Como os ácidos biliares afetam a microbiota?

Os ácidos biliares exercem um papel importante na regulação da microbiota intestinal, e essa relação é bidirecional: os ácidos biliares afetam a microbiota, e a microbiota modifica os ácidos biliares.

O que são ácidos biliares?

São compostos derivados do colesterol produzidos no fígado, armazenados na vesícula biliar e liberados no intestino delgado, principalmente após refeições. Eles ajudam na digestão e absorção de gorduras.

Como os ácidos biliares afetam a microbiota?

  1. Efeito antimicrobiano direto:

    • Ácidos biliares primários (como o ácido cólico e o ácido quenodesoxicólico) podem danificar membranas bacterianas, afetando especialmente bactérias Gram-positivas.

    • Eles também interferem no metabolismo bacteriano, inibindo o crescimento de algumas espécies.

  2. Seleção de espécies bacterianas:

    • Algumas bactérias desenvolvem mecanismos para resistir aos efeitos tóxicos dos ácidos biliares.

    • Isso favorece o crescimento de microrganismos bile-tolerantes (ex: Bilophila wadsworthia, Clostridium spp., Enterobacteriaceae), enquanto inibe outros.

  3. Alteração do ambiente intestinal:

    • Ao modificar o pH e a fluidez das membranas, os ácidos biliares criam um ambiente que seleciona quais bactérias sobrevivem ou prosperam.

Como a microbiota também afeta os ácidos biliares?

  • Bactérias intestinais convertem ácidos biliares primários em ácidos biliares secundários (ex: ácido desoxicólico e ácido litocólico), através de reações como desconjugação e 7α-desidroxilação.

  • Essas formas secundárias têm efeitos diferentes sobre o hospedeiro, podendo inclusive influenciar:

    • Inflamação intestinal

    • Metabolismo hepático

    • Expressão de receptores como FXR e TGR5 (ligados ao metabolismo de glicose, lipídios e energia)

Os ácidos biliares atuam como moduladores da microbiota intestinal, controlando o crescimento bacteriano e influenciando sua composição. Essa interação influencia processos digestivos, imunológicos e metabólicos no hospedeiro.

Quando é bom:

Em condições normais, os ácidos biliares ajudam a manter um equilíbrio saudável da microbiota. Eles:

  • Limitam o crescimento excessivo de bactérias nocivas.

  • Favorecem bactérias resistentes e benéficas.

  • Participam da digestão de gorduras e na regulação metabólica (via receptores como FXR e TGR5).

  • Estimulam a produção de muco e barreiras protetoras intestinais, prevenindo infecções.

Nesse contexto, os ácidos biliares são benéficos para a microbiota e para a saúde intestinal como um todo.

Quando é ruim:

Se houver excesso ou alteração na composição dos ácidos biliares (por exemplo, devido a dieta rica em gordura animal, inflamação, uso de antibióticos, etc.), isso pode:

  • Favorecer bactérias nocivas, como Bilophila wadsworthia (ligada a inflamação).

  • Matar bactérias boas, reduzindo a diversidade microbiana.

  • Levar à disbiose (desequilíbrio da microbiota), o que pode causar ou piorar:

    • Doença inflamatória intestinal

    • Síndrome metabólica

    • Obesidade

    • Câncer de cólon

Nesse caso, os ácidos biliares prejudicam a microbiota e a saúde geral.

Aprenda mais no curso de modulação intestinal

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Por que o autismo é mais comum em meninos?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um desafio complexo, e uma das suas características mais intrigantes é a disparidade de gênero, com uma prevalência estimada de 3,4 homens para cada 1 mulher. Mas por que essa diferença?

Novas pesquisas estão lançando luz sobre os mecanismos genéticos e biológicos subjacentes a essa lacuna, sugerindo um fascinante "efeito protetor feminino".

O Enigma da Proteção Feminina: Mais Mutações, Menos Diagnósticos?

Imagine que, para manifestar o TEA, as mulheres precisem de um "limiar" genético mais alto. É exatamente isso que as últimas descobertas sugerem. Estudos recentes, incluindo análises de 2025, continuam a reforçar a ideia de que, embora as mulheres sejam menos diagnosticadas, quando apresentam os sintomas do TEA (déficits de comunicação social, comportamentos restritos e interesses repetitivos), seus casos estão associados a uma carga significativamente maior de mutações genéticas deletérias em comparação com os homens.

Isso significa que o cérebro feminino pode ter mecanismos de resiliência que exigem um "impacto" genético maior para que o transtorno se manifeste. Um estudo abrangente, analisando dados de 5.748 famílias com TEA e 1.911 controles, revelou que, em 2025, mulheres com TEA apresentavam uma média de 0,59 mutações funcionais putativas por pessoa, em contraste com 0,46 nos homens, uma diferença de 0,13. Isso fornece uma evidência robusta para o "modelo protetor feminino".

Mergulhando no Cérebro: Neurônios, Glia e Expressão Gênica

A chave para entender essa proteção pode estar na forma como os genes se expressam no cérebro. Pesquisas, algumas delas com resultados atualizados até 2025, têm consistentemente mostrado um padrão intrigante no córtex de pessoas com TEA:

  • Redução da expressão de genes associados à função neuronal e sináptica.

  • Aumento da expressão de genes relacionados à função imune, astrocitária e microglial.

Esses padrões não são exclusivos de homens. No entanto, o que é crucial é a diferença na expressão desses genes entre os sexos em cérebros neurotípicos. Estudos indicam que, em cérebros sem TEA:

  • Mulheres tendem a ter uma expressão maior de genes relacionados à função sináptica e neuronal.

  • Homens exibem uma expressão maior de genes associados às células imunes e da glia.

Isso sugere que a função diferencial da glia (células de suporte do cérebro) e/ou dos neurônios pode estar contribuindo para a patobiologia do TEA ou para esses mecanismos de proteção, respectivamente.

Redes Genéticas e Co-Expressão: Uma Perspectiva Feminina Mais Conectada?

Outra área de pesquisa promissora é a co-expressão gênica. Análises de 174 genes candidatos associados ao TEA revelaram algo notável: as três subclasses de genes candidatos (específicos de mulheres, específicos de homens e compartilhados) são mais frequentemente co-expressas em regiões do cérebro feminino do que em regiões do cérebro masculino durante o desenvolvimento pré-natal.

Isso levanta a hipótese de que a deficiência em genes de risco para o TEA pode ser mais compensada pela maior quantidade de genes co-expressos em mulheres. Em outras palavras, o cérebro feminino pode ter uma rede genética mais interconectada ou redundante, capaz de mitigar o impacto das mutações que levariam ao TEA em homens.

Implicações para o Diagnóstico e Futuras Pesquisas

O "modelo protetor feminino" sugere que os critérios diagnósticos para TEA podem precisar ser ajustados para as mulheres, considerando que elas podem apresentar sintomas mais internalizados ou requerer uma carga genética mais severa para o diagnóstico. Isso pode levar a novas diretrizes de triagem e diagnóstico específicas por sexo sendo desenvolvidas e implementadas.

Embora tenhamos avançado, a pesquisa é limitada pela escassez de tecido cerebral de mulheres com autismo. Para desenvolver uma compreensão detalhada dos mecanismos patobiológicos e protetores relacionados ao sexo, precisamos de mais dados, incluindo análises transcriptômicas de diversas regiões cerebrais e em múltiplos pontos de tempo ao longo da vida (Zhang et al., 2020).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Exposições ambientais e autismo

O autismo é um transtorno complexo do desenvolvimento, caracterizado por dificuldades persistentes na interação social, fala e comunicação não-verbal e atividades restritas/repetitivas.

O autismo (ASD) é altamente hereditário (estimado entre 60 – 90%), mas sofre pouca transmissão genética entre gerações, devido à menor taxa reprodutiva de indivíduos afetados.

Fatores ambientais que ocorrem no período pré-natal — como poluentes, deficiências nutricionais, inflamação, exposição a tóxicos, uso de medicamentos e alteração da microbiota materna — influenciam o risco de autismo (ASD) através de impactos nas células de vários tecidos (incluindo cérebro) do feto.

Os mecanismos pelos quais essas exposições incrementariam o número de mutações de novo incluem:

  1. Dano direto ao DNA (quebra de dupla-fita, alterações de base);

  2. Interferência na reparação do DNA, como comprometimento da recombinação homóloga;

  3. Alterações no eixo intestino-cérebro: disbiose e inflamação intestinal liberam metabólitos (como p‑cresol, ácidos graxos) que afetam permeabilidade intestinal e barreira hematoencefálica;

  4. Disfunção mitocondrial e estresse oxidativo — formação excessiva de espécies reativas (ROS) por mitocôndrias, danificando nucleotídeos e rompendo cadeias de DNA.

Assim, exposições podem gerar mutações em células germinativas (pai/mãe) ou em embriões iniciais, contribuindo para a carga mutacional. As alterações nas mitocôndrias, interferem na geração de energia, controle do estresse oxidativo e sinalização inflamatória.

Crianças com TEA apresentam alta prevalência de disfunções mitocondriais (30–50%), bem como anomalias em enzimas da cadeia respiratória (até 80%) em sangue e cérebro . Essas disfunções são frequentemente adquiridas, não necessariamente hereditárias, sugerindo que são respostas adaptativas (mitoplasticidade) a estressores ambientais .

Alterações mitocondriais contribuem para comorbidades, incluindo dificuldades alimentares, problemas gastrointestinais (como diarreia, prisão de ventre, síndrome do intestino irritável, disbiose). As estratégias dietéticas podem ajudar a aliviar os problemas gastrointestinais e comportamentais devido à ligação entre a microbiota intestinal e a atividade cerebral.

Ligação entre fatores pré-natais e função mitocondrial

  • A deficiência de folato, ferro, zinco, cobre, manganês e carnitina durante a gestação está ligada ao ASD, pois esses nutrientes são cofatores essenciais para a cadeia respiratória mitocondrial, superóxido dismutase e metabolismo energético.

  • Infecções gestacionais elevam citocinas (IL‑1α, IL‑6, IL‑17a), que prejudicam a função mitocondrial via aumento do estresse oxidativo e indução apoptótica. Em modelos animais de TEA induzidos por inflamação materna, há alterações mitocondriais persistentes, responsivas a antioxidantes como N-acetilcisteína.

  • Poluentes atmosféricos, agrotóxicos, fumo e ftalatos alteram a estrutura e função mitocondrial, inibem enzimas da cadeia respiratória e aumentam espécies reativas de oxigênio (ROS).

  • Paracetamol e antidepressivos (ex.: fluoxetina) também prejudicam a atividade mitocondrial, gerando subprodução de ATP e aumento de metabólitos tóxicos.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/