e doenças inflamatórias intestinais (DII).

A modulação da atividade vagal, seja por estimulação elétrica (VNS), probióticos ou terapias complementares como meditação e respiração profunda, pode ser uma abordagem eficaz para restaurar o equilíbrio do eixo microbiota-intestino-cérebro. Este tipo de terapia oferece uma promessa significativa para o tratamento de distúrbios relacionados ao estresse e condições inflamatórias intestinais.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/