Em 2010, grupo de pesquisa do Prof. Carlos Monteiro publicou um artigo em que propunha uma nova classificação dos alimentos com base no grau de processamento dos mesmos (Monteiro et al., 2010). Na semana passada, o mesmo grupo divulgou na revista World Nutrition, a proposta de classificação atualizada (denominada NOVA).
Esta classificação descreve os grupos de alimentos de acordo com os níveis de processamento e tratamento a que são submetidos, assim como acontece no Guia alimentar para a população brasileira.
Para Michael Pollan, professor da University of California em Berkeley, e autor de livros como Food Rules: An Eater’s Manual (2010), In Defense of Food: An Eater’s Manifesto (2008), e cooked (que também virou documentário no Netflix) considera “as novas diretrizes brasileiras revolucionárias” por serem organizadas em torno de comida e das refeições, e não em torno de nutrientes.
O objetivo da classificação NOVA, também utilizada no guia alimentar, é ser um instrumento útil para qualquer pessoa e não apenas para os especialistas em nutrição. Para Carlos Monteiro, o entendimento de que alimentos processados podem acarretar problemas para a saúde é antigo, mas impreciso, pois não especifica os tipos de processamento e a natureza dos problemas. Para preencher essa lacuna, seu grupo de pesquisa na USP criou uma classificação de alimentos baseada no grau de processamento industrial e que contempla quatro grupos.
No primeiro grupo, que deve ser a base da alimentação, estão os alimentos in natura, como frutas e hortaliças. São adquiridos para consumo sem qualquer alteração após deixarem a natureza. Também estão incluídos no primeiro grupo os alimentos minimamente processados, aqueles que antes de sua aquisição foram submetidos a alterações mínimas, como grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.
A segunda categoria corresponde a substâncias extraídas de alimentos in natura ou diretamente da natureza e usadas pelas pessoas em preparações culinárias, como óleos, gorduras, açúcar e sal. Essas substâncias, quando utilizadas, em pequenas quantidades, para temperar e cozinhar alimentos in natura ou minimamente processados, propiciam diversidade e sabor às preparações culinárias, sem comprometer sua composição nutricional.
No terceiro grupo estão os produtos fabricados essencialmente com a adição de sal ou açúcar a um alimento in natura ou minimamente processado, como legumes em conserva, frutas em calda, queijos e pães. O consumo desse grupo deve ser limitado a pequenas quantidades, como acompanhamento, e não em substituição a alimentos minimamente processados e preparações culinárias.
A quarta categoria, que deve ser evitada, é a dos alimentos ultraprocessados, como refrigerantes, biscoitos e salgadinhos de pacote. Esses produtos são formulações criadas pela moderna indústria de alimentos, com pouco ou nenhum alimento verdadeiro e grandes quantidades de óleo, sal e açúcar, além de muitas outras substâncias. Essas substâncias são derivadas de constituintes de alimentos ou de outras matérias orgânicas e incluem amidos modificados, isolados de proteínas, soro de leite, gordura hidrogenada e todo o grupo dos aditivos químicos. Os aditivos usados na manufatura de alimentos ultraprocessados têm como função prolongar quase indefinidamente a duração dos produtos e torná-los tão ou mais atraentes do que os alimentos verdadeiros.
O ultraprocessamento permite fazer produtos de muito baixo custo e de grande aceitabilidade, durabilidade e conveniência. Isso é conseguido por meio de processos tecnológicos muito sofisticados e uso de ingredientes relativamente baratos, como açúcar, gorduras, sal e aditivos. Além de ter um perfil nutricional intrinsicamente desequilibrado (muito sódio, muito açúcar, muita gordura não saudável), os processos e os ingredientes utilizados no ultraprocessamento levam a produtos que confundem o controle natural da fome e saciedade e que, nesta medida, promovem a obesidade. Primeiro, porque são produtos que contêm grande quantidade de calorias por volume. Segundo, porque, sendo praticamente pré-digeridos e contendo pouca ou nenhuma fibra alimentar, são absorvidos muito rapidamente. Terceiro porque são hiperpalatáveis. De fato, alimentos ultraprocessados são manufaturados para que sejam "irresistíveis" e isso é comumente mencionado na propaganda desses produtos. Por último, há a questão da segurança dos aditivos alimentares.
Estudos recentes vêm mostrando, por exemplo, que adoçantes artificiais e emulsificantes, aditivos muito comuns em alimentos ultraprocessados, podem alterar a microbiota intestinal e destruir a camada de muco que protege o epitélio intestinal, levando ao aumento do risco de colite, obesidade, diabetes e outras doenças crônicas. Por conta do crescimento exponencial das vendas de alimentos ultraprocessados, há centenas de novos aditivos entrando no mercado todos os anos. Mesmo que apenas uma proporção ínfima desses aditivos seja prejudicial à saúde, as consequências para a saúde pública podem ser muito graves. É urgente que haja uma regulação mais criteriosa dos aditivos alimentares.
Por fim, o ultraprocessamento de alimentos é muito ruim para o ambiente também, pois gera uma grande quantidade de resíduos sólidos e requer maior consumo de água e de energia em comparação aos alimentos minimamente processados. Também representa risco à diversidade de espécies. Como a lógica da indústria é reduzir custos, compram apenas um tipo de laranja, um tipo de milho ou de soja. Quando consumimos diretamente os alimentos, percebemos a diferença entre, por exemplo, variedades de laranjas, de feijões ou de batatas.
A cultura culinária garante a perpetuação dessa variedade. Já quando consumimos formulações industriais feitas com base em substâncias extraídas dos alimentos, não conseguimos notar diferenças. Por exemplo, quando a formulação é feita com base em amido, não há diferença se este amido vem de um ou outro tipo de milho ou mesmo se vem do arroz ou da soja. Dentre os alimentos minimamente processados, o impacto ambiental não é homogêneo e, neste sentido, o guia recomenda que a alimentação esteja baseada em uma variedade de alimentos de origem vegetal, que são os de menor impacto ambiental, e que as carnes vermelhas, em particular, sejam consumidas em pequenas quantidades (Agência Fapesp).
Estudo com mais de 450.000 pessoas de 10 países europeus mostrou que a redução de 10% dos alimentos ultraprocessados (refrigerantes, balas, sorvetes, alimentos defumados etc) reduz risco de câncer de cabeça, pescoço, esôfago, intestino, mama... (Kliemann et al., 2023).