Polimorfismo de MTHFR e risco cardiovascular

O gene MTHFR (methylenetetrahydrofolate reductase) codifica a enzima responsável por converter 5,10-metilenotetrahidrofolato em 5-metiltetrahidrofolato — a forma ativa do folato usada para remeter grupos metil ao ciclo de metilação da homocisteína para metionina.
Esse processo é parte central do Ciclo de Um Carbono, que conecta:

  • Metabolismo de folato

  • Metabolismo da metionina

  • Metilação de DNA, RNA e proteínas

  • Produção de neurotransmissores e fosfolipídios

O Ciclo de Um Carbono

O ciclo na imagem acima integra três vias principais:

  1. Via do Folato – transporte de unidades de um carbono (metil, formil, metenil) necessárias para síntese de nucleotídeos e regeneração de metionina.

  2. Via da Metionina – a metionina é convertida em S-adenosilmetionina (SAM), o principal doador de grupos metil para reações de metilação.

  3. Via da Transsulfuração – desvia a homocisteína para formar cisteína e glutationa (antioxidante crucial).

O MTHFR está localizado na etapa de “ponte” entre o folato dietético e a remetilação da homocisteína. Baixa atividade da MTHFR reduz a disponibilidade de 5-metiltetrahidrofolato, limitando a regeneração de metionina e aumentando níveis de homocisteína.

3. Polimorfismos do MTHFR

Os mais estudados:

  • C677T – substituição de alanina por valina, que reduz estabilidade térmica da enzima e pode diminuir a atividade em até 70% nos homozigotos TT.

  • A1298C – afeta a regulação da enzima, mas em geral causa impacto moderado isoladamente.

A presença desses polimorfismos:

  • Eleva homocisteína plasmática, especialmente quando há baixa ingestão de folato, B12 ou B6.

  • Modula a resposta a suplementação vitamínica.

  • Pode interagir com outros fatores genéticos e ambientais no risco cardiovascular.

4. MTHFR, Homocisteína e Risco Cardiovascular

Mecanismo

  • Hipermetioninemia → aumento de SAM e disfunção de metilação

  • Hiper-homocisteinemia → efeito pró-aterogênico:

    • Lesão endotelial

    • Aumento de estresse oxidativo

    • Inflamação vascular

    • Alteração na coagulação

Evidências

  • Estudos observacionais associam homocisteína elevada a maior risco de doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral e trombose venosa.

  • Contudo, ensaios clínicos de suplementação de folato e vitaminas B para reduzir homocisteína não mostraram redução clara de eventos cardiovasculares em populações gerais, sugerindo que a homocisteína pode ser marcador mais do que causa direta.

  • O impacto é mais evidente em subgrupos: portadores de polimorfismos MTHFR com baixa ingestão de folato (comum em regiões sem fortificação alimentar).

5. Modulação e Prevenção

  • Nutrição: Dietas ricas em folato natural (vegetais verdes, leguminosas, frutas cítricas) e suplementação quando indicado.

  • Vitaminas B12 e B6: Cofatores necessários para reciclagem de homocisteína.

  • Fortificação alimentar: Reduz drasticamente hiper-homocisteinemia populacional em portadores de variantes MTHFR.

  • Controle de fatores de risco: Pressão arterial, perfil lipídico, glicemia — pois o polimorfismo MTHFR atua de forma sinérgica com outros fatores de risco cardiovascular.

O MTHFR é um elo central entre nutrição, genética e saúde cardiovascular.
Alterações no gene comprometem o Ciclo de Um Carbono, elevam homocisteína e potencialmente aumentam risco vascular — especialmente em contextos de carência de folato.

Apesar da relação biológica clara, o impacto clínico isolado dos polimorfismos no risco cardiovascular é modesto e amplamente dependente de dieta, status vitamínico e fatores ambientais. A prevenção eficaz envolve nutrição adequada, estilo de vida saudável e manejo global de riscos, mais do que foco exclusivo na homocisteína.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Neurobiologia do autismo e o impacto no estado nutricional

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos ou interesses restritos. A neurobiologia do autismo refere-se ao estudo dos mecanismos cerebrais e biológicos subjacentes ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).

1. Alterações Cerebrais Estruturais e Funcionais

Aumento precoce do volume cerebral: Muitas crianças autistas apresentam crescimento cerebral acelerado nos primeiros anos de vida, especialmente em áreas como o córtex pré-frontal.

  • Diferenças em regiões específicas:

    • Amígdala: Alterações na amígdala podem estar relacionadas às dificuldades sociais e ao processamento emocional.

    • Cerebelo: Alterações morfológicas podem afetar a coordenação motora e o processamento sensorial.

    • Córtex pré-frontal e temporal: Importantes para linguagem, interação social e comportamento adaptativo.

2. Conectividade Neural

  • Hipoconectividade de longa distância: Menor integração entre diferentes áreas cerebrais, o que pode afetar a comunicação social.

  • Hiperconectividade local: Pode explicar padrões repetitivos e foco intenso em detalhes.

3. Neurotransmissores e Sistemas Químicos

  • Serotonina: Níveis alterados de serotonina foram encontrados em algumas pessoas com autismo, afetando humor, sono e comportamento social.

  • Dopamina e oxitocina: Envolvidos na motivação social e vínculo interpessoal.

  • Glutamato: Desequilíbrio no sistema excitatório pode estar envolvido nos sintomas centrais do TEA.

  • GABA (ácido gama-aminobutírico): Redução na atividade inibitória; contribui para uma excitação neural anormal.

4. Genética e Epigenética

  • Estima-se que 60 a 90% do risco de autismo esteja ligado a fatores genéticos.

  • Estudos já identificaram cerca de 500 genes associados ao desenvolvimento sináptico, neuroplasticidade e sinalização neural (como SHANK3, MECP2, NRXN1) podem ter expressão alterada.

  • Mutação de novo, variações do número de cópias (CNVs), e mecanismos epigenéticos (modificações no DNA sem alteração da sequência) também têm papel relevante.

5. Fatores Pré-natais e Ambientais

  • Exposição a infecções maternas, complicações no parto, idade avançada dos pais, deficiências nutricionais e toxinas ambientais pode aumentar o risco de alterações neurobiológicas relacionadas ao TEA.

6. Modelos em Pesquisa

  • Modelos animais (como camundongos geneticamente modificados) e estudos com imagem cerebral (fMRI, DTI, EEG) têm sido essenciais para compreender os circuitos neurais afetados.

  • Tecnologias como organoides cerebrais e iPSCs (células-tronco pluripotentes induzidas) têm permitido estudar o desenvolvimento do cérebro autista em laboratório.

Relação entre neurobiologia do TEA e estado nutricional

1. Alterações sensoriais e seletividade alimentar

  • O cérebro de indivíduos no espectro frequentemente apresenta hiper ou hipossensibilidade sensorial, o que afeta:

    • Textura, temperatura e cheiro dos alimentos.

    • Preferência por alimentos específicos (geralmente ultraprocessados ou com sabores intensos).

    • Resultado: dieta tende a ser menos variada, mais rica em carboidratos simples e pobre em fibras, ferro, cálcio e vitaminas do complexo B.

2. Disfunção gastrointestinal

  • Indivíduos com TEA têm maior prevalência de:

    • Constipação crônica, diarreia, distensão abdominal.

    • Disbiose intestinal e alteração na permeabilidade intestinal (“intestino permeável”).

  • Acredita-se que fatores genéticos e inflamatórios relacionados ao cérebro também afetam o sistema nervoso entérico (o "segundo cérebro"). Mais de 90% dos 62 genes de risco de autismo de maior classificação no banco de dados SFARI (https://gene.sfari.org/) são expressos tanto em tecidos cerebrais e gastrointestinais, sugerindo que eles afetam mutuamente o cérebro e o intestino.

  • Relevância para a nutrição: é comum a má absorção de nutrientes e maior incidência de reações adversas a alimentos.

3. Inflamação e estresse oxidativo

  • Estudos mostram aumento de marcadores inflamatórios e estresse oxidativo no cérebro e no sangue de pessoas com TEA.

  • Dietas anti-inflamatórias e ricas em antioxidantes (ex.: vitaminas C, E, zinco, selênio, ômega-3) podem ter efeitos benéficos.

4. Alterações no metabolismo de folato e metilação

  • Deficiências em folato, vitamina B12, e B6 são comuns devido a mutações em genes como o MTHFR.

  • Consequência: comprometimento na síntese de neurotransmissores e desintoxicação cerebral (ciclo da metilação).

  • Suplementação com ácido folínico (leucovorin) vem sendo estudada com bons resultados em linguagem e cognição.

Recomendações nutricionais

1. Avaliação individualizada

  • Avaliar histórico alimentar, antropometria, exames laboratoriais e comportamento alimentar.

  • Incluir avaliação de disfunções gastrointestinais e sensoriais.

2. Dieta balanceada e anti-inflamatória

  • Rica em frutas, vegetais, proteínas magras, peixes (ômega-3), grãos integrais.

  • Limitar alimentos ultraprocessados, corantes artificiais, conservantes e açúcar refinado.

3. Correção de deficiências com suplementação direcionada

  • Suplementos usados com maior frequência:

    • Multivitamínicos

    • Vitamina D

    • Ácido folínico

    • Zinco e magnésio

    • Probióticos (para equilíbrio da microbiota intestinal)

    • Ômega-3 (EPA/DHA) – melhora sintomas de irritabilidade e atenção

4. Terapias dietéticas específicas (com cuidado)

  • Dieta sem glúten e caseína: pode melhorar sintomas em subgrupos com alterações gastrointestinais e imunológicas, mas deve ser feita com acompanhamento nutricional rigoroso.

  • Dietas cetogênicas modificadas: ainda experimentais, mas em estudo para casos refratários com epilepsia associada.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

INTOLERÂNCIA AO GLUTAMATO NO AUTISMO

O glutamato é um aminoácido não essencial que ocorre naturalmente em muitos alimentos, como carnes, queijos, tomates e cogumelos. Também é usado como realçador de sabor na forma do glutamato monossódico (GMS), muito comum em alimentos processados.

Quando ingerido, o glutamato é metabolizado principalmente no trato gastrointestinal e serve como fonte de energia para as células intestinais. Pouco do glutamato alimentar atravessa a barreira hematoencefálica (a barreira que protege o cérebro), então seu impacto direto no cérebro é limitado.

Há também dois tipos de glutamato que devemos conhecer. O primeiro é o glutamato ligado, que está ligado a uma proteína inteira, o que significa que é mais fácil de digerir e absorver lentamente. Depois, há o glutamato livre, que não está ligado a outros aminoácidos e acredita-se que seja absorvido em nossos corpos muito mais rapidamente.

O glutamato dos alimentos saudáveis está ligado e parece ser bom para indivíduos saudáveis, especialmente por não atravessar a barreira hematoencefálica. Esta barreira é um revestimento que protege o cérebro de coisas com as quais não deveria estar em contato. Se você tem um revestimento intestinal saudável e uma barreira sanguínea saudável no cérebro, provavelmente tolera muito bem o GMS, pois não chegará a lugares em seu corpo onde não deveria ir.

No entanto, como as crianças com autismo tendem a ter intestino permeável e baixos níveis crônicos de inflamação, elas podem ser extremamente sensíveis ao glutamato. Ser sensível ao glutamato é referido na comunidade científica como disfunção do glutamato. Se corpo não consegue lidar com ele corretamente, alguns problemas podem surgir. 

Por exemplo, a disfunção do glutamato está correlacionada com deficiências cognitivas. Também há evidências substanciais de que a disfunção do glutamato e o autismo estão diretamente relacionados. Parece que as crianças com autismo têm níveis mais elevados de neurotensina, o que intensifica a sinalização do glutamato no organismo, causando uma maior sensibilidade. Constatou-se ainda que indivíduos com autismo apresentam anormalidades específicas nos receptores de glutamato do tipo AMPA e na forma como o glutamato é transportado em seu cérebro, o que pode estar diretamente relacionado à expressão dos sintomas autistas. Por outro lado, os níveis de GABA ficam baixos.

Alguns genes podem influenciar como o corpo e o cérebro processam o glutamato, e variações neles podem estar associadas a uma menor tolerância ou maior sensibilidade ao glutamato, especialmente em relação à sua ação no sistema nervoso. Vou listar alguns dos principais genes relacionados:

Genes Associados à Menor Tolerância ao Glutamato

a) GRIN2A e GRIN2B

  • O que fazem: Codificam subunidades dos receptores NMDA, que são receptores importantes para o glutamato no cérebro.

  • Impacto: Variações nesses genes podem alterar a sensibilidade dos neurônios ao glutamato, podendo aumentar a excitotoxicidade e o risco de disfunções cognitivas ou neurológicas.

b) SLC1A2 (EAAT2)

  • O que faz: Codifica um transportador responsável pela captação do glutamato do espaço extracelular para dentro dos astrócitos, ajudando a regular os níveis de glutamato no cérebro.

  • Impacto: Polimorfismos que reduzem a função deste transportador podem levar ao acúmulo de glutamato extracelular, aumentando o risco de excitotoxicidade e sintomas neurológicos.

c) GLS (Glutaminase)

  • O que faz: Enzima que converte glutamina em glutamato dentro das células.

  • Impacto: Alterações genéticas podem afetar a produção local de glutamato, contribuindo para desequilíbrios na neurotransmissão.

d) GAD1

  • O que faz: Codifica a enzima ácido glutâmico descarboxilase, que converte glutamato em GABA (principal neurotransmissor inibitório).

  • Impacto: Variações podem diminuir a conversão de glutamato em GABA, causando um desequilíbrio excitatório-inibitório e maior sensibilidade ao glutamato.

e) CBS (Cistationina beta-sintase)

  • Relacionamento indireto: Embora não atue diretamente no metabolismo do glutamato, a disfunção da CBS afeta o metabolismo do enxofre e a produção de antioxidantes como glutationa, que protegem contra danos causados pelo excesso de glutamato.

Implicações Clínicas

  • Doenças relacionadas: Variações nesses genes estão associadas a condições como epilepsia, transtornos do espectro autista, esquizofrenia e outras desordens neuropsiquiátricas, onde a regulação do glutamato é crucial.

  • Tolerância ao glutamato alimentar: Ainda é pouco claro se essas variações genéticas afetam diretamente a tolerância ao glutamato da dieta, mas elas podem influenciar a sensibilidade geral do sistema nervoso a níveis elevados de glutamato.

Juntamente com os fatores genéticos e as influências ambientais, evidências crescentes sugerem uma associação entre o início e a progressão do TEA e uma variedade de sistemas neurotransmissores cerebrais, como acetilcolina (ACh), dopamina, serotonina, glutamato, ácido γ-aminobutírico e histamina (HA). Acredita-se que a neurotransmissão alterada histaminérgica e colinérgica desempenhe um papel crucial no fenótipo comportamental relacionado ao TEA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/