Por que o autismo é mais comum em meninos?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um desafio complexo, e uma das suas características mais intrigantes é a disparidade de gênero, com uma prevalência estimada de 3,4 homens para cada 1 mulher. Mas por que essa diferença?

Novas pesquisas estão lançando luz sobre os mecanismos genéticos e biológicos subjacentes a essa lacuna, sugerindo um fascinante "efeito protetor feminino".

O Enigma da Proteção Feminina: Mais Mutações, Menos Diagnósticos?

Imagine que, para manifestar o TEA, as mulheres precisem de um "limiar" genético mais alto. É exatamente isso que as últimas descobertas sugerem. Estudos recentes, incluindo análises de 2025, continuam a reforçar a ideia de que, embora as mulheres sejam menos diagnosticadas, quando apresentam os sintomas do TEA (déficits de comunicação social, comportamentos restritos e interesses repetitivos), seus casos estão associados a uma carga significativamente maior de mutações genéticas deletérias em comparação com os homens.

Isso significa que o cérebro feminino pode ter mecanismos de resiliência que exigem um "impacto" genético maior para que o transtorno se manifeste. Um estudo abrangente, analisando dados de 5.748 famílias com TEA e 1.911 controles, revelou que, em 2025, mulheres com TEA apresentavam uma média de 0,59 mutações funcionais putativas por pessoa, em contraste com 0,46 nos homens, uma diferença de 0,13. Isso fornece uma evidência robusta para o "modelo protetor feminino".

Mergulhando no Cérebro: Neurônios, Glia e Expressão Gênica

A chave para entender essa proteção pode estar na forma como os genes se expressam no cérebro. Pesquisas, algumas delas com resultados atualizados até 2025, têm consistentemente mostrado um padrão intrigante no córtex de pessoas com TEA:

  • Redução da expressão de genes associados à função neuronal e sináptica.

  • Aumento da expressão de genes relacionados à função imune, astrocitária e microglial.

Esses padrões não são exclusivos de homens. No entanto, o que é crucial é a diferença na expressão desses genes entre os sexos em cérebros neurotípicos. Estudos indicam que, em cérebros sem TEA:

  • Mulheres tendem a ter uma expressão maior de genes relacionados à função sináptica e neuronal.

  • Homens exibem uma expressão maior de genes associados às células imunes e da glia.

Isso sugere que a função diferencial da glia (células de suporte do cérebro) e/ou dos neurônios pode estar contribuindo para a patobiologia do TEA ou para esses mecanismos de proteção, respectivamente.

Redes Genéticas e Co-Expressão: Uma Perspectiva Feminina Mais Conectada?

Outra área de pesquisa promissora é a co-expressão gênica. Análises de 174 genes candidatos associados ao TEA revelaram algo notável: as três subclasses de genes candidatos (específicos de mulheres, específicos de homens e compartilhados) são mais frequentemente co-expressas em regiões do cérebro feminino do que em regiões do cérebro masculino durante o desenvolvimento pré-natal.

Isso levanta a hipótese de que a deficiência em genes de risco para o TEA pode ser mais compensada pela maior quantidade de genes co-expressos em mulheres. Em outras palavras, o cérebro feminino pode ter uma rede genética mais interconectada ou redundante, capaz de mitigar o impacto das mutações que levariam ao TEA em homens.

Implicações para o Diagnóstico e Futuras Pesquisas

O "modelo protetor feminino" sugere que os critérios diagnósticos para TEA podem precisar ser ajustados para as mulheres, considerando que elas podem apresentar sintomas mais internalizados ou requerer uma carga genética mais severa para o diagnóstico. Isso pode levar a novas diretrizes de triagem e diagnóstico específicas por sexo sendo desenvolvidas e implementadas.

Embora tenhamos avançado, a pesquisa é limitada pela escassez de tecido cerebral de mulheres com autismo. Para desenvolver uma compreensão detalhada dos mecanismos patobiológicos e protetores relacionados ao sexo, precisamos de mais dados, incluindo análises transcriptômicas de diversas regiões cerebrais e em múltiplos pontos de tempo ao longo da vida (Zhang et al., 2020).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/