Genética x fatores ambientais no autismo

O papel da hereditariedade e dos fatores ambientais no autismo é significativo e complexo, como evidenciado por diversos estudos.

O autismo tem uma estimativa de hereditariedade de aproximadamente 90%, indicando um forte componente genético. Isso é corroborado por estudos com gêmeos que mostram uma hereditariedade muito alta para sintomas extremos de autismo, com estimativas em torno de 96% na infância e 87% na idade adulta [1].

Pesquisas sugerem que o autismo é influenciado por muitos genes, sem um único gene responsável. Estudos implicaram mais de 15 genes, com achados consistentes nos cromossomos 7q, 2q e 15q [2].

Embora a genética desempenhe um papel crucial, fatores ambientais também contribuem para o risco de autismo. Fatores como a exposição à poluição do ar e pesticidas têm sido associados ao aumento do risco de autismo, particularmente quando combinados com variações genéticas, como variações no número de cópias (VNCs) [3].

Além disso, há crescente evidência de que exposições ambientais durante o período pré-natal podem afetar criticamente o desenvolvimento do cérebro e aumentar o risco de transtorno do espectro autista (TEA). Fatores como infecções maternas, complicações obstétricas, diabetes gestacional, uso de medicamentos específicos (como ácido valproico) e deficiência de vitamina D foram identificados como potenciais riscos ambientais durante a gestação [5]. Esses fatores podem influenciar processos como inflamação fetal, estresse oxidativo e alterações epigenéticas, afetando a expressão gênica e a conectividade neural.

Fatores ambientais, incluindo perturbações no sistema imunológico e na homeostase do zinco, podem afetar a transmissão sináptica e acredita-se que interajam com predisposições genéticas [4].

Estudos indicam que a interação entre fatores genéticos (como as CNVs) e exposições ambientais pode elevar significativamente o risco de autismo. Por exemplo, um estudo descobriu que uma combinação de aumento da carga de CNVs e exposição ao ozônio estava associada a um risco muito maior de autismo do que qualquer um dos fatores isoladamente [3].

Em resumo, o autismo é um transtorno multifatorial em que tanto fatores genéticos hereditários quanto influências ambientais, especialmente durante o período pré-natal, desempenham papéis críticos em seu desenvolvimento. Compreender essas interações é essencial para futuras pesquisas e potenciais intervenções.

Referências:

  1. MI Martini et al. Age effects on autism heritability and etiological stability of autistic traits. Journal of child psychology and psychiatry, and allied disciplines (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38239074/

  2. SL Santangelo et al. What is known about autism: genes, brain, and behavior. American journal of pharmacogenomics (2005). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15813671/

  3. D Kim et al. The joint effect of air pollution exposure and copy number variation on risk for autism. Autism research (2017). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28448694/

  4. AM Grabrucker et al. Environmental factors in autism. Frontiers in psychiatry (2013). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/23346059/

  5. AH Lyall et al. Prenatal environmental risk factors for autism spectrum disorder and their potential mechanisms. Neurotoxicology (2017). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27865776/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Pesticidas e autismo: causa ou coincidência?

A relação entre a exposição a pesticidas e os transtornos do espectro autista (TEA) tem sido objeto de diversos estudos, indicando potenciais associações.

Um estudo de caso-controle de base populacional na Califórnia constatou que a exposição pré-natal a pesticidas específicos (por exemplo, glifosato, clorpirifós, diazinona) estava associada a um risco aumentado de TEA. As razões de chances indicaram um aumento significativo do risco, particularmente para casos com deficiência intelectual comórbida [1].

Uma revisão sistemática de 29 estudos indicou que 12 estudos relataram associações significativas entre a exposição a pesticidas e as características do TEA. No entanto, a heterogeneidade dos estudos impede conclusões definitivas [2].

Outra revisão destacou que a exposição a baixos níveis de pesticidas durante períodos críticos do desenvolvimento cerebral pode contribuir para distúrbios do neurodesenvolvimento, incluindo TDAH e TEA. Isso sugere que mesmo níveis não tóxicos de pesticidas podem ter efeitos prejudiciais [3].

Estudo caso-controle mais recente investigou se a exposição ambiental a pesticidas — associada a intensiva prática agrícola — esteve relacionada ao maior risco de perturbações do espetro do autismo (ASD) na Espanha, entre 2000 e 2021 [4].

A mostra incluiu 52 393 residentes das áreas estudadas. Desses, 2 821 apresentavam diagnóstico de ASD. Dividiram-se áreas em segmentos de alta vs. baixa exposição a pesticidas, com 1 536 e 1 285 casos de ASD, respectivamente.

Prevalência geral de ASD (por 100 habitantes):

  • Alta exposição: 1,03

  • Baixa exposição: 0,76

  • Odds ratio (OR): 1,34 (intervalo de confiança 1,24‑1,44), p < 0,001

Interpretação estatística

  • Crianças residentes em zonas com maior aplicação agrícola de pesticidas apresentam risco ≈ 50% mais elevado de ASD.

  • O risco foi particularmente acentuado em rapazes.

  • Embora associativo, o modelo ajustado reforça uma ligação independente entre exposição e diagnóstico de ASD.

Pesquisas têm explorado mecanismos biológicos, como neuroexcitabilidade e estresse oxidativo, que podem vincular a exposição a pesticidas à fisiopatologia do autismo. Esses mecanismos fornecem uma explicação plausível de como os pesticidas podem influenciar o neurodesenvolvimento [5]. Outros mecanismos incluem a inibição da acetilcolinesterase, modificação de canais de sódio ou do sistema GABA e interferência endócrina que pode afetar o desenvolvimento cerebral.

Em resumo, embora existam evidências sugerindo uma relação entre a exposição a pesticidas e os transtornos do espectro autista, particularmente durante os estágios pré-natais e iniciais da vida, a necessidade de pesquisas mais direcionadas continua sendo crucial para estabelecer a causalidade e compreender os mecanismos subjacentes. Mas, de forma, geral, não parece uma coincidência a ligação entre o aumento do uso de pesticidas e o aumento na prevalência de TEA ao redor do mundo.

Referências

1) OS von Ehrenstein et al. Prenatal and infant exposure to ambient pesticides and autism spectrum disorder in children: population based case-control study. BMJ (Clinical research ed.) (2019). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30894343/

2) L Tessari et al. Association Between Exposure to Pesticides and ADHD or Autism Spectrum Disorder: A Systematic Review of the Literature. Journal of attention disorders (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32697136/

3) JR Roberts et al. Children's low-level pesticide exposure and associations with autism and ADHD: a review. Pediatric research (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30337670/

4) AB Román et al. Exposure to Environmental Pesticides and the Risk of Autism Spectrum Disorders: A Population-Based Case-Control Study. Medicina (Kaunas) (2024). doi: 10.3390/medicina60030479

5) JF Shelton et al. Tipping the balance of autism risk: potential mechanisms linking pesticides and autism. Environmental health perspectives (2012). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22534084/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Biomarcadores no autismo

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição complexa do neurodesenvolvimento, caracterizada por uma gama de sintomas e comportamentos. Pesquisas recentes identificaram diversos biomarcadores que podem auxiliar no diagnóstico, compreensão e tratamento do TEA.

Biomarcadores são medidas objetivas de processos biológicos ou fisiopatológicos, ou respostas farmacológicas a intervenções terapêuticas. Apllicações comuns de biomarcadores incluem biomarcadores que (I) podem ajudar a diagnosticar um transtorno identificando indivíduos com um processo biológico anormal, (II) podem classificar a gravidade do transtorno, (III) podem indicar prognóstico ou (IV) podem prever ou monitorar a resposta à terapia. Biomarcadores têm o potencial de serem utilizados em vários aspectos do tratamento clínico para pacientes com TEA.

Abaixo estão as principais descobertas dos estudos mais recentes sobre biomarcadores associados ao TEA.

1. Biomarcadores Fisiológicos

- Anormalidades Neuroimunes e Metabólicas: Uma revisão sistemática identificou biomarcadores fisiológicos que indicam disfunções neuroimunes e metabólicas, o que pode auxiliar no diagnóstico precoce e na estratificação do tratamento [1].

- Eletroencefalografia (EEG): O sinal N170 no EEG demonstrou ser promissor como um biomarcador potencial para identificar subgrupos dentro do TEA e pode indicar a resposta ao tratamento [2].

2. Biomarcadores Genéticos

- Genes Diferencialmente Expressos (GDEs): Um estudo que analisou dados de expressão gênica identificou 3.339 GDEs associados ao TEA, incluindo genes significativos como HOXB3, NR2F2 e MAPK8IP3. Esses genes podem servir como potenciais biomarcadores para investigações futuras [3].

- Polimorfismos de Nucleotídeo Único (SNPs): O mesmo estudo detectou 1.286 SNPs associados ao TEA, com 14 SNPs de alto risco identificados nos cromossomos 10 e X, sugerindo predisposições genéticas para o transtorno [3].

3. Oligoelementos e Microbiota

- Oligoelementos: Uma meta-análise revelou que crianças com TEA apresentam níveis significativamente mais baixos de ocitocina (diferença média: -45,691), ferro (diferença média: -3,203) e zinco (diferença média: -6,707) em comparação com controles saudáveis. Além disso, elas apresentaram níveis mais elevados de proteína C-reativa (PCR) e ácido gama-aminobutírico (GABA) [4].

- Microbiota Intestinal: A análise também sugeriu diferenças na composição da microbiota intestinal, que podem desempenhar um papel na fisiopatologia do TEA [4].

4. Biomarcadores Comportamentais

- Desenvolvimento da Atenção Visual: Biomarcadores comportamentais sutis, como o desenvolvimento atípico da atenção visual, foram identificados como potenciais indicadores de TEA [1].

5. Tendências Emergentes na Pesquisa de Biomarcadores

- Metabolômica e Estudos Cerebrais: Espera-se que pesquisas futuras se concentrem em metabolômica e estudos cerebrais, com o objetivo de refinar a especificidade dos biomarcadores de TEA e melhorar a precisão diagnóstica [5].

A identificação de biomarcadores em TEA é um campo em rápida evolução. As principais descobertas indicam que biomarcadores fisiológicos, genéticos e comportamentais podem fornecer insights sobre a etiologia do transtorno e facilitar o diagnóstico precoce e o tratamento direcionado. Biomarcadores significativos incluem indicadores neuroimunes e metabólicos, expressões genéticas específicas, oligoelementos e padrões comportamentais. Pesquisas contínuas são essenciais para validar esses biomarcadores e aprimorar nossa compreensão do TEA [1] [3] [4] [5].

Referências

1) RE Frye et al. Emerging biomarkers in autism spectrum disorder: a systematic review. Annals of translational medicine (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32042808/

2) J Shan et al. A scoping review of physiological biomarkers in autism. Frontiers in neuroscience (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37746140/

3) LD Nahas et al. Genomic insights and advanced machine learning: characterizing autism spectrum disorder biomarkers and genetic interactions. Metabolic brain disease (2023). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38153584/

4) P Lin et al. A comparison between children and adolescents with autism spectrum disorders and healthy controls in biomedical factors, trace elements, and microbiota biomarkers: a meta-analysis. Frontiers in psychiatry (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38283894/

5) F Jin et al. Mapping the structure of biomarkers in autism spectrum disorder: a review of the most influential studies. Frontiers in neuroscience (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39734494/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/