Obesidade e câncer

Você sabia que a obesidade vai muito além de uma questão estética ou de sobrepeso? Nos últimos anos, cientistas têm encontrado evidências cada vez mais fortes de que o excesso de gordura corporal está diretamente ligado ao aumento do risco de desenvolver vários tipos de câncer. Mas como exatamente isso acontece no nosso corpo?

A gordura é mais ativa do que você imagina

Primeiro, é importante entender que o tecido adiposo (ou seja, a gordura corporal) não é apenas um "estoque de energia". Ele funciona como um órgão ativo, liberando hormônios e substâncias chamadas adipocinas, como a leptina, que influenciam diretamente o crescimento celular e a formação de novos vasos sanguíneos – dois ingredientes-chave para o desenvolvimento de tumores.

Além disso, quem está acima do peso geralmente apresenta níveis elevados de insulina e glicose no sangue. A insulina e o IGF-1, outro hormônio relacionado, podem acelerar a divisão celular e impedir que células danificadas morram como deveriam. O resultado? Um ambiente fértil para o surgimento e crescimento de tumores.

Inflamação: o fogo que alimenta o câncer

Outro fator preocupante é a inflamação crônica de baixo grau, muito comum em pessoas com obesidade. O excesso de gordura, especialmente na região abdominal, promove a liberação constante de substâncias inflamatórias que, com o tempo, danificam o DNA e facilitam a multiplicação descontrolada de células – ou seja, o câncer. Esse ambiente inflamatório ainda pode tornar os tratamentos menos eficazes e aumentar o risco de recidiva (o câncer voltar).

Gordura e células cancerígenas: uma parceria perigosa

Existe uma interação direta entre os adipócitos (as células de gordura) e as células cancerígenas no chamado microambiente tumoral. Células tumorais conseguem alterar os adipócitos, fazendo com que eles deixem de armazenar gordura e passem a liberar substâncias inflamatórias e ácidos graxos livres, que alimentam o crescimento do tumor e facilitam sua propagação pelo corpo.

Disfunção do tecido adiposo: quando a gordura “sai do controle”

A obesidade transforma o tecido adiposo em algo disfuncional. Ele passa a produzir um coquetel perigoso de citocinas inflamatórias, hormônios sexuais e metabólitos lipídicos que favorecem o início, a progressão e até a recorrência de tumores.

Além disso, esse tecido alterado pode influenciar outros componentes importantes do câncer, como a matriz extracelular (MEC), células-tronco tumorais e até adipócitos associados ao câncer, todos com papéis na evolução da doença.

E os hormônios sexuais?

Sim, eles também entram nessa equação. A gordura abdominal tem a capacidade de converter outras substâncias em estrogênio. E níveis elevados desse hormônio aumentam o risco de cânceres hormônio-dependentes, como o de mama e o de endométrio.

Cânceres mais associados à obesidade

Entre os tumores mais ligados ao excesso de peso estão os de mama, rim, esôfago, trato gastrointestinal e órgãos reprodutivos. Esse tipo de câncer está sendo cada vez mais estudado, justamente por apresentar características metabólicas e hormonais distintas de tumores em pessoas com peso saudável.

Apesar de ainda haver muitas perguntas sem resposta sobre os mecanismos exatos dessa relação, uma coisa já está clara: precisamos de tratamentos mais personalizados para pacientes com obesidade que desenvolvem câncer.

O que podemos fazer?

A boa notícia é que manter um peso saudável e adotar hábitos de vida equilibrados — como alimentação adequada, atividade física regular e controle do estresse — pode reduzir significativamente o risco de desenvolver câncer.

A obesidade não precisa ser um destino. Entender como ela afeta nosso corpo é o primeiro passo para fazer escolhas melhores e cuidar da saúde de forma preventiva.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O estigma da obesidade prejudica a busca por ajuda

Publicado na Diabetology & Metabolic Syndrome (2025), o estudo “Exploring the perceptions of obesity, health habits, stigma, and eating behaviors in Brazil” avaliou mais de 2.500 brasileiros - entre pessoas com obesidade, profissionais de saúde e o público em geral - e revelou falhas importantes na percepção, diagnóstico e cuidado com essa doença crônica.

Apesar de 76% das pessoas entrevistadas reconhecerem a obesidade como uma doença, a maior parte ainda acredita que a perda de peso depende exclusivamente de esforço individual. Essa visão é refletida em números preocupantes:

  • 65% das pessoas com obesidade acreditam que dieta e exercício físico bastam para tratar a condição;

  • 60% relataram ter usado medicamentos para emagrecer sem supervisão médica;

  • Apenas 5% sabiam que uma redução de 5 a 10% no peso corporal já oferece benefícios clínicos relevantes, como melhora da pressão arterial, da glicemia e do perfil lipídico.

A obesidade é muita doença crônica relacionada a questões emocionais, metabólicas, sociais. O tratamento multidisciplinar é fundamental e pode exigir tratamento endocrinológico, psicológico, psiquiátrico e até cirúrgico. É importante enxergar as diferentes estratégias no contexto amplo do cuidado à obesidade, sem reduzi-la a uma questão de comportamento ou força de vontade. Trata-se de uma doença crônica e complexa, influenciada por fatores genéticos, ambientais e metabólicos. A decisão em relação a cada possível estratégia deve considerar as particularidades de cada pessoa, respeitando sua autonomia e combatendo o estigma ainda presente.

A pesquisa mostrou que 61% das pessoas com obesidade nunca receberam diagnóstico formal, o que revela não apenas uma falha no acolhimento clínico, mas também os efeitos do estigma sobre a busca por ajuda profissional. Muitos evitam procurar atendimento por medo de julgamento, experiências prévias negativas ou por não se verem como “doentes”.

Do ponto de vista dos profissionais de saúde, o estudo também identificou lacunas. Embora 93% concordem que a obesidade é uma doença, cerca de metade admite não se sentir preparada para orientar pacientes com segurança e consistência - o que reforça a necessidade de formação específica e contínua sobre o tema.

Esse panorama reforça um ponto importante: enquanto a obesidade continuar sendo tratada apenas como uma questão de força de vontade ou estilo de vida, milhares de pessoas permanecerão sem diagnóstico, sem acompanhamento adequado e vulneráveis a abordagens ineficazes ou até prejudiciais.

O estigma relacionado à obesidade não é apenas uma questão social ou cultural - ele tem consequências reais e graves para a saúde física e mental das pessoas que vivem com essa doença crônica.

Estudos mostram que o preconceito e a discriminação com base no peso estão associados a pior qualidade de vida, aumento do risco de depressão e ansiedade, menor adesão ao tratamento e até redução da expectativa de vida.

O que é estigma de peso?

Estigma de peso é o preconceito, julgamento ou discriminação que uma pessoa sofre por causa do seu peso corporal. Esse preconceito pode vir de colegas, familiares, profissionais de saúde e até da própria pessoa - quando ela internaliza as mensagens negativas que recebe ao longo da vida.

Impactos do estigma na saúde:

  • Atraso no diagnóstico: muitas pessoas evitam procurar atendimento médico por medo de serem julgadas.

  • Tratamento inadequado: Profissionais de saúde, muitas vezes sem perceber, podem oferecer cuidados menos completos, focando apenas no peso e ignorando outros aspectos da saúde.

  • Aumento do risco de distúrbios alimentares: O estigma pode levar a comportamentos compensatórios prejudiciais, como restrição severa, compulsão alimentar e uso inadequado de medicamentos para emagrecimento.

  • Piora na saúde mental: Estudos indicam que o estigma está associado a maiores taxas de depressão, ansiedade e baixa autoestima.

Combater o estigma é essencial para o tratamento da obesidade?

A obesidade é uma doença multifatorial e recidivante, que não se resume a peso ou aparência. Tratar essa condição de forma ética e humanizada aumenta as chances de adesão ao tratamento, melhora os resultados clínicos e reduz o sofrimento psicológico.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Novas diretrizes para a cirurgia bariátrica: o que mudou?

O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, em maio de 2025, a Resolução nº 2.429/25 com atualizações importantes sobre a cirurgia bariátrica e metabólica no Brasil. As mudanças ampliam o acesso ao procedimento e refletem os avanços científicos na compreensão da obesidade como uma doença crônica, complexa e multifatorial.

O que mudou?

  • Pacientes com IMC entre 30 e 35 kg/m² agora podem ser considerados para a cirurgia, desde que apresentem comorbidades graves associadas, como diabetes tipo 2, apneia obstrutiva do sono ou doenças cardiovasculares.

Especialistas publicaram em 2025 um relatório na The Lancet Diabetes & Endocrinology, propondo mudanças no diagnóstico da obesidade que vá além do Índice de Massa Corporal (IMC). Isto porque o IMC apresenta limitações, não diferenciando entre massa muscular e gordura, nem considera a distribuição da gordura corporal. Isso pode levar a diagnósticos imprecisos, que nem sempre refletem a real condição de saúde.

Para superar essas limitações, os especialistas sugerem que o IMC seja complementado por medidas como a circunferência da cintura em relação à altura ou a relação cintura-quadril, além da avaliação de sinais clínicos de problemas relacionados ao excesso de gordura corporal. Eles também propõem duas novas categorias diagnósticas:

  1. Obesidade clínica: excesso de gordura associado a sinais ou sintomas claros de disfunções nos órgãos ou limitações importantes nas atividades diárias, como dificuldades respiratórias ou problemas articulares. Nesses casos, são indicados tratamentos médicos específicos, incluindo medicamentos ou intervenções cirúrgicas.

  2. Obesidade pré-clínica: excesso de gordura sem sintomas evidentes de doenças atuais, mas com maior risco de desenvolver condições como diabetes tipo 2 ou doenças cardiovasculares. Para esses indivíduos, recomenda-se monitoramento regular e orientações para um estilo de vida saudável.

  • A idade mínima foi reduzida para 16 anos. Jovens a partir dessa idade podem ser submetidos ao procedimento, desde que atendam aos mesmos critérios clínicos dos adultos.

  • Adolescentes com 14 ou 15 anos também podem ser considerados, em situações excepcionais: quando apresentam obesidade grave (IMC ≥ 40 kg/m²), comorbidades importantes e quando houver avaliação e indicação favorável de uma equipe multidisciplinar, com consentimento informado dos responsáveis legais.

  • Técnicas como a banda gástrica ajustável e a cirurgia de Scopinaro foram desaconselhadas. Permanecem recomendadas o bypass gástrico em Y de Roux e a gastrectomia vertical (sleeve gástrico), por apresentarem maior evidência de eficácia e segurança.

  • A cirurgia deve ocorrer em hospitais com estrutura de alta complexidade, UTI disponível e equipe multiprofissional 24 horas.

  • O médico nutrólogo foi oficialmente incluído na equipe multidisciplinar mínima, ao lado do cirurgião, endocrinologista (ou clínico geral), cardiologista, psiquiatra, nutricionista e psicólogo.

Lembrando que cirurgia bariátrica não é milagre. Obesidade é uma doença crônica e o paciente precisará de acompanhamento por toda a vida.

  • Cerca de 20% a 30% dos pacientes apresentam reganho significativo de peso dentro de 2 a 5 anos após a cirurgia.

  • Após 10 anos, esse número pode subir para mais de 50%, dependendo do seguimento clínico e da adesão ao plano alimentar e atividades físicas.

Um estudo brasileiro (Eight Year Follow-Up After Gastric Bypass and Sleeve Gastrectomy in a Brazilian Cohort: Weight Trajectory and Health Outcomes) acompanhou pacientes por oito anos e mostrou que o bypass foi superior em vários aspectos. A perda total de peso foi maior (32% contra 19%) e o recidiva de peso foi menor (23% contra 39%). Além disso, o bypass apresentou melhores taxas de remissão de comorbidades após cinco anos: 63% para diabetes tipo 2, 42% para hipertensão e 51% para dislipidemia.

Perder peso é um desafio, mesmo com a cirurgia, mas mantê-lo a longo prazo pode ser ainda mais difícil. O corpo humano possui mecanismos biológicos que buscam recuperar o peso perdido, um fenômeno conhecido como adaptação metabólica. Quando a ingestão calórica é reduzida, o metabolismo desacelera para preservar energia, e hormônios como a grelina (que aumenta a fome) e a leptina (que regula a saciedade) sofrem alterações, favorecendo o ganho de peso novamente.

Fatores psicológicos e comportamentais também desempenham um papel importante, como a privação excessiva de certos alimentos e a dificuldade em manter hábitos saudáveis a longo prazo. Para evitar a recidiva de peso, é essencial adotar uma abordagem sustentável e equilibrada. Estratégias como a reeducação alimentar, o ajuste progressivo da ingestão calórica e o fortalecimento da saúde metabólica fazem a diferença nesse processo.

O acompanhamento profissional ajuda a identificar desafios individuais e criar um plano realista e eficiente. Emagrecer não deve ser um esforço passageiro, mas sim uma transformação que respeite o corpo e a mente. O sucesso da cirurgia também depende do comportamento do paciente e do acompanhamento multidisciplinar contínuo. A ausência de suporte psicológico e nutricional pode comprometer os resultados, levando a recidiva de peso e ao retorno das comorbidades.

Causas comuns do reganho de peso

  1. Falta de acompanhamento multidisciplinar (nutricional, psicológico, clínico)

  2. Maus hábitos alimentares retornando (como ingestão de alimentos altamente calóricos)

  3. Sedentarismo

  4. Distensão do reservatório gástrico ou alterações anatômicas

  5. Transtornos alimentares ou compulsão alimentar

🛡️ Prevenção e manejo:

  • Acompanhamento contínuo com equipe multiprofissional

  • Reeducação alimentar e manutenção da atividade física regular

  • Suporte psicológico e, se necessário, psiquiátrico

  • Intervenções adicionais (terapia comportamental, uso de medicamentos ou reintervenção cirúrgica)

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/