Até 2050 1/3 das crianças e 60% dos adultos terão sobrepeso ou obesidade

O estudo "Global, regional, and national prevalence of adult overweight and obesity, 1990–2021, with forecasts to 2050", publicado na revista The Lancet em março de 2025, oferece uma análise abrangente sobre a evolução da prevalência de excesso de peso e obesidade em adultos ao longo de três décadas, com projeções até 2050.

Utilizando dados de 1.350 fontes distintas, incluindo inquéritos populacionais e literatura científica, os investigadores aplicaram modelos de regressão espaciotemporal para estimar a prevalência de excesso de peso e obesidade em adultos com 25 anos ou mais, abrangendo 204 países e territórios. As previsões até 2050 baseiam-se na continuação das tendências históricas, considerando fatores como o Índice Sociodemográfico.

Principais Resultados

  • Crescimento Global: Entre 1990 e 2021, a prevalência global de obesidade aumentou 155,1% nos homens e 104,9% nas mulheres.

  • Dados de 2021: Estima-se que 1,00 bilhão de homens e 1,11 bilhão de mulheres adultos viviam com excesso de peso ou obesidade.

  • Países com Maior Número de Casos:

    • China: 402 milhões

    • Índia: 180 milhões

    • EUA: 172 milhões

  • Projeções para 2050: Prevê-se que 3,8 bilhões de adultos (cerca de 60% da população adulta global) terão excesso de peso ou obesidade.

  • Regiões com Maior Prevalência: Em 2021, países da Oceania, Norte de África e Médio Oriente apresentaram prevalências superiores a 80% em adultos.

  • Aumento na África Subsaariana: Espera-se um aumento de 254,8% no número de adultos com excesso de peso ou obesidade até 2050, com a Nigéria projetada para atingir 141 milhões de casos. Em seguida virá a América Latina e o Caribe.

Implicações e Recomendações

O estudo destaca que nenhum país conseguiu até agora reverter a tendência crescente de excesso de peso e obesidade em adultos. Sem intervenções eficazes, esta tendência continuará, especialmente em regiões como Ásia, África, América Latina e Caribe, que enfrentarão um aumento substancial na carga de doenças relacionadas com a obesidade.

O aumento das taxas de obesidade deve-se a uma combinação de fatores sociais, econômicos e tecnológicos que transformaram nossos sistemas alimentares e padrões de consumo. O aumento da renda global resultou em maior gasto com alimentos, enquanto a mudança para alimentos processados e ultraprocessados contribuiu para um aumento na ingestão calórica e, consequentemente, no ganho de peso.

Lidar com a obesidade demanda uma abordagem abrangente. Estratégias de prevenção e manejo, como a promoção de dietas saudáveis nos sistemas de saúde, atividade física regular, acesso adequado aos cuidados de saúde, melhorias na rotulagem de alimentos, são essenciais. Além disso, é urgente investir em educação e conscientização, principalmente entre as gerações mais jovens e as comunidades mais vulneráveis.

Também é imperativo que os profissionais de saúde pública adotem medidas mais agressivas e direcionadas para enfrentar esta crise, reconhecendo a obesidade como um dos principais riscos evitáveis para a saúde atualmente e no futuro.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Sindemia Global: Como Obesidade, Desnutrição e Crise Climática Estão Interligadas

A PEC da Devastação, que refere-se ao Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, é um projeto que altera as regras de licenciamento ambiental no Brasil. Este PL é conhecido como "PL da Devastação". Visa flexibilizar a regulamentação ambiental e é visto como um retrocesso significativo na proteção do meio ambiente, com o potencial de causar danos irreversíveis aos ecossistemas, aos povos tradicionais e ao clima global.

Vivemos um momento histórico em que múltiplas crises de saúde pública e ambientais coexistem e se potencializam mutuamente. Entre elas, destaca-se uma complexa e silenciosa realidade: a sindemia global. Este termo, aparece pela primeira vez em 2019 na revista The Lancet e descreve a interação sinérgica entre três grandes desafios contemporâneos: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas (Norton, 2019).

Mais do que epidemias simultâneas, esses fenômenos estão interligados por mecanismos sociais, econômicos, ambientais e políticos que se reforçam mutuamente, afetando desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. Compreender a sindemia é essencial para formular soluções integradas e eficazes.

1. Entendendo o Conceito de Sindemia

O termo sindemia é uma junção de “sinergia” e “epidemia”. Ele representa a ideia de que certas condições de saúde, ao ocorrerem simultaneamente e dentro de contextos sociais adversos, interagem de forma a agravar os seus efeitos combinados.

A sindemia global se refere especificamente à coexistência de:

  • Obesidade: crescimento alarmante da prevalência de sobrepeso e obesidade em todas as faixas etárias, inclusive em países de baixa renda.

  • Desnutrição: persistência da insegurança alimentar, subnutrição infantil e carências de micronutrientes.

  • Alterações climáticas: impactos diretos e indiretos do aquecimento global sobre a produção de alimentos, a saúde humana e os padrões de consumo.

Essas três crises compartilham causas estruturais comuns, como sistemas alimentares insustentáveis, desigualdades socioeconômicas e políticas públicas inadequadas.

2. O Elo Invisível: Sistemas Alimentares Globais

No centro da sindemia global estão os sistemas alimentares industrializados, que priorizam a produção em larga escala, o lucro e a eficiência, muitas vezes em detrimento da saúde e da sustentabilidade ambiental. Atendendo a uma demanda da bancada ruralista, o texto da PEC da devastação dispensa o licenciamento ambiental para uma série de atividades agropecuárias, mediante ao preenchimento de um formulário autodeclaratório sem qualquer verificação sobre impactos ambientais.

Sistemas alimentares globais:

  • Promovem o consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, sal e gorduras, contribuindo para a obesidade.

  • Reduzem a diversidade alimentar, limitando o acesso a alimentos frescos e nutritivos, agravando a desnutrição.

  • Geram emissões massivas de gases de efeito estufa, desmatamento e perda de biodiversidade, intensificando as mudanças climáticas.

A produção de carne bovina, por exemplo, é uma das maiores fontes de emissão de metano, um potente gás de efeito estufa, e está associada ao desmatamento de florestas tropicais para criação de pasto ou plantio de soja destinada à ração animal.

Outra Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Devastação é conhecida como PEC das Praias ou PEC 03/2022, que visa transferir a propriedade de terrenos de marinha da União para estados e municípios. Esta medida beneficia principalmente grandes empreendimentos privados, permitindo a privatização de áreas costeiras e dificultando o acesso público a essas áreas.

3. Impactos Recíprocos e Círculo Vicioso

A relação entre os três componentes da sindemia não é linear, mas interativa:

  • As mudanças climáticas afetam a segurança alimentar, com secas, inundações e eventos climáticos extremos comprometendo colheitas e elevando os preços dos alimentos.

  • A desnutrição aumenta a vulnerabilidade aos impactos do clima, especialmente em crianças e populações pobres.

  • A obesidade e doenças crônicas relacionadas (como diabetes e hipertensão) agravam os efeitos da exposição a extremos climáticos, como ondas de calor.

  • Políticas de combate à fome que se concentram apenas no aumento calórico, sem considerar qualidade nutricional e sustentabilidade, podem gerar obesidade ao mesmo tempo em que mantêm a desnutrição oculta.

Trata-se de um círculo vicioso alimentado por escolhas políticas, econômicas e culturais que tratam os problemas de forma isolada, em vez de sistêmica.

4. Soluções Sistêmicas para uma Crise Sistêmica

Diante da natureza interligada da sindemia global, as soluções precisam ser multissetoriais, coordenadas e centradas na justiça social.

Políticas públicas integradas:

  • Reformar subsídios agrícolas para favorecer alimentos nutritivos e sustentáveis.

  • Fortalecer sistemas alimentares locais e agroecológicos.

  • Implementar regulamentações mais rígidas sobre a publicidade e venda de ultraprocessados, especialmente para crianças.

Educação e mudança cultural:

  • Incentivar dietas sustentáveis, como a dieta planetária, que alia saúde humana e do planeta.

  • Promover educação alimentar e nutricional em escolas e comunidades.

Justiça climática e alimentar:

  • Assegurar o direito à alimentação adequada como princípio constitucional e orientador das políticas públicas.

  • Vetar medidas governamentais que aceleram o licenciamento de terras públicas estratégicas, como áreas da Amazônia e nossas praias.

  • Apoiar e respeitar as populações tradicionais, indígenas e agricultoras familiares como guardiãs da biodiversidade e dos saberes sustentáveis.

5. Um Chamado à Ação Global

A sindemia global exige mais do que intervenções médicas ou nutricionais. Requer uma mudança profunda de paradigma que una saúde pública, justiça climática e soberania alimentar. Precisamos parar de tratar obesidade, desnutrição e aquecimento global como crises distintas e começar a encará-las como partes interdependentes de um mesmo sistema em colapso. O enfrentamento dessa sindemia é, em última análise, uma questão de ética, equidade e sobrevivência planetária.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Impacto da microbiota nas ondas de calor na menopausa

A microbiota intestinal tem um papel crescente e muito interessante nas alterações que ocorrem durante a menopausa, incluindo as ondas de calor (fogachos), que são um dos sintomas mais comuns e incômodos.

Relação entre microbiota intestinal e ondas de calor na menopausa

1. O que é microbiota intestinal?

A microbiota intestinal é o conjunto de trilhões de micro-organismos que vivem no intestino, incluindo bactérias, vírus, fungos e outros. Eles influenciam o sistema imunológico, metabolismo, produção de neurotransmissores e até a regulação hormonal.

2. Microbiota e metabolismo dos hormônios sexuais

A microbiota tem um papel importante no metabolismo dos esteroides sexuais, especialmente o estrogênio. Algumas bactérias possuem enzimas (como a β-glucuronidase) que ajudam a reciclar estrogênios no organismo, mantendo níveis hormonais mais estáveis. Com a menopausa e a queda natural do estrogênio, mudanças na microbiota podem agravar a baixa dos níveis desse hormônio.

Por outro lado, excesso de β-glucuronidase pode aumentar a reabsorção de toxinas e substâncias potencialmente nocivas, levando a:

  • Inflamação intestinal

  • Potencial maior risco de câncer, especialmente colorretal (porque algumas toxinas e carcinógenos são reativados)

  • Pode causar um desequilíbrio, favorecendo estados inflamatórios e problemas metabólicos.

Assim, o equilíbrio de variedade de bactérias intestinais é muito importante.

3. Inflamação e termorregulação

A disbiose (desequilíbrio da microbiota) pode aumentar a inflamação sistêmica. A inflamação crônica de baixo grau afeta o sistema nervoso central e as vias que regulam a temperatura corporal, podendo exacerbar as ondas de calor. Certos metabólitos produzidos pela microbiota influenciam a comunicação entre o intestino e o cérebro (axe intestino-cérebro), impactando o controle da temperatura.

4. Microbiota e produção de neurotransmissores

A microbiota produz neurotransmissores como serotonina e GABA, que afetam o humor e a regulação do calor corporal. Alterações nesses neurotransmissores podem piorar a sensação de calor e a irritabilidade comum nos fogachos.

5. Intervenções para melhorar a microbiota e aliviar ondas de calor

  • Probióticos e prebióticos: Podem ajudar a equilibrar a microbiota, reduzindo a inflamação e melhorando a metabolização hormonal.

  • Exercícios físicos: Melhoram a diversidade da microbiota e reduzem sintomas.

  • Evitar uso excessivo de antibióticos: Antibióticos pioram o equilíbrio microbiano.

  • Alimentação rica em fibras: Estimula o crescimento de bactérias benéficas.

Estudo de 2023 explorou a relação entre uma intervenção dietética e a melhora dos sintomas das ondas de calor (hot flashes) em mulheres pós-menopáusicas, investigando especialmente o papel potencial da microbiota intestinal nesse processo. As ondas de calor são um dos sintomas vasomotores mais comuns e desconfortáveis da pós-menopausa, frequentemente impactando negativamente a qualidade de vida dessas mulheres.

O estudo foi conduzido como uma análise exploratória, onde mulheres pós-menopáusicas com sintomas de ondas de calor foram submetidas a uma intervenção dietética por um período determinado. A dieta enfatizava alimentos com propriedades anti-inflamatórias e prebióticas, conhecidos por promoverem um microbioma intestinal saudável, como fibras, vegetais, frutas, e alimentos fermentados.

Os dados foram coletados antes e após a intervenção, incluindo:

  • Frequência e severidade dos sintomas de ondas de calor (através de diários e questionários específicos).

  • Amostras fecais para análise da microbiota intestinal, utilizando técnicas de sequenciamento genético para identificar alterações na diversidade e abundância bacteriana.

  • Parâmetros metabólicos e inflamatórios sistêmicos.

Características da dieta

  • Rica em fibras prebióticas: Incluiu alimentos como vegetais, frutas, legumes, grãos integrais e sementes, que fornecem fibras fermentáveis que alimentam as bactérias benéficas do intestino.

  • Alimentos fermentados: Como iogurte, kefir, chucrute, e kombucha, que contêm probióticos naturais, ajudando a aumentar a diversidade bacteriana.

  • Baixa em alimentos processados: Evitou ou reduziu alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares refinados, gorduras saturadas e aditivos, que podem prejudicar o equilíbrio do microbioma.

  • Enfoque em gorduras saudáveis: Incorporou fontes de gorduras insaturadas, como azeite de oliva, abacate e oleaginosas (castanhas e nozes), que possuem efeito anti-inflamatório.

  • Redução do consumo de carne vermelha e alimentos inflamatórios: A dieta restringiu carnes vermelhas e alimentos com potencial pró-inflamatório para favorecer um ambiente intestinal mais saudável.

  • Incluiu polifenóis: Presentes em frutas vermelhas, chá verde, cacau e outras plantas, que são compostos bioativos que beneficiam a microbiota e a saúde geral.

Padrão alimentar

Embora o estudo não tenha especificado um nome de dieta comercial (como mediterrânea ou DASH), a abordagem era similar a uma dieta baseada em plantas, anti-inflamatória e funcional para o microbioma, com ênfase na qualidade dos alimentos e diversidade alimentar.

Objetivo

O foco principal era criar um ambiente intestinal propício para o crescimento de bactérias benéficas produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), que têm efeitos anti-inflamatórios e podem ajudar a regular o sistema nervoso e hormonal, influenciando assim a frequência e intensidade das ondas de calor.

Resultados principais

  • Redução significativa nas ondas de calor: A maioria das participantes apresentou diminuição tanto na frequência quanto na severidade dos episódios.

  • Alterações na microbiota intestinal: Houve um aumento na diversidade microbiana e no percentual de bactérias associadas a um perfil anti-inflamatório, como bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs), especialmente do gênero Faecalibacterium.

  • Correlação entre microbiota e sintomas: As mudanças na composição da microbiota foram correlacionadas com a melhora dos sintomas, sugerindo que a modulação do microbioma poderia influenciar positivamente os mecanismos fisiológicos envolvidos nas ondas de calor.

  • Indicativos de menor inflamação sistêmica: Marcadores inflamatórios tiveram tendência à redução, o que também pode contribuir para o alívio dos sintomas.

Discussão

Os autores discutem que as ondas de calor podem ser influenciadas por processos inflamatórios e metabólicos ligados ao envelhecimento e alterações hormonais. A microbiota intestinal desempenha papel fundamental na regulação do sistema imunológico e na produção de metabólitos que afetam a homeostase hormonal e vascular.

Assim, uma dieta que promova a saúde do microbioma pode representar uma abordagem não farmacológica promissora para aliviar os sintomas da menopausa, com vantagens por evitar efeitos colaterais de medicamentos hormonais.

Limitações

  • O estudo é exploratório, com amostra relativamente pequena.

  • Falta de grupo controle robusto para comparar diretamente os efeitos da dieta.

  • A necessidade de estudos longitudinais e randomizados para confirmar causalidade.

Conclusão

Esta análise sugere que intervenções dietéticas voltadas para a modulação da microbiota intestinal podem reduzir os sintomas de ondas de calor em mulheres pós-menopáusicas. O microbioma intestinal emerge como um possível mediador e alvo terapêutico, abrindo caminho para estratégias integrativas no manejo dos sintomas da menopausa.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/