Lipopolissacarídeos bacterianos e sua saúde

A barreira intestinal serve como um porteiro para o corpo humano. A perda da saúde e da integridade dessa barreira influencia vários aspectos da saúde humana – incluindo função cardiometabólica, saúde neurológica, comportamento e muito mais – de maneiras surpreendentes e inesperadas. Uma dessas formas envolve o lipopolissacarídeo, ou LPS, um produto bacteriano que surge no intestino e sua interação com tecidos e órgãos distantes por meio da indução de mediadores imunológicos (Jian et al., 2022).

O LPS piora a permeabilidade intestinal

A barreira intestinal é composta por uma camada unicelular e semipermeável de células epiteliais unidas por junções apertadas e protegidas por uma camada dupla de muco – um refúgio para as bactérias comensais (normais) que residem no intestino. Se as junções estreitas entre as células se degradarem, lacunas se formarão, aumentando a permeabilidade da barreira intestinal. O LPS explora essa permeabilidade para obter acesso à corrente sanguínea.

Ao atravessar o epitélio intestinal, os LPs são identificados por moléculas de reconhecimento de padrões chamadas de receptores toll-like. Este reconhecimento gera a ativação da resposta imune que impulsiona a expressão de uma série de proteínas e mediadores pró-inflamatórios.

Essa cascata de eventos, começando com a perda da função de barreira e culminando com a ativação imune, provavelmente desempenha um papel na patogênese de muitos distúrbios crônicos, incluindo doenças inflamatórias intestinais, cardiovasculares, neurodegenerativas, distúrbios comportamentais e disfunções metabólicas.

A barreira hematoencefálica compartilha muitas semelhanças com a barreira intestinal, consistindo de células mantidas juntas por junções apertadas e sustentadas por outros tipos de células, incluindo astrócitos, pericitos e células da micróglia – as células imunes residentes no cérebro. A micróglia protege o cérebro após lesão cerebral aguda e ajuda a manter a homeostase cerebral.

O LPS pode se ligar a receptores do tipo toll nas células microgliais, mudando-os do modo "proteger" para o modo "atacar" e iniciando um ciclo vicioso de quebra da barreira hematoencefálica e neuroinflamação. A perda da função da barreira hematoencefálica é particularmente evidente durante o envelhecimento, com marcadores de quebra da barreira precedendo a formação de emaranhados tau e placas de beta-amilóide na disfunção cognitiva precoce.

Evidências crescentes sugerem que a inflamação desempenha um papel na depressão. A inflamação é uma resposta biológica conservada que se desenvolveu durante o passado antigo dos humanos, quando a exposição regular a patógenos ditava respostas comportamentais e imunológicas altamente coordenadas para garantir a sobrevivência. A consequência dessas respostas é um "viés inflamatório" - uma propensão do corpo a lançar uma resposta indiscriminada a um estressor, independentemente de sua fonte.

Em estudos nos quais os participantes receberam injeções de LPS, seus níveis circulantes de citocinas pró-inflamatórias, incluindo interleucina (IL)-6 e fator de necrose tumoral-alfa (que estão a jusante da ativação do receptor toll-like), aumentam acentuadamente. Curiosamente, sintomas depressivos, ansiedade, sentimentos de desconexão social e anedonia (falta de reatividade a estímulos prazerosos) também aumentam, coincidindo com o pico da resposta pró-inflamatória.

A senescência celular que acompanha o envelhecimento ativa vias de sinalização pró-inflamatórias e impulsiona a liberação de citocinas, quimiocinas e fatores de crescimento. Outros contribuintes para a inflamação são os detritos celulares da morte celular normal e o acúmulo de subprodutos metabólicos, como as proteínas beta-amilóides, que estão envolvidas na patogênese da doença de Alzheimer.

Mesmo uma exposição de baixa dose ao LPS pode levar à inflamação, aumentando os marcadores inflamatórios em até cem vezes. Essa inflamação sistêmica pode promover resistência à insulina nos músculos e acúmulo de gordura no fígado. O efeito a jusante é o envelhecimento epigenético acelerado, um fenômeno que ocorre quando a idade epigenética de um indivíduo excede sua idade cronológica.

Fatores que aumentam a permeabilidade intestinal

Obesidade aumenta a permeabilidade intestinal e as concentrações circulantes de LPS em até 71%. Esses efeitos podem ser simplesmente o resultado dos efeitos inflamatórios de uma dieta obesogênica. Curiosamente, a ingestão de qualquer refeição – independentemente do conteúdo – pode provocar aumento do LPS, fenômeno conhecido como endotoxemia pós-prandial. O consumo de álcool, especialmente em excesso, tem efeitos semelhantes no intestino, provocando aumentos na permeabilidade.

O papel da dieta na permeabilidade intestinal é particularmente evidente em pessoas com doença celíaca, para quem o glúten é uma grande preocupação. O glúten é uma mistura complexa de centenas de proteínas relacionadas, mas distintas, principalmente gliadina e glutenina, encontradas no trigo. A gliadina se liga a um receptor nas células intestinais, estimulando a liberação de zonulina, uma proteína que regula as junções apertadas entre as células no intestino. Estudos investigam o uso de medicamentos como a Larazotida para impedir a liberação de zonulina após o consumo de gluten (Hoilat et al., 2022; Veres-Székely et al., 2023).

Isto é importante pois a zonulina se liga a outros receptores, resultando na desmontagem das junções estreitas e aumento da permeabilidade intestinal. Em pessoas saudáveis, essa mudança nas junções apertadas é transitória, mas em pessoas com doença celíaca, as junções podem permanecer abertas por longos períodos, levando à liberação de LPS na corrente sanguínea e causando múltiplas complicações.

Fatores que reduzem a permeabilidade intestinal

Fatores dietéticos também podem diminuir a permeabilidade intestinal. Por exemplo, a fibra dietética sofre fermentação microbiana no intestino para produzir butirato – um ácido graxo de cadeia curta que fornece energia às células que revestem o cólon. Os grãos integrais são as principais fontes de fibra fermentável, mas as fontes dietéticas que não contêm glúten incluem pectinas, beta-glucanos, inulina e amido resistente. Uma microbiota enriquecida em bactérias produtoras de butirato previne a permeabilidade intestinal e a aterosclerose. Jejum, exercícios aeróbicos e consumo de ácidos graxos ômega-3 também aumentam bactérias produtoras de butirato.

A qualidade geral das gorduras na dieta de uma pessoa também pode influenciar a permeabilidade intestinal. Enquanto as gorduras saturadas tendem a promover o vazamento pós-prandial de LPS, os ácidos graxos ômega-3 tendem a evitar o vazamento. Isso pode ocorrer porque o ômega-3 aumenta a fosfatase alcalina intestinal, uma enzima que degrada o LPS. Eles também alteram a microbiota, favorecendo espécies produtoras de butirato. É digno de nota que alguns dos estudos nos quais essas conclusões se baseiam usaram óleos processados ​​e forneceram carboidratos refinados com as refeições de teste, confundindo as descobertas.

Surpreendentemente, nenhuma evidência sugere que níveis mais altos de LPS vazam para a circulação durante uma dieta cetogênica – provavelmente devido às profundas alterações metabólicas induzidas durante a cetose. Além disso, o beta-hidroxibutirato, uma cetona produzida durante uma dieta cetogênica, pode viajar para o cólon e nutrir os colonócitos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Alcaçuz no tratamento do refluxo

O alcaçuz DGL (alcaçuz deglicirrizinado) é uma forma de extrato de raiz de alcaçuz na qual a glicirricina foi removida, um composto que pode causar efeitos secundários como hipertensão ou retenção de líquidos quando consumido em grandes quantidades. Ao remover este composto, o alcaçuz DGL é mais seguro para uso prolongado e se concentra em seus benefícios terapêuticos, especialmente para o sistema digestivo.

Usos do alcaçuz deglicirrizinado

1. Tratamento do refúgio gastroesofágico: O alcaçuz DGL é utilizado para aliviar os sintomas de acidez estomacal e refluxo ácido, pois ajuda a acalmar e impulsionar a reparação da mucosa gástrica e do esófago, reduzindo a irritação causada pelo ácido estomacal.

2. Úlceras gástricas e duodenais: É eficaz no tratamento de úlceras porque pode estimular a produção de mucosidade protetora no estômago e no intestino, o que promove a cura das úlceras para proteger o revestimento do estômago dos ácidos.

3. Gastrite: O alcaçuz DGL também é usado para aliviar a inflamação do revestimento do estômago (gastrite), proporcionando uma capa protetora sobre a mucosa gástrica.

4. Síndrome do intestino irritável (SII) É utilizado para ajudar a acalmar os sintomas do SII, como a dor abdominal, o mal-estar e o desconforto, devido às suas propriedades antiinflamatórias e calmantes para o sistema digestivo.

5. Inflamação gastrointestinal Enfermidade de Crohn e colite ulcerosa: Devido às suas propriedades antiinflamatórias, o alcaçuz DGL pode ser útil em condições inflamatórias do intestino, ajudando a acalmar e reduzir a irritação no trato gastrointestinal.

6. Proteção da mucosa O alcaçuz DGL favorece a produção de moco protetor no estômago e no esófago, o que ajuda a proteger esses tecidos contra os efeitos danosos do ácido gástrico e outros irritantes. Isso é útil para pessoas que tomam antiinflamatórios não esteroides (AINEs), que podem causar danos gástricos.

7. Alivio da dor de garganta O alcaçuz tem sido tradicionalmente usado para aliviar a irritação e a dor de garganta. Embora o DGL não seja tão eficaz quanto a forma regular de alcaçuz para este fim, ainda pode fornecer certo alívio devido às suas propriedades calmantes.

8. Propriedades antivirais e antimicrobianas Embora o DGL seja usado principalmente para o sistema digestivo, foi estudado o alcaçuz por suas propriedades antivirais e antimicrobianas. Pode ser útil na luta contra certas infecções virais e bacterianas, embora esses aplicativos sejam mais comuns com alcaçuz não deglicirrizinado.

9. Regeneração e proteção de tecidos O alcaçuz DGL promove a regeneração do tejido no trato digestivo e pode ser útil em situações onde a mucosa precisa de saneamento e regeneração, como após uma lesão por ácido gástrico ou medicamentos.

10. Alergias e afecções respiratórias Embora menos comuns na versão DGL, algumas pessoas as usam para ajudar com afecções respiratórias e alergias devido aos seus efeitos calmantes e antiinflamatórios nas membranas mucosas.

11. Estrés e fadiga suprarrenal (em menor medida) O alcaçuz regular é utilizado para apoiar as glândulas suprarrenais em casos de fadiga suprarrenal. No entanto, o DGL é menos eficaz para isso, já que a glicirricina (que é eliminada no DGL) é o componente que fornece esse benefício.

Forma de Consumo: o alcaçuz DGL geralmente é tomado em forma de pastilhas mastigáveis, pois ao mastigá-lo, libera o composto ativo que promove a proteção da mucosa estomacal e esofágica. Também é vendido em cápsulas.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolômica no TEA

O diagnóstico do transtorno do espectro do autismo é clínico, baseado nos critérios do DSM-V. Ferramentas padronizadas (entrevistas, escalas comportamentais) são utilizadas mas muitos pacientes permanecem anos sem diagnósticos. Há interesse na investigação de biomarcadores mais sensíveis, específicos e precoces para o diagnóstico do TEA mesmo antes do início clínico de alterações comportamentais.

Exames de sangue, imagem do cérebro, genéticos (genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômicos e metagenômicos) vem sendo realizados na tentativa de melhor compreensão do fenótipo.

A abordagem metabolômica avalia metabólitos, produtos finais de baixo peso molecular das vias metabólicas celulares, que por sua vez são influenciados por fatores genéticos e não genéticos. A metabolômica permite a identificação e quantificação sistemática da coleção global de todos os metabólitos, nomeadamente o metaboloma, reconhecível quer em fluidos biológicos (por exemplo, urina) quer em tecidos.

Tecnologias de alto rendimento, como espectroscopia de ressonância magnética nuclear de prótons (RMN de 1H), cromatografia líquida e cromatografia gasosa, juntamente com espectrometria de massa (LCMS e GCMS, respectivamente) e outros métodos analíticos sofisticados, são ferramentas que permitem a análise do metaboloma e suas variações ao longo do tempo em várias condições perinatais envolvidas na etiologia do TEA. Perturbações do eixo intestino-cérebro, devido à disbiose intestinal, aumento da permeabilidade intestinal, inflamação, estresse oxidativo/disfunção mitocondrial são algumas das questões avaliadas.

De forma semelhante a outras doenças neuropsiquiátricas, o TEA pode estar intimamente associado a vários fatores epigenéticos maternos, fetais e perinatais que influenciam o desenvolvimento e a maturação do cérebro. A detecção de padrões bioquímicos sugestivos do círculo vicioso de disbiose materna, ativação imunitária e estresse oxidativo poderia permitir intervenções precoces e personalizadas durante a gravidez, com a possibilidade de monitorizar de perto os efeitos do tratamento através de alterações na perfil metabólico.

O metaboloma urinário de crianças com TEA tem sido extensivamente estudado, e alguns estudos têm sido dedicados também à análise do metaboloma plasmático. Os metabólitos mais discriminantes no TEA parecem envolvidos com o metabolismo de aminoácidos, estatus antioxidante, metabolismo do ácido nicotínico e função mitocondrial. A maioria dos estudos sobre TEA relatou anormalidades em compostos derivados de bactérias intestinais e em compostos intermediários do ciclo de Krebs, confirmando o papel central acima mencionado do estresse oxidativo, da microbiota e de anormalidades na função mitocondrial no TEA.

Muitos estudos estão sendo realizados na tentativa de chegar a ferramentas mais adequadas, rápidas e acertivas de diagnóstico e monitoramento para compreender toda a complexidade do TEA e traduzi-la em informações concisas e fáceis de serem utilizadas pelos profissionais de saúde e famílias.

Biomarcadores como calprotectina fecal, zonulina, perfil de gordura eritrocitária, análise da microbiota e de metabólitos microbianos fecais (principalmente lactato, ácido propiônico e butirato) caracterizam subgrupos de pessoas que requerem intervenções diagnósticas e terapêuticas específicas dirigidas a substâncias orgânicas esperadas e facilmente testáveis. precisa. Espera-se que a inclusão de tais biomarcadores em ensaios clínicos contribua para a avaliação adequada da eficácia das intervenções nos resultados comportamentais.

Avaliação de estercobilina no autismo

A depleção de estercobilina no modelo de TEA de camundongos em relação aos controles em um nível de confiança maior que 99,9% sugere que a depleção de estercobilina em material fecal pode ter valor potencial como um biomarcador para TEA em humanos. Embora menos estatisticamente significativo, o estercobilinogênio, o precursor metabólico da estercobilina, também é depletado em amostras fecais. A observação dessas depleções sugere que pode haver interferência na via metabólica que permite as diferenças.

A estercobilina e o estercobilinogênio são produtos do catabolismo da proteína heme. À medida que os glicuronídeos de bilirrubina entram nos intestinos, a ação dos sistemas enzimáticos pela flora bacteriana anaeróbica converte os glicuronídeos em mesobilirrubinogênio, que é posteriormente convertido em estercobilinogênio.

Representação do catabolismo do heme em estercobilina. O ciclo entero-hepático no qual a estercobilina pode ser recirculada de volta e excretada pela urina também é mostrado. A linha mostra o ponto em que a interação bacteriana assume o controle na via metabólica para criar estercobilina (Wood et al., 2018).

Devido ao alto número de diferenças observadas no microbioma intestinal de pessoas com TEA, é possível que as variações da população bacteriana estejam causem um impacto importante no metabolismo da bilina. A importância do intestino na atividade cerebral começou a ser amplamente pesquisada. Em alguns estudos, distúrbios como autismo, depressão e ansiedade tiveram redução dos sintomas com base na introdução de diferentes bactérias no microbioma do paciente.

Em particular, o microbioma alterado daqueles com TEA desenvolveu mudanças na produção de ácidos graxos de cadeia curta. Um desses ácidos graxos observados foi o ácido propiônico, que foi relatado como aumentado em pessoas com autismo. A atividade nas cadeias de ácido propiônico é importante para a conversão de bilirrubina em diglucuronídeo de bilirrubina e pode fornecer informações sobre a potencial depleção observada. Assim, melhorar a microbiota intestinal deste grupo é fundamental.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/