Suplementação de ácidos biliares na esclerose múltipla

A esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante crônica caracterizada por inflamação e neurodegeneração. Fatores genéticos e ambientais desempenham um papel na etiopatogenia desta doença. A doença pode ser significativamente afetada por exposições ambientais e alterações do microbiota intestinal, como redução na produção de ácidos biliares neuroprotetores.

Os ácidos biliares são produtos finais do metabolismo do colesterol e têm múltiplas funções biológicas. Os ácidos biliares primários são produzidos principalmente no fígado, mas outros tecidos são capazes de produzir precursores de ácidos biliares (oxiesteróis) por meio de uma via alternativa "ácida". Os ácidos biliares primários são modificados (conjugados com glicina ou taurina) e então armazenados na vesícula biliar até serem secretados no intestino, onde são posteriormente modificados por enzimas presentes nas bactérias intestinais para produzir ácidos biliares secundários.

A maioria dos ácidos biliares é reabsorvida e então passa por recirculação entero-hepática através do sistema venoso portal, com uma pequena fração atingindo a circulação sistêmica. Os ácidos biliares circulantes podem atuar em múltiplos receptores, tanto nucleares (receptor farnesoide X [FXR]) quanto de superfície celular (receptor de ácido biliar acoplado à proteína G, [GPBAR1]), encontrados em células incluindo aquelas no cérebro e no sistema imunológico.

Diagrama esquemático representando a síntese bioquímica de ácidos biliares. Um prefixo de G representa um conjugado de glicina, enquanto um prefixo de T representa um conjugado de taurina. Os rótulos da extrema esquerda e da extrema direita descrevem as reações enzimáticas mostradas paralelamente dentro da árvore. A numeração superior rastreia quais ácidos primários conjugados se tornam quais ácidos biliares secundários (Fleishman, & Kumar, 2024).

A ativação dos receptores FXR e GPBAR1 pelos ácidos biliares no cérebro produz efeitos antiinflamatórios em células imunes inatas e gliais. A abundância de ácidos biliares em adultos e crianças com esclerose múltipla parece ser menor.

Como ácidos bililares reduzem declínio cognitivo, especialmente pelo controle do estresse oxidativo e neuroinflamação, o desequilíbrio associa-se a doenças como Parkinson, Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Por isso, a suplementação de TUDCA vem sendo indicada.

Em estudo de Bhargava e colaboradores (2020), a suplementação de TUDCA melhorou a doença em um modelo murino de EM por meio de seus efeitos no GPBAR1. Além do potencial efeito indireto por meio da prevenção da polarização da microglia, o TUDCA pode atuar diretamente nos astrócitos e bloquear sua polarização para um fenótipo A1. O tratamento com TUDCA diminuiu a regulação positiva de genes específicos de A1 de maneira dose-dependente.

A mudança na expressão gênica resultou em uma mudança funcional, a da redução da toxicidade do ACM para oligodendrócitos. Isso tem implicações importantes, uma vez que esse subconjunto de astrócitos pode desempenhar um papel crítico na neurodegeneração em distúrbios como a doença de Parkinson (DP), DA e EM.

Ao suplementar, deve-se acompanhar enzimas hepáticas, bilirrubinas no sangue e não deve ser usada em pacientes com problemas no fígado. É possível fazer dosagem de ácidos biliares secundários no líquor e de estercobilinogênio nas fezes.

Após a bilirrubina conjugada ser secretada pelo fígado para o intestino através da bile, ela é convertida em urobilinogênio por bactérias intestinais. Parte desse urobilinogênio é reabsorvido e pode ser excretado pelos rins na urina, enquanto outra parte é convertida em estercobilina ou estercobilinogênio, que dá às fezes sua cor marrom característica.

Assim, o estercobilinogênio é uma substância essencial no processo de eliminação da bilirrubina e também é um indicador da função do fígado e do sistema biliar. Se houver obstrução ou disfunção nesse processo, isso pode resultar em fezes mais claras e alterações nos níveis de bilirrubina no corpo.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

ÁCIDOS BILIARES ELEVADOS NA DOENÇA DE PARKINSON

A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum (após Alzheimer), afetando cerca de 1% da população com mais de 60 anos de idade. É clinicamente caracterizada por sintomas motores e não motores. Algumas características não motoras da DP começam muitos anos antes do início dos sintomas motores; um dos primeiros sintomas é a constipação, apontando para um envolvimento precoce do trato gastrointestinal (GI).

A α-sinucleína agregada (α-syn), uma característica patológica da DP, é aparente no trato GI de pacientes com DP prodrômica (fase que antecede o diagnóstico da doença). No estado prodrômico da DP, o processo da doença limita-se à região inferior do tronco cerebral e se associa a algumas condições específicas não motoras, tais como constipação, depressão e sonolência diurna.

A α-syn se agrega no intestino de modelos animais experimentais e foi relatado que se propaga para o cérebro e induz neurodegeneração nigral e disfunções motoras e não motoras semelhantes à DP. Recentemente, o apêndice foi implicado como um local do trato GI que poderia contribuir para a patogênese da DP. O apêndice contém uma abundância de α-syn agregado, particularmente em nervos entéricos, com pacientes com DP tendo maiores quantidades desses agregados. A remoção do apêndice foi associada a um risco reduzido de DP em alguns, mas não em todos, estudos epidemiológicos.

O apêndice é um órgão imunológico que também atua como um depósito para a microbiota intestinal. A microbiota intestinal é o conjunto de microorganismos que colonizam o intestino. A composição da microbiota varia com o grau de estresse, consumo de drogas, medicamentos, com a atividade física, a genética e a dieta. A microbiota intestinal e seus metabólitos estão sendo cada vez mais reconhecidos como cruciais para a saúde do cérebro.

Numerosos estudos relatam mudanças na microbiota nas fezes de pacientes com DP em comparação com controles saudáveis. Mudanças no microbioma do apêndice podem ter um efeito generalizado na microbiota do intestino, o que pode ser refletido em mudanças na microbiota das fezes. Além disso, a inflamação na periferia e no cérebro foi proposta como tendo um papel central na DP, e o microbioma e o sistema imunológico do hospedeiro têm uma relação efetiva bidirecional.

Uma função importante da microbiota intestinal é seu envolvimento na biotransformação de ácidos biliares. Os ácidos biliares auxiliam na absorção de lipídios da dieta e afetam a homeostase da glicose, inflamação, funções gastrointestinais, bem como a integridade da barreira hematoencefálica e sinalização no cérebro. No fígado, os ácidos biliares primários são sintetizados a partir do colesterol. Após serem liberados da vesícula biliar, a maioria dos ácidos biliares primários é reabsorvida no íleo para transporte de volta ao fígado.

Os ácidos biliares primários restantes que entram no intestino grosso são convertidos pela microbiota (em grande parte por aqueles nos clusters XIVa e XI de Clostridium) em ácidos biliares secundários — ácido desoxicólico (DCA), ácido litocólico (LCA) e ácido ursodesoxicólico (UDCA).

Li e colaboradores (2021) realizaram uma análise da microbiota e dos ácidos biliares no apêndice de pacientes com DP. Encontraram disbiose microbiana afetando o metabolismo lipídico, incluindo uma regulação positiva de bactérias responsáveis ​​pela síntese secundária de ácido biliar. Os ácidos biliares tóxicos derivados de micróbios estavam aumentados na DP, o que sugere que as anormalidades biliares podem desempenhar um papel na patogênese da DP. Observaram aumento de ácido litocólico e o DCA, ácidos biliares hidrofóbicos, que são citotóxicos em concentrações fisiológicas elevadas. Aumentos em LCA e DCA foram implicados em inflamação intestinal, lesão hepática, colestase e formação de cálculos biliares.

Análise metatranscriptônica da microbiota do apêndice de pacientes com doença de Parkinson (Li et al., 2021)

Tratar a disbiose intestinal é fundamental. Bactérias produtaras e metano estão associadas a IMO e obstipação intestinal. Se você sofre de constipação (intestino preso) comece a cuidar melhor do seu intestino, pois ela precede alterações neurodegenerativas em muitos anos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Marcadores metabolômicos e cognição

A cognição prejudicada e a doença de Alzheimer (DA) pode se manifestar inicialmente com disfunções metabólicas distintas, começando décadas antes do diagnóstico da doença. Os métodos de classificação de doenças investigam principalmente padrões de conectividade estrutural e funcional de regiões cerebrais, exigindo neuroimagem complexa. Os marcadores metabolômicos estão atualmente sendo investigados, pois podem fornecer informações precoces sobre pacientes com alto risco de DA ou cognição prejudicada.

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Proporção quinurenina/triptofano (KTR)

A quinurenina é o principal produto estável do triptofano. Pode ser metabolizada em hidroxiquinurenina, degradada em ácido antranílico ou desaminada em ácido quinurênico. A maior parte do triptofano no organismo (cerca de 95%) é metabolizada via quinurenina, que envolve as seguintes etapas:

  1. Triptofano → N-formilquinurenina: A enzima triptofano 2,3-dioxigenase (TDO) ou indoleamina 2,3-dioxigenase (IDO) converte o triptofano em N-formilquinurenina.

  2. N-formilquinurenina → Quinurenina: A N-formilquinurenina é rapidamente convertida em quinurenina.

  3. Quinurenina: A quinurenina pode ser convertida em vários metabólitos, incluindo ácido quinurênico (neuroprotetor), ácido 3-hidroxiquinurenina (neurotóxico), e ácido antranílico.

A via da quinurenina é ativada em situações de inflamação crônica, infecções, e em certas doenças neurodegenerativas. A enzima IDO é induzida por citocinas inflamatórias, como o IFN-γ, e está frequentemente aumentada em doenças inflamatórias e infecciosas.

Pensa-se que a proporção de quinurenina para triptofano (o KTR) estima a atividade da indolamina 2,3 dioxigenase (IDO) e a inflamação associada. Em condições normais, a enzima triptofano 2,3-dioxigenase (TDO) é utilizada; mas em condições inflamatórias, predomina a IDO.

O aumento do KTR foi associado à obesidade, doença renal, câncer, AIDS, gravidez, bem como redução da cognição, doença neurodegenerativa e distúrbios psicóticos. Além disso, o KTR teve uma correlação negativa significativa com o Mini-Mental State Exam (MMSE), um teste de função cognitiva. A perda de peso resulta em diminuição do KTR e da PCR (proteína C-reativa). Os probióticos também demonstraram diminuir o KTR.

Métodos de Avaliação da via do triptofano

  1. Dosagem de triptofano plasmático:

    • A concentração de triptofano pode ser medida no sangue para avaliar a disponibilidade desse aminoácido no organismo.

  2. Razão quinurenina/triptofano:

    • A razão entre quinurenina e triptofano é um marcador da atividade da IDO. Um aumento nessa razão é indicativo de maior conversão de triptofano via IDO, sugerindo inflamação ou ativação imunológica.

  3. Medição de metabólitos da quinurenina:

    • A dosagem dos metabólitos da quinurenina, como ácido quinurênico, ácido quinolínico, e 3-hidroxiquinurenina, pode fornecer informações sobre a ativação da via e a produção de compostos neuroprotetores ou neurotóxicos. Pode ser dosada na urina.

  4. Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC):

    • Este método é frequentemente usado para quantificar triptofano e seus metabólitos no sangue e no líquido cerebrospinal, sendo o método de escolha pela sua precisão e capacidade de diferenciar os diferentes compostos da via.

  5. Testes enzimáticos (IDO e TDO):

    • Pode-se medir a atividade das enzimas IDO e TDO, que catalisam a conversão do triptofano em quinurenina. Testes genéticos ou bioquímicos podem ajudar a entender a predisposição ou resposta individual em certas doenças.

Interpretação dos Resultados

  • Aumento da razão quinurenina/triptofano: Sugere maior ativação da via IDO, possivelmente em resposta a inflamação, infecções ou condições como câncer.

  • Elevação de metabólitos neurotóxicos (ácido quinolínico): Pode estar associada a neurodegeneração e inflamação no sistema nervoso central.

  • Baixos níveis de triptofano: Podem indicar desvio do triptofano para a via da quinurenina, com redução da disponibilidade de serotonina, contribuindo para distúrbios do humor e depressão.

Produção de Equol

Equol é um metabólito produzido por certos microorganismos intestinais a partir do substrato daidzeína, uma isoflavona de soja. A pesquisa sugeriu que o equol é antiaterogênico e melhora a rigidez arterial. Equol pode prevenir doenças cardíacas coronárias e comprometimento cognitivo/demência. Os produtores de Equol, em comparação com os não produtores, tiveram uma prevalência significativamente menor de cálcio na artéria coronária, que prediz eventos cardiovasculares futuros, independentemente de outros fatores de risco .

Comparado ao seu precursor daidzeína e outras isoflavonas de soja, o equol tem propriedades antioxidantes superiores, afinidade maior ou semelhante ao receptor de estrogênio beta (que é mais expresso na vasculatura e no cérebro do que nos tecidos reprodutivos) e uma maior capacidade de aumentar atividades mitocondriais. O status de produção de equol parece ser determinado pela presença de bactérias produtoras de equol específicas e não pela genética.

Bactérias Produtoras de Equol

As bactérias intestinais capazes de converter a genisteína em equol são principalmente anaeróbias e pertencem a grupos específicos. Abaixo estão algumas das principais bactérias produtoras de equol:

  1. Lactobacillus:

    • Algumas espécies deste gênero, como Lactobacillus acidophilus, têm demonstrado capacidade de produzir equol a partir de isoflavonas.

  2. Bifidobacterium:

    • Espécies do gênero Bifidobacterium, como Bifidobacterium breve e Bifidobacterium longum, também são conhecidas por sua capacidade de metabolizar genisteína em equol.

  3. Eubacterium:

    • Eubacterium limosum e outras espécies desse gênero têm sido identificadas como produtoras de equol.

  4. Eggerthella:

    • Eggerthella lenta é uma bactéria que tem a capacidade de converter isoflavonas em equol.

  5. Clostridium:

    • Algumas espécies de Clostridium, como Clostridium sporogenes, têm mostrado atividade na produção de equol.

  6. Slackia:

    • Slackia isoflavoniconvertens é uma bactéria específica identificada como produtora de equol, sendo uma das mais eficazes na conversão de isoflavonas em equol.

Análise de sais biliares

Um microbioma alterado é comum pacientes com comprometimento cognitivo leve amnésico e demência da doença de Alzheimer (DA). Com o uso de perfil de metabolômica por cromatografia líquida/cromatografia gasosa e espectrometria de massa é possível identificar metabólitos de triptofano, ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) e ácido litocólico, a maioria dos quais correlacionados com microbiota alterada e comprometimento cognitivo.

A avaliação dos ácidos biliares pode ser feita de várias formas:

Dosagem de ácidos biliares séricos: Esse exame mede a concentração de ácidos biliares no sangue e é útil em casos de doenças hepáticas colestáticas ou distúrbios biliares. Normalmente, os níveis são baixos no sangue, mas podem aumentar significativamente em condições de comprometimento hepático ou biliar.

Teste de ácidos biliares fecais: Usado para avaliar a má absorção de ácidos biliares no intestino, principalmente em doenças como a síndrome do intestino curto ou após cirurgias intestinais.

Teste de função hepática com ácidos biliares: Testes que avaliam a eficiência do fígado em metabolizar e secretar ácidos biliares, como o "SeHCAT" (ácido tautomérico de selênio), podem ser usados para detectar alterações no ciclo entero-hepático.

Perfis cromatográficos de ácidos biliares: Métodos como a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) podem ser usados para identificar e quantificar diferentes tipos de ácidos biliares e seus derivados, ajudando a detectar alterações qualitativas no metabolismo biliar.

Interpretação dos resultados:

  • Elevação dos ácidos biliares no sangue: Geralmente indica problemas no fígado ou obstrução biliar. Em grávidas, pode sinalizar colestase intra-hepática.

  • Diminuição da excreção de ácidos biliares: Pode indicar má absorção intestinal ou insuficiência na secreção biliar.

  • Aumento dos ácidos biliares fecais: Frequentemente associado a má absorção de gorduras e doenças intestinais.

A avaliação deve ser contextualizada com outros parâmetros, como exames de função hepática (ALT, AST, GGT, bilirrubina), além de sintomas clínicos.

Razão Aβ42/40

A razão Aβ42/40 refere-se à proporção entre duas formas de peptídeos beta-amiloides, Aβ42 e Aβ40, que são comumente medidas no contexto da pesquisa e diagnóstico do declínio cognitivo leve (DCL) e da doença de Alzheimer (DA). Falo sobre o tema neste outro artigo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/