Pesticidas e autismo: causa ou coincidência?

A relação entre a exposição a pesticidas e os transtornos do espectro autista (TEA) tem sido objeto de diversos estudos, indicando potenciais associações.

Um estudo de caso-controle de base populacional na Califórnia constatou que a exposição pré-natal a pesticidas específicos (por exemplo, glifosato, clorpirifós, diazinona) estava associada a um risco aumentado de TEA. As razões de chances indicaram um aumento significativo do risco, particularmente para casos com deficiência intelectual comórbida [1].

Uma revisão sistemática de 29 estudos indicou que 12 estudos relataram associações significativas entre a exposição a pesticidas e as características do TEA. No entanto, a heterogeneidade dos estudos impede conclusões definitivas [2].

Outra revisão destacou que a exposição a baixos níveis de pesticidas durante períodos críticos do desenvolvimento cerebral pode contribuir para distúrbios do neurodesenvolvimento, incluindo TDAH e TEA. Isso sugere que mesmo níveis não tóxicos de pesticidas podem ter efeitos prejudiciais [3].

Estudo caso-controle mais recente investigou se a exposição ambiental a pesticidas — associada a intensiva prática agrícola — esteve relacionada ao maior risco de perturbações do espetro do autismo (ASD) na Espanha, entre 2000 e 2021 [4].

A mostra incluiu 52 393 residentes das áreas estudadas. Desses, 2 821 apresentavam diagnóstico de ASD. Dividiram-se áreas em segmentos de alta vs. baixa exposição a pesticidas, com 1 536 e 1 285 casos de ASD, respectivamente.

Prevalência geral de ASD (por 100 habitantes):

  • Alta exposição: 1,03

  • Baixa exposição: 0,76

  • Odds ratio (OR): 1,34 (intervalo de confiança 1,24‑1,44), p < 0,001

Interpretação estatística

  • Crianças residentes em zonas com maior aplicação agrícola de pesticidas apresentam risco ≈ 50% mais elevado de ASD.

  • O risco foi particularmente acentuado em rapazes.

  • Embora associativo, o modelo ajustado reforça uma ligação independente entre exposição e diagnóstico de ASD.

Pesquisas têm explorado mecanismos biológicos, como neuroexcitabilidade e estresse oxidativo, que podem vincular a exposição a pesticidas à fisiopatologia do autismo. Esses mecanismos fornecem uma explicação plausível de como os pesticidas podem influenciar o neurodesenvolvimento [5]. Outros mecanismos incluem a inibição da acetilcolinesterase, modificação de canais de sódio ou do sistema GABA e interferência endócrina que pode afetar o desenvolvimento cerebral.

Em resumo, embora existam evidências sugerindo uma relação entre a exposição a pesticidas e os transtornos do espectro autista, particularmente durante os estágios pré-natais e iniciais da vida, a necessidade de pesquisas mais direcionadas continua sendo crucial para estabelecer a causalidade e compreender os mecanismos subjacentes. Mas, de forma, geral, não parece uma coincidência a ligação entre o aumento do uso de pesticidas e o aumento na prevalência de TEA ao redor do mundo.

Referências

1) OS von Ehrenstein et al. Prenatal and infant exposure to ambient pesticides and autism spectrum disorder in children: population based case-control study. BMJ (Clinical research ed.) (2019). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30894343/

2) L Tessari et al. Association Between Exposure to Pesticides and ADHD or Autism Spectrum Disorder: A Systematic Review of the Literature. Journal of attention disorders (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32697136/

3) JR Roberts et al. Children's low-level pesticide exposure and associations with autism and ADHD: a review. Pediatric research (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30337670/

4) AB Román et al. Exposure to Environmental Pesticides and the Risk of Autism Spectrum Disorders: A Population-Based Case-Control Study. Medicina (Kaunas) (2024). doi: 10.3390/medicina60030479

5) JF Shelton et al. Tipping the balance of autism risk: potential mechanisms linking pesticides and autism. Environmental health perspectives (2012). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22534084/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/