A MTHFR (metilenotetrahidrofolato redutase) é uma enzima-chave na via do folato/um-carbono: converte 5,10-metilenotetraidrofolato em 5-metiltetraidrofolato, que é usado para remeter homocisteína a metionina — essencial para síntese de DNA, reparo e metilação do DNA.
Polimorfismos comuns (especialmente C677T e A1298C) reduzem a atividade da enzima (dependendo do genótipo), podendo levar a níveis mais baixos de folato ativo, maior homocisteína e alterações na metilação do DNA. Esses mecanismos são plausíveis para influenciar carcinogênese - instabilidade genômica, metilação anormal de genes supressores/tumorais e possivelmente metilação do DNA do HPV, o agente causal central do câncer cervical (Hajiesmaeil, Tafvizi, & Sarmadi).
Múltiplos estudos de caso-controlo e várias meta-análises chegam a conclusões diferentes. Alguns trabalhos mostram associação entre C677T (ou A1298C) e maior risco de lesões intraepiteliais cervicais (CIN) ou câncer, enquanto outros não encontram associação estatisticamente significativa. A heterogeneidade é alta entre estudos (diferenças étnicas, tamanho amostral, ajuste por folato alimentar/níveis séricos, status de infecção por HPV, desenho do estudo) (Chen, & Zhu, 2013).
Algumas meta-análises detectaram efeito em subgrupos (por exemplo, associação mais forte em populações asiáticas em certos estudos) e estudos que estratificaram por ingestão de folato mostraram que o risco associado ao alelo variante aumenta quando a ingestão/estado de folato é baixo. Ou seja: genótipo de risco + baixa ingestão de folato = risco maior (Goodman et al., 2001).
Mecanismos plausíveis
Baixos níveis de folato e polimorfismos MTHFR podem alterar metilação de genes do hospedeiro e do próprio genoma do HPV, facilitando persistência de infecção oncogénica e progressão a lesões pré-neoplásicas. Estudos recentes também mostram interações entre mutações MTHFR e metilação de genes (por exemplo, PAX1) ligados a maior risco de CIN/câncer (Silva et al., 2019).
Suplementação vale a pena?
Há evidências observacionais e experimentais que deficiência de folato está associada a maior risco de lesões cervicais e de persistência do HPV; em populações com baixo folato, níveis séricos baixos correlacionam com maior risco. Isso sugere que corrigir deficiência de folato é plausivelmente benéfico (Gong et al., 2018).
Contudo, uma ampla literatura sobre folato e carcinogênese mostra um padrão complexo — folato protege tecidos normais de dano e carcinogênese inicial, mas suplementação excessiva (especialmente folato sintético/ácido fólico em altas doses) pode, em alguns contextos, promover crescimento de lesões pré-existentes ou tumores estabelecidos. Isso foi documentado principalmente para alguns cânceres (ex.: estudos em cólon e próstata) e em modelos experimentais. Portanto a suplementação indiscriminada em altas doses não é isenta de riscos (Choi, & Mason, 2000).
Não há prova suficiente para recomendar suplementação universal de altas doses de ácido fólico com o objetivo explícito de prevenir câncer cervical. Há incertezas e potencial risco teórico se existir neoplasia pré-existente (Thabet et al., 2024).
A presença do polimorfismo de MTHFR por si só não fornece indicação universal para suplementar com altas doses; contudo, testar e garantir um estado nutricional adequado em folato (através de dieta ou suplementação quando necessário) faz sentido, já que os efeitos adversos dos polimorfismos parecem ser mais pronunciados quando o folato é baixo (Silva et al., 2019).
As prioridades de prevenção do câncer cervical incluem: vacinação contra HPV, triagem adequada (citologia/HPV testing), diagnóstico precoce e tratamento de lesões pré-neoplásicas. Estas estratégias têm evidência muito mais forte para reduzir incidência/mortalidade do que qualquer intervenção nutricional isolada. O manejo nutricional é complementar a essas estratégias.