Genética e dieta cetogênica: o papel do PPAR alfa

Existem vários tipos de PPAR, uma superfamília de fatores de transcrição que regulam vários pontos do metabolismo envolvidos no risco de obesidade, diabetes e dislipidemias. O PPAR alfa estimula a queima de gordura. Mas o seu parente próximo, o PPAR gama, parece fazer o oposto. O PPAR gama ajuda a preservar os estoques de gordura, dificultando a rápida perda de peso.

O gene PPARA, responsável pela produção de uma proteína chamada PPAR-α ou PPAR alfa (abreviação de receptor alfa ativado por proliferador de peroxissoma). O PPAR alfa é um regulador chave da queima de gordura, mas também influencia o equilíbrio energético e o metabolismo de carboidratos e aminoácidos (Contreras, Torres, & Tovar, 2013).

O PPAR alfa é encontrado principalmente no fígado e na gordura marrom – a gordura “boa” que transforma os alimentos em calor corporal. Quantidades menores de PPAR alfa também podem ser expressas no coração, rins, intestino e células imunológicas.

Portanto, o PPAR alfa parece estar estrategicamente posicionado para nos fazer queimar gordura para obter energia. A queima de gordura começa no fígado, que libera energia e produtos de decomposição na corrente sanguínea (por meio da oxidação de ácidos graxos).

O processo de queima de gordura continua no tecido adiposo marrom, repleto de mitocôndrias. Como resultado final, essas mitocôndrias densas transformam efetivamente as calorias dos produtos de degradação da gordura do fígado em calor.

O PPAR alfa pode ser ativado quando o corpo passa a queimar gordura para obter mais energia. Normalmente, queimamos principalmente carboidratos. Mas, em estados de jejum, durante atividade física prolongada, dieta com baixo teor de carboidrato (low carb) ou dieta cetogênica, passamos a usar mais gordura. Durante este processo, são produzidos também corpos cetônicos, uma ótima fonte de energia para diversos tecidos (músculo, coração, cérebro).

Quando o corpo precisa quebrar a gordura para obter energia, os tecidos adiposos liberam ácidos graxos. Esses ácidos graxos viajam para o PPAR alfa no fígado e células do sistema imunológico. Por sua vez, o PPAR alfa aumenta a produção de corpos cetônicos – o passo chave para entrar na cetose nutricional.

O que é cetose nutricional?

Cetose é um estado metabólico em que o corpo passa a queimar mais gordura e a produzir corpos cetônicos (também chamados de cetonas), que serão utilizados como fonte de energia pelo cérebro, coração, músculos… (Masood et al., 2023).

Os três principais tipos de corpos cetônicos são:

  • Acetoacetato: corresponde a 20% das cetonas no sangue.

  • Beta-hidroxibutirato (βHB ): produzido a partir do acetato. Corresponde a aproximadamente 78% das cetonas encontradas no sangue.

  • Acetona: menos abundante, correspondendo a 2% ou menos das cetonas no sangue.

Se o PPAR alfa não estiver funcionando bem, a queima de gordura e a produção de corpos cetônicos podem ficar prejudicadas (Ruscica et al., 2019).

Experimentos recentes sugerem que as gorduras dietéticas são ativadores mais fortes do PPAR alfa do fígado do que os ácidos graxos liberados pelo tecido adiposo. Isso pode significar que as dietas cetogênicas ativam o PPAR alfa melhor do que o jejum ou a restrição calórica (Contreras, Torres, & Tovar, 2013).

Isto é importante, pois a ativação da cetose pelo PPAR alfa também pode bloquear sinais inflamatórios como o NF-kB. Corpos cetônicos também possuem ação antioxidante (Delerive et al., 1999; Pinto et al., 2018). Mas a coisa não funciona igualzinho em todo mundo.

Assim como temos variações genéticas que fazem uma pessoa ter pele clara e outra escura, temos variações de PPARA, que pode funcionar de forma mais ou menos eficiente. A variação mais estudada é o SNP rs1800206.

No geral, cerca de 96% da população mundial possui o genótipo CC para rs1800206, 4% possui o genótipo CG e apenas 0,2% possui GG. O genótipo GG é tão raro que às vezes nem é relatado, e os genótipos CG e GG são sempre vistos juntos nos estudos. Como interpretar o seu genótipo?

Meu exame genético para PPARA

Resultado de Andreia Torres, exame da empresa 23andme

O PPARA está localizado no cromossomo 22. As variantes para o SNP rs1800206 podem ser os alelos C ou G. O alelo G é menos comum (menor) e reduz a atividade do PPARA. Pessoas com genótipos GG ou CG (meu caso) possuem maior risco de doenças cardiovasculares, elevação de triglicerídeos, colesterol total, colesterol LDL, apoA1 e apoB e menores níveis de HDL

Além disso, portadores do alelo G possuem uma resposta deficiente à gordura saturada, o que piora o risco de doenças cardíacas, tornando as dietas cetogênicas ricas em gordura saturada uma escolha perigosa, especialmente para os homens brancos. Não é que a pessoa não possa fazer dieta cetogênica, mas deve buscar uma dieta cetogênica rica em gordura mono (azeite, abacate, nozes, castanhas, sementes) e poliinsaturadas (especialmente ômega-3).

Além disso, os portadores do alelo G do rs1800206 podem ter mais dificuldade para entrar em cetose, possivelmente devido à menor atividade do PPARA.

Um estudo com 674 participantes descobriu que os portadores do alelo G PPARA rs1800206 parecem piorar com uma dieta rica em gordura total e saturada (7% ou mais da ingestão diária de energia). Especificamente, as pessoas portadoras de pelo menos um alelo G que consumiram grandes quantidades de gordura saturada tinham partículas de LDL menores do que aquelas com menor ingestão, colocando-as em maior risco de doenças cardíacas (Bourchard-Mercier et al., 2011).

Dietas com baixo teor de carboidratos e ricas em gordura saturada aumentam o colesterol e LDL total, mas às custas de partículas grandes e menos perigosas de LDL (Faghihnia et al., 2012). Mas não nas pessoas portadoras do alelo G menos comum (genótipos GG ou GC) para PPARA. Estas realmente não possuem uma genética protetora contra as gorduras saturadas.

Já se você for portador do genótipo CC não parece haver problema no consumo de mais alimentos ricos em gorduras saturadas. Os transportadores CC rs1800206 podem ser mais eficientes na queima de gordura e na geração de cetonas para energia. Este processo também pode apoiar a saúde cardíaca e o bem-estar geral, ativando vias anti-inflamatórias, mas são necessárias mais pesquisas.

Teoricamente, uma maior ingestão de ácidos graxos poliinsaturados pode compensar uma menor atividade de PPARA em portadores do alelo G. Os ômega-3 dos peixes são especialmente importantes, pois são conhecidos por serem saudáveis para o coração e por possuírem efeitos antiinflamatórios. A maioria das dietas ocidentais carece de ácidos graxos ômega-3 e é abundante em ácidos graxos ômega-6 e gordura saturada, o que pode piorar a inflamação (Heshmati, 2021; Liu et al., 2014; Moradi et al., 2021).

Resumo - SNP primário: PPARA rs1800206

  • ‘CC’ = Adequado para a dieta cetônica; boa resposta à maioria dos tipos de gordura, incluindo gordura saturada e ômega 3/óleo de peixe.

  • ‘CG’ e ‘GG’ = Não adequado para uma dieta cetônica rica em gordura saturada; boa resposta a PUFAs como ômega 3/óleo de peixe.

Mais pesquisas são necessárias para entender como o gênero impacta essa variação genética. Com base nos dados existentes, o impacto negativo do raro alelo G do PPARA rs1800206 pode ser mais pronunciado nos homens.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolômica aplicada

Muitas variáveis influenciam a diversidade de fenótipos na saúde e nas doenças humanas – genética, epigenética, influências ambientais e o microbioma. Esta combinação de fatores faz com que cada pessoa produza quantidades distintas de metabólitos bioquímicos.

A metabolômica é um termo cunhado em 1988 e que descreve o estudo científico de processos químicos envolvendo metabólitos. O metaboloma representa o conjunto completo desses metabólitos, ou seja de todas as pequenas moléculas produzidas no corpo. Uma impressão digital metabolômica é a medida de metabólitos para descrever o estado metabólico atual de um indivíduo e tem a capacidade de personalizar verdadeiramente os cuidados de saúde.

A genética sozinha dificilmente explica o fenótipo observado. Muitos traços são influenciados por questões epigenéticas, variações externas, como exposição ambiental, dieta, estilo de vida e também pelo microbioma (Beebe, & Kennedy, 2016).

Os metabólitos podem ser afetados por exposições passadas e atuais, genética, microbioma intestinal, dieta, estado nutricional, etc., e podem ajudar na individualização de tratamentos e recomendações de estilo de vida. Informam o que está acontecendo a partir destas interações.

A nutrição funcional há muito utiliza testes de ácidos orgânicos na urina para identificar metabólitos e deficiências nas principais vias metabólicas. A medicina tradicional utiliza ácidos orgânicos principalmente com testes para diagnóstico de erros inatos do metabolismo, como doença da urina do xarope de bordo (MSUD) e fenilcetonúria (PKU), ou alguns marcadores limitados, como lactato, citrato, ácido metilmalônico (MMA) e cetonas.

A metabolômica permite a identificação dos principais metabólitos e vias que podem ajudar na descoberta de associações com deficiências metabólicas ou na previsão de doenças.

A insuficiência de nutrientes pode “obstruir” as vias que levam a marcadores elevados devido a uma diminuição na função de enzimas. Por exemplo, a elevação de cetoácidos de cadeia ramificada na urina é um indicador primário de aumento da necessidade de vitaminas B1, B2, B3, B5 e ácido lipóico. Cada uma das vitaminas é necessária para a função da enzima BCKA.

Neste caso, a suplementação de vitaminas do complexo B (especialmente B1) reduz os níveis de BCKA na urina. A enzima BCKA desidrogenase é mais sensível aos níveis de B1. Claro, é importante lembrar que o nível de BCKAs na urina também pode ser afetado por outros fatores, como nível de exercício, ingestão de proteínas, jejum, inflamação, etc. No futuro, os algoritmos das empresas de metabolômica precisarão incorporar estes outros fatores para melhor explicação dos achados.

Um exemplo de metabolômica aplicada na prática é a utilização de dados como o estudo Copenhagen Inter. Os sujeitos foram sorteados aleatoriamente no Sistema de Registro Civil. As medições estavam disponíveis para 4.117 indivíduos que participaram tanto da avaliação metabolômica basal da urina quanto de um exame de acompanhamento de cinco anos.

Os pesquisadores descobriram que vários marcadores basais mais elevados estavam associados a um risco maior de hemoglobina A1c elevada (HbA1c) e resistência à insulina (RI) cinco anos depois. Estes incluíram 1-metilnicotinamida, alanina, creatinina e ácido láctico. Embora não sejam diagnósticos, os marcadores podem ajudar a identificar áreas de preocupação muito antes de surgir um problema, permitindo aos pacientes a oportunidade de se concentrarem no estilo de vida e nas estratégias dietéticas que podem proporcionar algum nível de redução de risco (Friedrich et al., 2015).

A 1-metilnicotinamida tem sido associada ao aumento das taxas de diabetes, cirrose e câncer, sugestivos de aumento da atividade da nicotinamida N-metiltransferase (NNMT). Perturbações na via da glicólise foram refletidas pelo aumento de lactato, piruvato e alanina (Yousri  et al. 2015).

Os métodos de metabolómica alvo já identificaram novos marcadores moleculares e assinaturas metabolómicas de risco de doença cardiovascular (incluindo aminoácidos de cadeia ramificada, espécies lipídicas insaturadas selecionadas,e N-óxido de trimetilamina), vinculando assim diversas exposições, como aquelas provenientes da ingestão alimentar e da microbiota, com características cardiometabólicas (Cheng et al., 2017).

A metabolómica está melhorando a nossa compreensão da fisiologia, do que é e do que não é normal. Pode caracterizar marcadores-chave em processos e vias específicas, fisiologia, impacto da dieta e metabolismo do microbioma, etc., ajudando na prevenção de doenças e na personalização de tratamentos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

DIETA CETOGÊNICA NO TRANSTORNO BIPOLAR

A dieta cetogênica tem ganhado atenção em estudos sobre transtornos neurológicos, incluindo o transtorno bipolar. Ela é uma dieta com baixo carboidrato, alto teor de gordura e consumo moderado de proteínas, que visa induzir o corpo a um estado chamado cetose, onde ele passa a usar gorduras como principal fonte de energia, em vez de carboidratos.

Efeitos da Dieta Cetogênica no Transtorno Bipolar:

Embora ainda seja uma área de pesquisa emergente, alguns estudos sugerem que a dieta cetogênica pode ter efeitos benéficos no tratamento do transtorno bipolar. Aqui estão alguns pontos importantes a considerar:

  1. Estabilização do Humor: A dieta cetogênica pode influenciar positivamente a estabilidade do humor. Isso ocorre devido ao impacto da cetose no sistema nervoso, que pode ajudar a regular neurotransmissores como o GABA (ácido gama-aminobutírico) e o glutamato, ambos envolvidos no equilíbrio do humor.

  2. Efeitos Neuroprotetores: A cetose tem mostrado efeitos neuroprotetores, ajudando a reduzir a inflamação cerebral e o estresse oxidativo. Esses efeitos podem ser benéficos em distúrbios neurológicos, incluindo o transtorno bipolar.

  3. Melhora no Controle da Impulsividade: Alguns pacientes com transtorno bipolar têm dificuldades em controlar impulsos durante episódios de mania. Estudos indicam que a dieta cetogênica pode reduzir essa impulsividade e ajudar no controle emocional.

  4. Redução de Sintomas de Depressão: Em alguns estudos, a dieta cetogênica tem mostrado melhorar os sintomas depressivos em pessoas com transtorno bipolar. Embora mais pesquisas sejam necessárias, a dieta pode influenciar a atividade cerebral e ajudar a reduzir sintomas de depressão.

Considerações Importantes:

  • Monitoramento: A dieta cetogênica não deve ser adotada sem orientação nutricional, especialmente para pessoas com transtorno bipolar, pois ela pode interagir com medicamentos usados no tratamento da condição, como estabilizadores de humor e antipsicóticos.

  • Efeitos Colaterais: Como qualquer dieta restritiva, a cetogênica pode ter efeitos colaterais, como constipação, desequilíbrio de eletrólitos, cetoacidosis (em casos extremos) e carências nutricionais, que precisam ser monitorados de perto.

  • Apoio Psicoterapêutico: A dieta cetogênica pode ser um complemento ao tratamento tradicional (medicação e psicoterapia), mas não substitui essas abordagens. O acompanhamento psicológico e psiquiátrico é essencial.

Como é o passo a passo?

  1. Realização de consulta nutricional em que pode ser analisado:

    • alergias, intolerâncias

    • uso de medicamentos e suplementos

    • avaliação laboratorial (hemograma, lipidograma, enzimas hepáticas, glicemia, hemoglobina glicada, perfil de carnitinas etc)

    • avaliação de indicações e contra-indicações

    • perfil genético

    2. Educação nutricional sobre a dieta e o que esperar

    3. Cálculo da dieta com ajuste dos macronutrientes

    4. Preparo, compras, montagem do cardápio. Inclui:

    • limpeza da dieta anterior

    • substituição de medicamentos e suplementos contendo açúcares

    Após o início da dieta ajustes serão feitos a partir do monitoramento de corpos cetônicos.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/