A população LGBT sempre foi marginalizada em vários campos da sociedade, inclusive na área de saúde. Apesar de leis mais livres, o acesso aos serviços não está livre de discriminação, nem no setor público nem no privado.
As últimas décadas foram de avanço com a instituição do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT e da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Mesmo assim, a implantação é lenta e o atendimento integral, gratuito, de qualidade e que atenda às demandas destes enorme grupo continua um desafio.
Alguns desafios continuam a ser o subfinanciamento do SUS que impede a sua efetivação como política nacional de saúde, a resistência de setores sociais conservadores, a estigmatização, o despreparo de muitos profissionais para o atendimento humanizado e eficiente, a dificuldade de acesso aos processos de transexualização nos serviços público e privado e também a dificuldade de acompanhamento multiprofissional adequado antes, durante e após o processo de redesignação sexual, além de todas as questões relacionadas ao reconhecimento das pessoas trans como sujeitos de direitos.
A transição idealmente inicia-se com acompanhamento médico, com um endocrinologista. O atendimento psicológico também é fundamental durante todo o processo, uma vez que o grupo é mais exposto a violências, traumas emocionais e possui maior prevalência de baixa autoestima e depressão (60%) do que o restante da população (5%). Podem fazer também parte da equipe de saúde cirurgiões plásticos, psiquiatras, educadores físicos, fisioterapeutas, nutricionistas, dentre outros profissionais de saúde.
Acompanhamento nutricional
Um ponto importante do acompanhamento relaciona-se à terapia hormonal masculinizante ou feminilizante, que podem ter efeitos colaterais específicos como ganho de peso, alterações na composição corporal, alteração no perfil lipídico, na massa óssea e no metabolismo.
Homens transgênero fazendo tratamento com testosterona costumam exibir ganho de peso, aumento da massa corporal magra, diminuição da massa gorda, aumento dos níveis de lipoproteína de baixa densidade, diminuição dos níveis de lipoproteína de alta densidade, atraso no tempo de protrombina, aumento de hemoglobina e hematócrito e aumento nos níveis de creatinina. Por isso, homens trans devem cuidar-se para a redução do risco de hiperlipidemias, doenças cardiovasculares, hipertensão e diabetes tipo 2.
Mulheres trans fazendo uso de terapia hormonal com estrogênio podem exibir alterações nos níveis de lipoproteína de alta densidade e lipoproteína de baixa densidade, dependendo da via de administração; um aumento ou diminuição da pressão arterial; um aumento na densidade mineral óssea, particularmente se um indivíduo for submetido a uma cirurgia de reatribuição de gênero (ou redesignação sexual) durante a qual os testículos foram removidos; e níveis reduzidos de creatinina. O risco pode aumen tar para doença tromboembólica venosa e hipertrigliceridemia, um possível risco aumentado de hipertensão e diabetes tipo 2.
As considerações alimentares para a população trans não são apenas de natureza clínica, mas também de natureza psicossocial. Pesquisas existentes apontam para uma maior prevalência de desordem alimentar, comportamentos não saudáveis de controle de peso, percepção equivocada de peso e insatisfação corporal entre minorias sexuais.
As relações entre sexualidade, identidade de gênero, imagem corporal e distúrbios alimentares são complexas. A maior incidência e natureza multifatorial dos transtornos alimentares nessa população requer uma abordagem de tratamento colaborativo por uma equipe interdisciplinar de especialistas, incluindo nutricionista e psicólogo. Profissionais que atendem a este grupo devem proporcionar um ambiente acolhedor e livre de julgamentos.
Sensibilidade emocional, compreensão e aceitação são fundamentais não apenas para estabelecer relacionamento, mas também para obter conhecimento sobre onde o paciente pode estar em relação à aceitação do corpo e outros indicadores de saúde mental.
HIV/AIDS
Nos Estados Unidos a incidência de HIV/AIDS na população trans é 3 vezes maior que a média nacional, e especialmente alta entre mulheres trans. Vários são os motivos para isto.
Pessoas trans que foram discriminadas no emprego ou que não conseguiram seguir a educação avançada por causa de bullying ou assédio na escola são mais propensas a se envolver em trabalho sexual de sobrevivência, o que pode colocá-las em maior risco de contrair HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.
São também mais propensas a serem HIV positivas se tivessem sido agredidas sexualmente por causa de sua identidade de gênero. Também podem buscar menos atendimento e ajuda por medo de discriminação, tanto por parte de profissionais de saúde quanto de policiais. A demora e medo para a busca de ajuda dificulta a prevenção da infecção pelo vírus HIV. Para que os antirretrovirais realmente funcionem, a pessoa molestada precisa tomar a medicação o mais rápido possível, não ultrapassando a janela de 72 horas após o ocorrido. Além disso, deve haver a administração de injeções, em dose única de ceftriaxona e azitromicina, antibióticos que servem para prevenir doenças sexualmente transmissíveis como sífilis, gonorreia, cancro mole, clamídia e tricomoníase.
Para os infectados, conhecer o quanto antes a sorologia positiva para o HIV aumenta muito a expectativa e a qualidade de vida. Desde 1996, o Brasil distribui gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) todos os medicamentos antirretrovirais e, desde 2013, o SUS garante tratamento para todas as pessoas vivendo com HIV.
Dietoterapia
O HIV afeta o estado nutricional logo no início da infecção, mesmo antes de outras sintomas aparecem. Os efeitos diretos do HIV incluem aumento das necessidades energéticas e de nutrientes para manutenção do sistema imune saudável. Sintomas podem aparecer, como feridas na boca ou garganta, febre, efeitos colaterais de medicamentos (náuseas, vômito, depressão, fadiga) exigindo alterações na alimentação. O revestimento intestinal pode ser danificado, dificultando a absorção de nutrientes. Por isso, o uso de suplementos pode ser necessário.
A alimentação adequada garante a manutenção ou recuperação do peso ideal, a melhoria da imunidade e maior vitalidade para as atividades do dia-a-dia. Pessoas assintomáticas com peso adequado podem requerer 10% a mais de calorias, enquanto pessoas sintomáticas podem requerer até 30% a mais. Pessoas que perderam muito peso podem requerer 50 a 100% a mais de calorias, dependendo do caso.
Uma dieta variada e natural é muito importante. Cuidados higiênicos são necessários. O manual do Ministério da Saúde para pessoas com HIV e AIDS traz dicas importantes a partir da página 16.