Metilação: A Chave Silenciosa para a Saúde e a Doença

A metilação é um processo bioquímico essencial que participa de mais de 400 vias metabólicas no nosso corpo. Quando esse mecanismo é comprometido, podem surgir distúrbios que vão desde desequilíbrios intestinais até doenças neurológicas e câncer.

O que é Metilação?

Metilação é a adição de um grupo metil (-CH₃) ao DNA, proteínas ou outras moléculas, atuando como um “interruptor” que liga ou desliga genes.
No DNA, ela acontece principalmente em regiões chamadas ilhas CpG — áreas ricas em citosina (C) e guanina (G) — influenciando diretamente a expressão gênica.

O Papel das DNA Metiltransferases (DNMTs)

As enzimas DNMT1, DNMT3a e DNMT3b mantêm e estabelecem as marcas de metilação no DNA.

  • Perda de DNMT1 → hipometilação em neurônios, alterações no desenvolvimento e degeneração neural.

  • Perda de DNMT3a/3b → degeneração neuromuscular precoce e baixa taxa de sobrevivência celular.

Essas enzimas não só preservam a integridade do material genético, como também participam do aprendizado, memória e maturação neural.

Metilação e Câncer

A metilação pode ter dois papéis opostos no câncer:

  • Hipermetilação em genes supressores de tumor → silenciamento de genes que impedem a progressão para o câncer (ex.: EMP3 nos glioblastomas).

  • Hipermetilação de oncogenes → pode inibir vias que estimulam crescimento tumoral, como a via TGF-beta.

Nos glioblastomas, a hipermetilação em regiões promotoras é um padrão frequente.

Metilação, Memória e Aprendizado

O sistema nervoso adapta suas marcas epigenéticas em resposta a estímulos.
Enzimas como neuroLSD1 agem como “borrachas” moleculares, removendo marcas químicas das histonas para permitir a expressão de genes ligados à maturação neuronal e comportamentos complexos.

O Metabolismo de Um Carbono e a MTHFR

O processo de metilação depende de um ciclo bioquímico conhecido como metabolismo de um carbono, que envolve:

  • Ácido fólico (folato)

  • Vitaminas B6, B12

  • Zinco, magnésio e riboflavina

A enzima Metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR) é crucial nesse processo.
O polimorfismo rs1801133 no gene MTHFR reduz sua atividade, levando a:

  • Aumento da homocisteína no sangue

  • Maior risco de doenças cardiovasculares, câncer, defeitos no tubo neural e declínio cognitivo

  • Maior necessidade de nutrientes como folato, B12 e B6

Metilação e Saúde Intestinal

Alterações na metilação também podem estar associadas à disbiose intestinal e doenças inflamatórias intestinais, reforçando a interconexão entre intestino e cérebro.

A metilação é um maestro silencioso que rege desde o funcionamento dos neurônios até a proteção contra câncer. Manter esse processo equilibrado passa por nutrição adequada, boa saúde intestinal e prevenção de desequilíbrios metabólicos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Fermentação da B9 por bactérias

O folato é fundamental para a síntese de ácidos nucleicos e aminoácidos. Seus intermediários, incluindo PABA, 6-metilpterina e ácido pteroico secretados por bactérias após a fermentação, atuam na manutenção do equilíbrio redox sob condições anaeróbicas.

O PABA é um composto aromático com um grupo carboxílico e amino ligado a um anel benzênico. Ele participa da transferência de elétrons durante a síntese do ácido di-hidropteroico.

Estrutura química da vitamina B9

A molécula de folato contém um anel de pterina, uma fração de PABA e uma cauda de poliglutamato. Está principalmente envolvida na síntese de ácido nucleico e reparo. Sua capacidade de transferência de carga ocorre principalmente durante a interconversão de suas várias formas, incluindo di-hidrofolato e tetra-hidrofolato. Além disso, a propriedade de transferência de carga do folato é crucial quando ele atua como uma coenzima no caso de metabolismo de um carbono e participa da transferência do grupo metil em várias reações bioquímicas.

O folato também está correlacionado com a regulação do estresse oxidativo-nitrosativo e também atua como um eliminador de radicais de íons hidroxila. Além disso, a proteína que atua como coletora de ROS demonstrou anteriormente diminuir com baixos níveis de moléculas de folato. Da mesma forma, foi relatado que o nível de glutationa mitocondrial é suprimido com os baixos níveis de folato. Entenda melhor no vídeo sobre o ciclo 1-carbono:

Nara, S., Parasher, G., Malhotra, B.D. et al. Novel role of folate (vitamin B9) released by fermenting bacteria under Human Intestine like environment. Sci Rep 13, 20226 (2023). https://doi.org/10.1038/s41598-023-47243-0

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Polimorfismo de MTHFR e câncer cervical

A MTHFR (metilenotetrahidrofolato redutase) é uma enzima-chave na via do folato/um-carbono: converte 5,10-metilenotetraidrofolato em 5-metiltetraidrofolato, que é usado para remeter homocisteína a metionina — essencial para síntese de DNA, reparo e metilação do DNA.

Polimorfismos comuns (especialmente C677T e A1298C) reduzem a atividade da enzima (dependendo do genótipo), podendo levar a níveis mais baixos de folato ativo, maior homocisteína e alterações na metilação do DNA. Esses mecanismos são plausíveis para influenciar carcinogênese - instabilidade genômica, metilação anormal de genes supressores/tumorais e possivelmente metilação do DNA do HPV, o agente causal central do câncer cervical (Hajiesmaeil, Tafvizi, & Sarmadi).

Múltiplos estudos de caso-controlo e várias meta-análises chegam a conclusões diferentes. Alguns trabalhos mostram associação entre C677T (ou A1298C) e maior risco de lesões intraepiteliais cervicais (CIN) ou câncer, enquanto outros não encontram associação estatisticamente significativa. A heterogeneidade é alta entre estudos (diferenças étnicas, tamanho amostral, ajuste por folato alimentar/níveis séricos, status de infecção por HPV, desenho do estudo) (Chen, & Zhu, 2013).

Algumas meta-análises detectaram efeito em subgrupos (por exemplo, associação mais forte em populações asiáticas em certos estudos) e estudos que estratificaram por ingestão de folato mostraram que o risco associado ao alelo variante aumenta quando a ingestão/estado de folato é baixo. Ou seja: genótipo de risco + baixa ingestão de folato = risco maior (Goodman et al., 2001).

Mecanismos plausíveis

Baixos níveis de folato e polimorfismos MTHFR podem alterar metilação de genes do hospedeiro e do próprio genoma do HPV, facilitando persistência de infecção oncogénica e progressão a lesões pré-neoplásicas. Estudos recentes também mostram interações entre mutações MTHFR e metilação de genes (por exemplo, PAX1) ligados a maior risco de CIN/câncer (Silva et al., 2019).

Suplementação vale a pena?

Há evidências observacionais e experimentais que deficiência de folato está associada a maior risco de lesões cervicais e de persistência do HPV; em populações com baixo folato, níveis séricos baixos correlacionam com maior risco. Isso sugere que corrigir deficiência de folato é plausivelmente benéfico (Gong et al., 2018).

Contudo, uma ampla literatura sobre folato e carcinogênese mostra um padrão complexo — folato protege tecidos normais de dano e carcinogênese inicial, mas suplementação excessiva (especialmente folato sintético/ácido fólico em altas doses) pode, em alguns contextos, promover crescimento de lesões pré-existentes ou tumores estabelecidos. Isso foi documentado principalmente para alguns cânceres (ex.: estudos em cólon e próstata) e em modelos experimentais. Portanto a suplementação indiscriminada em altas doses não é isenta de riscos (Choi, & Mason, 2000).

Não há prova suficiente para recomendar suplementação universal de altas doses de ácido fólico com o objetivo explícito de prevenir câncer cervical. Há incertezas e potencial risco teórico se existir neoplasia pré-existente (Thabet et al., 2024).

A presença do polimorfismo de MTHFR por si só não fornece indicação universal para suplementar com altas doses; contudo, testar e garantir um estado nutricional adequado em folato (através de dieta ou suplementação quando necessário) faz sentido, já que os efeitos adversos dos polimorfismos parecem ser mais pronunciados quando o folato é baixo (Silva et al., 2019).

As prioridades de prevenção do câncer cervical incluem: vacinação contra HPV, triagem adequada (citologia/HPV testing), diagnóstico precoce e tratamento de lesões pré-neoplásicas. Estas estratégias têm evidência muito mais forte para reduzir incidência/mortalidade do que qualquer intervenção nutricional isolada. O manejo nutricional é complementar a essas estratégias.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/