Como corpos cetônicos influenciam o metabolismo do cérebro?

O cérebro pesa apenas 2% de toda a massa corporal. Contudo, consome cerca de 20% da energia do corpo, sendo um dos órgãos com maior taxa metabólica. Quando o metabolismo energético cerebral (neuroenergética) falha, funções neurais e cerebrais superiores (como memória e cognição) podem ser severamente comprometidas.

Os requisitos neuroenergéticos para sustentar a função neural e cerebral dependem do consumo de nutrientes. A glicose (que vêm de frutas, cereais, tubérculos e outros alimentos de origem vegetal) é convertida em energia por várias reações celulares, principalmente pela fosforilação oxidativa, que ocorre dentro da mitocôndria.

A glicólise ocorre fora da mitocôndria (no citosol) e não usa oxigênio. Porém, produz apenas duas moléculas de adenosina trifosfato (ATP). Já a respiração mitocondrial requer oxigênio e gera muito mais moléculas energéticas (30 a 36).

Apesar da glicose ser facilmente utilizada em circunstâncias normais, o envelhecimento, a amamentação, o diabetes e determinados genótipos dificultam este uso. Neste caso, a gordura estocada passa a ser utilizada em maior quantidade. Como há um limite para o uso da gordura, corpos cetônicos são produzidos como alternativa energética para algumas células (como coração e neurônios).

A) queda no consumo ou utilização de glicose faz com que as células do fígado (B) comecem a produzir corpos cetônicos (C). López-Ojeda, & Hurley, 2023

Benefícios dos corpos cetônicos para o cérebro

O Dr. Christopher Palmer, médico psiquiatra treinado em Harvard, diretor da residência psiquiátrica do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, nos Estados Unidos, desenvolveu uma teoria. Para ele, a disfunção metabólica é a principal causa das doenças mentais e neurológicas (como depressão, esquizofrenia, Alzheimer, transtorno bipolar).

Ele ressalta que há uma sobreposição significativa entre o que acreditamos poder causar doenças mentais e o que pode causar disfunção mitocondrial, como deficiências de vitaminas, traumas, genética, epigenética, eventos adversos na infância, horários inadequados de sono, dieta, etc. Seu livro Brain Energy foi publicado em 2023 e viralizou em todo o mundo.

Com base em suas pesquisas, o tratamento de um paciente com doença mental deve não só incluir medicação e psicoterapia mas também dieta, suplementação e outras intervenções (como reposição hormonal e atividade física) que ajudem a tratar a disfunção metabólica cerebral.

Dieta não substitui os tratamentos conhecidos, mas medicamentos sozinhos dificilmente estabilizarão pacientes graves suficientemente. No livro Brain Energy, em seus artigos científicos, pesquisas e entrevistas, o Dr. Palmer destaca a importância da dieta cetogênica para um grupo grande de pacientes.

No sistema nervoso central (SNC), as células cerebrais podem utilizar corpos cetôncios como substratos respiratórios para processos metabólicos oxidativos. A atividade metabólica das cetonas no cérebro é regulada pela permeabilidade da barreira hematoencefálica, que depende da abundância de transportadores cerebrais de monocarboxilato.

Os corpos cetônicos são transportados nos vasos sanguíneos. Eles atravessam a barreira hematoencefálica pelos transportadores de monocarboxilato localizados no plasmalema das células endoteliais vasculares e das células cerebrais.

No sistema nervoso central, as células cerebrais podem utilizar corpos cetônicos como substratos respiratórios para processos metabólicos oxidativos. Além de receber os corpos cetônicos produzidos no fígado, o cérebro também usa corpos cetôncios produzidos pelos astrócitos, células de suporte do sistema nervoso.

Os astrócitos transferem os corpos cetônicos para neurônios, que adaptam-se e passam a utilizá-los como principal fonte de energia. Os neurônios expressam todas as enzimas de degradação (por exemplo, d-β-hidroxibutirato desidrogenase, acetoacetato-succinil-CoA transferase e acetoacetil CoA-tiolase) necessárias para a quebra dos corpos cetônicos.

Dentro das mitocôndrias dos neurônios, os corpos cetônicos são, então, convertidos em acetil coenzima A (acetil-CoA), que entra no ciclo do ácido tricarboxílico (ciclo TCA), produzindo moléculas de trifosfato de adenosina (ATP).

Como fornecer mais corpos cetônicos para o cérebro?

Existem algumas formas de aumentar a quantidade de corpos cetônicos circulantes:

  • Jejum

  • Dieta hipocalórica

  • Atividade física

  • Uso de suplementos de cetonas exógenas

  • Uso de TCM

  • Dieta com baixo teor de carboidrato

  • Dieta cetogênica

Benefícios dos corpos cetônicos para o cérebro

A literatura científica aponta múltiplos benefícios dos corpos cetônicos, incluindo modulação epigenética, suporte à produção de neurotransmissores, combate à neuroinflamação, neuroproteção e neuroplasticidade, redução de radicais livres, suprimento vascular, entrega de energia.

Por exemplo, após um traumatismo craniano, o cérebro não consegue usar bem os açúcares, mas usa bem corpos cetônicos. O β-hidroxibutirato, especificamente, têm duas propriedades neuroprotetoras bem conhecidas e importantes para estes pacientes: (1) apoia a reconstrução bioquímica da cadeia respiratória e (2) fornece energia para o cérebro se recuperar.

Em pacientes com epilepsia refratária ao uso de medicamentos, os corpos cetônicos aumentam substâncias importantes como ácido gama-aminobutírico (GABA), agmatina e monoaminas, reduzindo assim a hipersensibilidade neuronal. Os efeitos anticonvulsivantes também resultam da redução do glutamato, regulação do potencial da membrana neuronal através de canais de potássio sensíveis ao ATP e otimização do ciclo do ácido tricarboxílico e do sistemas de energia celular da cadeia de transporte de elétrons.

Pessoas com declínio cognitivo e doença de Alzheimer, apresentam disfunção mitocondrial e a diminuição da função da cadeia respiratória em várias partes do cérebro. Isto contribui para o aumento da produção e deposição de fragmentos beta-amilóides no cérebro, comprometendo a memória e a cognição. Corpos cetônicos reduzem mediadores inflamatórios e apoptóticos e melhoram a funcionalidade mitocondrial nestes pacientes.

Na doença de Parkinson (DP) observa-se alteração na síntese de dopamina e outros neurotransmissores. Isto pode ser resultado de interações genéticas e ambientais que desregulam a função mitocondrial. Aproximadamente 50% a 80% dos pacientes com diagnóstico de DP também apresentam metabolismo de carboidratos prejudicado. A resistência periférica à insulina cerebral também é frequentemente observada nestes pacientes.

O aumento de corpos cetônicos pode melhorar a fosforilação oxidativa mitocondrial no cérebro e reforçar o metabolismo energético em neurônios centrais e periféricos através da estimulação mecanicista da biogênese mitocondrial. Essas alterações podem contribuir para atenuar os déficits da substância negra e do córtex frontal na atividade do complexo I da cadeia respiratória que foram relatados nos pacientes.

A levodopa (L-DOPA) é considerada o principal medicamento para a DP. Apesar de melhorar os sintomas motores, não parece ter quaisquer efeitos neuroprotetores e, paradoxalmente, pode promover a agregação de alfa-sinucleína (através do metabólito 5-S-cisteinildopamina), induzindo estresse oxidativo. Alguns estudos indicam que os corpos cetônicos melhoram a biodisponibilidade da L-DOPA.

Os gliomas são tumores cerebrais altamente heterogêneos e o glioblastoma é o tipo mais agressivo de glioma em adultos. Os glioblastomas têm um prognóstico extremamente ruim de aproximadamente 12 a 15 meses a partir do momento do diagnóstico, e a taxa de sobrevida em 5 anos é inferior a 5%.

As células do glioma sobrevivem principalmente com glicose e não podem funcionar sem ela, sugerindo que os corpos cetônicos poderiam potencializar a morte das células cancerígenas. A dieta é usada em conjunto com o tratamento padrão traçado (cirurgia, radio, quimioterapia) e melhora o efeito do mesmo. Outros estudos mostram o potencial terapêutico da dieta cetogênica para indivíduos com problemas e doenças diversas que vão desde enxaqueca à esclerose múltipla.

Limitações das dietas cetogênicas

Obviamente nossa saúde depende de muitos fatores e temos um tempo limitado de vida na terra. Dieta não é milagre e as intervenções cetogênicas e cetoterapêuticas devem ser usadas com cautela e acompanhadas por profissionais experientes em sua condução.

Estas dietas podem ter efeitos colaterais como irritabilidade inicial, perda de peso, prisão de ventre, diarréia, disbiose, náusea, vômito, aumento de colesterol e LDL-c. Embora raras, dor abdominal, menstruação irregular, sonolência, tremores, fraqueza, nefrolitíase, aumento de enzimas hepáticas, pancreatite também podem ocorrer.

Mais rara ainda é a cetoacidose, mesmo em indivíduos diabéticos tipo 1. Efeitos adversos graves das DK parecem raros e geralmente resultam da falta ou supervisão clínica inadequada. Assim, o uso de KDs e abordagens cetoterapêuticas deve ser individualizado para cada paciente. Aprenda mais em https://t21.video/browse.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/