Um Novo Olhar Sobre a Obesidade: Redefinição Baseada em Evidências

A redefinição de obesidade baseada em evidências distingue a doença em dois níveis: "obesidade clínica", uma condição crônica e sistêmica diretamente causada pelo excesso de adiposidade, e "obesidade pré-clínica", caracterizada pelo excesso de adiposidade sem disfunções orgânicas atuais ou limitações nas atividades diárias, mas com aumento do risco de saúde futuro (Rubino et al., 2025).

A obesidade clínica é definida como uma doença crônica associada à disfunção orgânica contínua causada apenas pela obesidade, disse a comissão. A obesidade pré-clínica está associada a vários graus de risco à saúde, mas não a doenças contínuas.

Embora o índice de massa corporal (IMC) continue sendo uma ferramenta prática e amplamente utilizada para avaliação da adiposidade, suas limitações são evidentes. O IMC pode sinalizar pessoas que devem ser observadas, não tratadas, no que ele chama de obesidade pré-clínica quando estão em risco, assim como pré-diabetes ou pré-hipertensão. Há também pessoas que não atendem ao limite de 30kg/m2 IMC para obesidade, mas que ainda assim estão em risco de condições cardiovasculares sérias porque seus corpos carregam excesso de gordura abaixo do radar do IMC. A varredura DEXA mais sofisticada da gordura corporal é mais precisa e considerada padrão ouro, mas não está amplamente disponível.

Por isso, a Comissão propõe o uso de medidas adicionais, como circunferência da cintura, relação cintura-quadril e relação cintura-altura, para fornecer uma avaliação mais precisa da obesidade. Essas métricas alternativas devem ser simples e acessíveis, permitindo sua aplicação em diferentes contextos e regiões.

Circunferência da cintura

  1. Utilize uma fita métrica flexível e inextensível.

  2. Localize o ponto mais estreito da cintura, geralmente entre a base das costelas e o topo do osso do quadril (crista ilíaca).

    • Caso a cintura não seja claramente definida, meça na altura do umbigo.

  3. Fique em pé, relaxe o abdômen e respire normalmente. Meça ao final de uma expiração.

  4. Certifique-se de que a fita esteja paralela ao chão e ajustada ao corpo sem comprimir a pele.

Valores de referência (OMS):

  • Risco aumentado:

    • Homens: > 94 cm.

    • Mulheres: > 80 cm.

  • Risco muito aumentado:

    • Homens: > 102 cm.

    • Mulheres: > 88 cm.

A circunferência da cintura é um indicador de gordura visceral (em torno dos órgãos), associada a maiores riscos de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica.

Relação cintura-quadril (RCQ)

  1. Meça a cintura: Siga os passos descritos acima.

  2. Meça o quadril:

    • Coloque a fita métrica no ponto mais largo dos quadris e nádegas.

    • Certifique-se de que a fita esteja nivelada ao redor do corpo.

  3. Calcule a relação cintura-quadril:
    Divida o valor da circunferência da cintura pelo valor da circunferência do quadril:

Valores de referência (OMS):

  • Baixo risco:

    • Homens: < 0,9.

    • Mulheres: < 0,8.

  • Risco moderado:

    • Homens: 0,9–0,99.

    • Mulheres: 0,8–0,89.

  • Alto risco:

    • Homens: ≥ 1,0.

    • Mulheres: ≥ 0,9.

O RCQ avalia a distribuição de gordura corporal. Um valor elevado indica maior proporção de gordura abdominal, que está mais associada a riscos metabólicos do que a gordura periférica (nas pernas e quadris).

Relação cintura-altura (RCA)

  1. Meça a cintura: Siga os passos descritos para a circunferência da cintura.

  2. Meça a altura: Use um estadiômetro ou fita métrica fixada na parede para obter a altura em centímetros.

  3. Calcule a relação cintura-altura:
    Divida a circunferência da cintura pela altura (ambos em centímetros):

Valores de referência:

  • Ideal (baixo risco): RCA < 0,5.

  • Risco moderado: RCA entre 0,5 e 0,6.

  • Risco elevado: RCA > 0,6.

A RCA é uma medida prática que considera a proporção entre a gordura abdominal e a altura da pessoa, sendo útil para avaliar o risco metabólico de forma personalizada.

Pessoas com excesso de gordura corporal podem não ter evidências de doenças no que é chamado de estágio pré-clínico, mas são consideradas de risco elevado para problemas cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer, bem como obesidade clínica. Em crianças, o histórico familiar de diabetes tipo 2 ou hipertensão é especialmente importante na avaliação da necessidade de tratamento no estágio pré-clínico.

As descobertas da comissão, aprovadas por 76 organizações médicas ao redor do mundo e publicadas no The Lancet Diabetes & Endocrinology, não dependeram de financiamento da indústria, mas foram apoiadas pela King's Health Partners.

Para pessoas classificadas com obesidade pré-clínica, a mitigação de riscos será a prioridade. Aqueles com menor risco poderão ser manejados com mudanças no estilo de vida. Contudo, é essencial identificar os indivíduos com risco elevado que podem necessitar de intervenções médicas.

Impactos no Estudo Epidemiológico da Obesidade

Essa nova definição altera nossa compreensão da epidemiologia da obesidade. Os dados atuais, baseados exclusivamente no IMC, precisam ser atualizados para refletir a obesidade como um espectro de condições médicas. Auditorias preliminares indicam que muitas pessoas com obesidade não atendem aos critérios de obesidade clínica. No entanto, essas análises enfrentam limitações devido ao uso de dados históricos e incompletos.

Além disso, há uma oportunidade de estratificar a obesidade clínica em subtipos distintos, com base em suas apresentações clínicas ou fisiopatológicas. Essa abordagem pode contribuir para um manejo mais eficaz e uma melhor compreensão da condição.

Obesidade sarcopênica

Uma das possíveis estratificações possíveis futuramente é a obesidade sarcopênica, caracterizada pela perda de massa e função muscular. Entre os fatores de risco para a sarcopenia na obesidade estão o estilo de vida sedentário, distúrbios do tecido adiposo, comorbidades (doenças agudas e crônicas) e o próprio envelhecimento (Donini et al., 2022).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/