O trato gastrointestinal humano é colonizado por trilhões de microrganismos que interagem com o hospedeiro para manter a homeostase estrutural e funcional. O epitélio intestinal fornece uma barreira física e imunológica entre o hospedeiro e a microbiota intestinal que é regulada dinamicamente por meio da produção de metabólitos e da sinalização de receptores de reconhecimento de padrões.
Atuando como a interface entre o local da maior carga microbiana no corpo humano e o compartimento imunológico mais rico, uma única camada de células epiteliais intestinais se especializa na absorção de nutrientes, estratifica microrganismos para limitar a colonização de tecidos e molda as respostas das células imunes subepiteliais.
Receptores de reconhecimento de padrões, como os receptores Toll-like (TLRs), são proteínas transmembrana capazes de reconhecer componentes do envelope bacteriano, como lipopolissacarídeos (LPS) e ácidos lipoteicóicos. Os receptores Toll-like (TLRs) são proteínas induzidas por micróbios que são expressas na maioria das linhagens de células epiteliais e têm importantes funções antimicrobianas. Mecanismos de regulação rigorosos previnem respostas excessivas a microrganismos comensais.
O epitélio intestinal representa a interface entre os ecossistemas microbianos presentes no lúmen do trato digestório (Brasil)/ trato digestivo (Portugal) e o sistema imunológico. Em condições saudáveis, a função de barreira do epitélio intestinal é garantida pelas junções estreitas entre as células (representado na figura acima por traços em azul).
Em condições patológicas, essas junções são rompidas, expondo seus receptores basolaterais a ligantes potencialmente patogênicos (condição de intestino vazado, permeável, em inglês Leaky Gut). TLR2, TLR4 e TLR5 são expressos nas células do epitélio intestinal, bem como nas células do sistema imunológico (representadas na figura acima por macrófagos e células dendríticas - DCs). O intestino delgado possui mais TLR2 e TLR4 e o cólon (intestino grosso) possui mais TLR5. O TLRs podem ser ativado por lipopolissacarídeo (LPS) bacterianos. Vários estudos relataram a sensibilização ou excitação direta de neurônios pelo LPS.
As células imunes da mucosa são capazes de distinguir bactérias comensais de bactérias patogênicas através dos TLRs, que são capazes de detectar antígenos microbianos. Da mesma forma, as células imunes dendríticas (estendendo seus dendritos entre as junções estreitas das células epiteliais de modo a detectar diretamente o ambiente luminal) e algumas células enteroendócrinas (ou neuroendócrinas) podem responder à presença e atividade de organismos microbianos intraluminais através de TLRs.
O reconhecimento de motivos microbianos por TLR melhora a função da barreira epitelial intestinal induzindo o estreitamento das junções intercelulares, a secreção de muco e peptídeos antimicrobianos e a produção de espécies reativas de oxigênio. A sinalização microbiana por meio de TLRs participa do reparo epitelial intestinal após lesão induzindo a produção de substâncias que melhoram a migração, a sobrevivência e a proliferação das células epiteliais e promovem a restituição da arquitetura epitelial normal.
A desregulação da sinalização de TLR pode levar à eliminação ineficiente de patobiontes e alterações na composição microbiana normal. Desequilíbrios na composição microbiana aumentam a suscetibilidade à colite e à tumorigênese (Burgueño, & Abreu, 2020).
As células enteroendócrinas também possuem receptores acoplados à proteína G que são capazes de detectar metabólitos microbianos, como aminoácidos (por exemplo, glutamato), hidrolisados de proteínas, além de ácidos graxos curtos e longos.
Bactérias produzem ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) a partir de fibras. Estes SCFAs podem ser detectados por receptores GPR de vários tipos de células enteroendócrinas (por exemplo, as que secretam CCK, grelina, gastrina, GLP-1, PYY, neurotensina, secretina) em todo o trato gastrointestinal.
A estimulação dos receptores GPR41 e GPR43 pelos ácidos graxos de cadeia curta promove a secreção de GLP-1 e PYY.
Outro grupo de metabólitos da microbiota intestinal, nomeadamente indol e triptamina derivados do triptofano, é conhecido por modular a liberação de hormônios intestinais.
O indol desencadeia a secreção de GLP-1 pelas células L enteroendócrinas, enquanto a triptamina induz a secreção de serotonina (5-HT). A microbiota intestinal também contribui para regular a sensibilidade à leptina, o chamado “hormônio da saciedade”.
O GPR41 ajuda a suprimir o apetite por meio da secreção de leptina, redução do acúmulo de lipídios e aumento do gasto energético, levando à perda de peso. Por outro lado, o GPR43 reduz o acúmulo de lipídios suprimindo a sinalização da insulina por meio da regulação das vias PLC, proteína quinase C (PKC), fosfatase e homólogo de tensina (PTEN).
A ativação do GPR41 no músculo aumenta a captação de glicose por meio da via CaMKII-p38-CREB, enquanto a ativação do GPR43 regula a expressão de fatores de proliferação de células musculares. No fígado, o GPR41/43 ativa a via CAMKII-CREB e regula o HDAC1, prevenindo a esteatose hepática por meio do controle do acúmulo de lipídios (Acc1, Scd1) e das vias de oxidação.
O fornecimento de SCFAs contribui para manter a homeostase do intestino do hospedeiro e regula as respostas inflamatórias por meio dos receptores GPR41 e GPR43. O GPR43 atua para reduzir os danos aos tecidos regulando as vias NF-κB e MAPK, bem como radicais livres mitocondriais induzidas por agentes inflamatórios pulmonares (como tabagismo, LPS, etc.), inibindo o acúmulo de células inflamatórias e a secreção de citocinas durante a inflamação das vias aéreas.
No intestino, GPR41 e GPR43 mediam as respostas imunes induzidas por etanol e TNBS regulando a via MEK-ERK. Além disso, sob condições de infecção bacteriana, o GPR43 previne a inflamação intestinal por meio da regulação de NLRP3 em eosinófilos e STAT3 em células linfoides inatas do tipo 3. Assim, o consumo de fibras e produção de ácidos graxos de cadeia curta é fundamental para a saúde metabólica.
APRENDA MAIS NO CURSO DE MODULAÇÃO DA MICROBIOTA INTESTINAL