A síndrome de Down (SD) é uma ocorrência genética relativamente comum, associada a maior risco de malformações cardíacas, apneia do sono, obesidade, hipotireoidismo e hiperglicemia. Contudo, apesar da SD ter sido descrita há mais de 150 anos, poucas pesquisas e intervenções terapêuticas têm sido propostas no sentido de reduzir prejuízos cognitivos e comportamentais, também comuns na trissomia do cromossomo 21.
Recentemente foi publicada uma revisão cuja proposta foi discutir as aplicações da dieta cetogênica como opção terapêutica para o declínio cognitivo na síndrome de Down. A dieta cetogênica é uma dieta muito baixa em carboidratos, com quantidades moderadas de proteínas e alto percentual de gordura. Foi primeiramente usada para o controle das convulsões associadas à epilepsia, mas hoje existe um grande interesse do uso desta dieta para prevenção e controle de outras doenças (Kaneko et al., 2018).
Alterações na Trissomia do 21
A prevalência de epilepsia é de 13% na síndrome de Down. Frequentemente agrava a disfunção cognitiva, os problemas emocionais e comportamentais. A dieta cetogênica vem sendo utilizada por diversos estudos para controle das crises epilépticas e melhoria da qualidade do sono, da aprendizagem e do desenvolvimento.
Aproximadamente 80% das pessoas com SD apresentam comprometimento cognitivo com diferentes graus de gravidade, manifestos como atrasos no desenvolvimento cognitivo com déficits específicos na fala, linguagem ou memória. Além disso, indivíduos com SD experimentam um declínio cognitivo de início precoce, característico da doença de Alzheimer. Alterações neuropatológicas comuns incluem o aumento das placas senis (proteína beta-amilóide) e emaranhados neurofibrilares (proteína tau hiperfosforilada).
Existem evidências de que o metabolismo de açúcares esteja prejudicado no Alzheimer (por isso a doença tantas vezes é referida como diabetes tipo 3). O hipometabolismo da glicose contribui para a deposição das proteínas amilóide e beta tau no desenvolvimento da doença de Alzheimer. A dieta rica em gordura substitui a fonte de energia principal para o cérebro, de glicose para corpos cetônicos. A expectativa é que a dieta possa melhorar a função cognitiva retardando a evolução da doença, melhorando memória, linguagem, orientação e equilíbrio.
Entre 18 e 39% das crianças com síndrome de Down estão dentro do espectro autista, manifesto como dificuldades de interação social, limitações na linguagem expressiva e no comportamento adaptativo. Alguns estudos avaliaram a adoção da dieta cetogênica como estratégia complementar no tratamento do autismo e observaram melhorias na fala, linguagem, comunicação, sociabilidade e redução das estereotipias.
Todas as pessoas com SD beneficiariam-se da dieta cetogênica? A dieta cetogênica não é a cura milagrosa para todas as alterações, nem para todo mundo. Cada pessoa possui necessidades específicas, que variam de acordo com a própria genética e metabolismo. Mesmo assim, é uma terapêutica que pode ser considerada, dependendo dos sintomas apresentados. Estudos mostram eficácia em muitos casos de epilepsia refratária e alterações comportamentais (Kumada et al., 2018).