Mudanças climáticas e má-nutrição: qual é a ligação?

A Lancet, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, lançou no início de 2019 relatório intitulado “A sindermia global da obesidade, desnutrição e mudanças climáticas” (tradução livre). A palavra sindermia é utilizada justamente para explicar a relação entre a má nutrição e as alterações climáticas do planeta.

O termo sindermia já havia sido utilizado anteriormente por antropólogos da saúde, aparecendo em 2008 em artigo publicado na AnthroSource (revista científica da Sociedade Norte-Americana de Antropologia). Na época, o termo identificava a co-ocorrência de dois ou mais problemas de saúde. No contexto da nutrição passa a identificar a interação entre as alterações climáticas, a obesidade e a desnutrição.

Este ano a Amazônia queimou mais do que o normal. Queimadas em florestas acontecem por vários motivos: fatores climáticos (aumento da temperatura global), imperícia humana, acidentes, agricultura de corte e queima, crimes ambientais. A capacidade de regeneração da floresta depende, mais uma vez, da temperatura da terra, tipos de espécies atingidas, quantidade de chuva na região, novos avanços criminosos com ateamento de fogo, exploração da madeira, avanço da pecuária.

E o que tudo isso tem a ver com a má-nutrição? Florestas e vegetação foram perdidas no mundo inteiro. Quantas cidades são hoje uma selva de pedra? Quantas crianças crescem sem brincar na rua ou nos parques? A perda da vegetação gera perda de biodiversidade e que anda frequentemente associada a um modelo de agricultura pouco diverso. Grandes produtores passam a determinar o que será plantado. No caso do Brasil, trigo, soja, milho, cana de açúcar em largas quantidades, tanto para consumo interno, quanto para exportação.

Tais alimentos são processados e transportados aos supermercados. Chegam a você na forma de biscoitos, balas, salgadinhos, macarrão instantâneo e todo tipo de alimento barato, com alto teor energético e baixa densidade de nutrientes (poucas vitaminas e minerais). Estudo mundiais ligam o consumo de alimentos processados e ultrapocessados à pandemia de obesidade e desnutrição.

Gosta deste papo todo de saúde? Quer ajudar outras pessoas? Torne-se um coach de saúde integrativa: www.AndreiaTorres.com/curso O corpo humano precisa de muitos nutrientes e compostos para funcionar bem: vitaminas, minerais, fibras, água, aminoácidos, ácidos graxos, fitoquímicos são alguns deles. Infelizmente carências nutricionais são muito comuns na população.

O avanço da pecuária e o transporte de alimentos contribui ainda para o aumento das emissões de gases, que aceleram o efeito estufa, o aquecimento global, as secas e a queima das florestas. Alimentos mais nutritivos ficam progressivamente mais caros, o que agrava a fome oculta, a carência de micronutrientes. É como se fosse uma desnutrição invisível.

Um pequeno aumento na temperatura da terra (entre 3 a 4 graus) pode também criar microclimas favoráveis ao desenvolvimento de microorganismos e vetores que contaminam os alimentos. O aumento na produção de gás carbônico (CO2) parece também reduzir o teor proteico, de vitaminas e minerais nos alimentos (Zhu et al., 2018). A ciência é bastante clara neste aspecto e as informações vão acumulando-se nacional e internacionalmente. Mas nem todo governante está interessado nestes temas. No Brasil, os interesses econômicos e a defesa de grupos privilegiados continuam falando mais alto.

Como sempre, os mais pobres, aqueles que já vivem em situação de insegurança alimentar acabam sendo mais prejudicados, são os mais afetados pelas alterações climáticas. A falta de políticas de longo prazo e eficazes nesta área é consequência da falta de uma liderança política forte e de um projeto claro de país.

Individualmente precisaremos continuar poupando, reduzindo o consumo de carnes, de alimentos ultraprocessados, evitando o desperdício de água, diminuindo a utilização de embalagens plásticas, comprando alimentos locais e frescos. Porém, há mais. Uma população paralisada, que não cobra uma verdadeira reforma política, que se escandaliza com a corrupção mas continua aceitando como normais os abusos de poder de governantes, contribui para os problemas que enfrentamos na crise sistêmica que afeta o clima, o estado nutricional, a saúde, as finanças e a paz de cada brasileiro.

FOME OCULTA NA INFÂNCIA

No momento em que uma em cada três crianças menores de 5 anos não está recebendo a nutrição necessária para crescer bem, o estudo Situação Mundial da Infância 2019 examina a má nutrição infantil hoje. As comunidades enfrentam cada vez mais uma tripla carga de má nutrição: apesar do declínio da desnutrição, 149 milhões de crianças com menos de 5 anos ainda sofrem de déficit de crescimento e quase 50 milhões têm baixo peso; 340 milhões de crianças sofrem com a fome oculta – deficiências de vitaminas e minerais –; e as taxas de sobrepeso e obesidade estão subindo rapidamente. ACESSE AQUI O RELATÓRIO DA UNICEF SOBRE O TEMA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/