Consumo excessivo de carboidratos está associado a maior risco cardiovascular

O estudo PURE (Prospective Urban Rural Epidemiology) teve como principal objetivo investigar as associações entre o consumo de macronutrientes (gorduras totais, tipos de gorduras e carboidratos) com:

  • Mortalidade total,

  • Mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV),

  • Incidência de eventos cardiovasculares maiores.

População e Metodologia

  • Amostra: 135.335 indivíduos de 35 a 70 anos, sem doenças cardiovasculares no início do estudo.

  • Países: 18 países com variados níveis de renda, distribuídos entre 5 continentes.

  • Seguimento: média de 7,4 anos.

  • Coleta de dados: ingestão alimentar por meio de questionários de frequência alimentar (QFA) validados localmente.

Principais Achados

1. Gorduras totais e tipos de gordura:

  • Maior ingestão de gorduras totais esteve associada a:

    • Redução da mortalidade total (HR 0,77 para quintil mais alto vs. mais baixo).

    • Nenhuma associação significativa com doenças cardiovasculares totais.

  • Gordura saturada:

    • Associada a menor risco de AVC.

    • Não foi associada a aumento de risco de infarto do miocárdio ou mortalidade por DCV.

  • Gorduras monoinsaturadas e poli-insaturadas:

    • Também associadas a redução de mortalidade total.

    • As poli-insaturadas (particularmente ômega-6) mostraram associações neutras ou levemente protetoras.

2. Carboidratos:

  • Alto consumo de carboidratos totais (particularmente refinados, comuns em dietas de países de baixa renda) foi associado a:

    • Maior risco de mortalidade total (HR 1,28 para quintil mais alto vs. mais baixo).

    • Sem associação significativa com eventos cardiovasculares maiores.

Interpretação e Conclusões

Os resultados contrariam recomendações nutricionais tradicionais que promovem dietas com baixo teor de gordura e alto teor de carboidratos. Reduzir a ingestão total de gordura abaixo de 30% das calorias diárias pode não trazer benefícios e pode até ser prejudicial.

Dietas com menos carboidratos e mais gorduras, inclusive saturadas em níveis moderados, não aumentam o risco de DCV e podem reduzir a mortalidade.

Críticas e Limitações

  • Observacional: não estabelece causalidade, apenas associações.

  • Avaliação da dieta foi feita apenas no início, sem considerar mudanças ao longo do tempo.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O erro de Descartes, livro do Dr. António Damásio: implicações na nutrição

René Descartes — “Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum).

No livro O erro de Descartes (1994) o neurologista António Damásio argumenta que Descartes cometeu um erro ao considerar que a razão poderia funcionar de forma totalmente independente das emoções.

Damásio sustenta que:

  • A emoção e o sentimento desempenham um papel essencial na tomada de decisões racionais.

  • O cérebro humano não separa razão e emoção como compartimentos distintos; eles estão profundamente interligados.

  • Pessoas com lesões nas áreas cerebrais responsáveis pelas emoções podem manter a capacidade lógica, mas têm extrema dificuldade em tomar decisões práticas e sociais.

Exemplo prático do livro: Damásio estudou pacientes com danos no córtex pré-frontal ventromedial, que afetaram suas emoções. Esses pacientes conseguiam raciocinar logicamente, mas suas decisões diárias eram ineficazes, muitas vezes desastrosas — como se lhes faltasse o “sinal emocional” necessário para guiar escolhas apropriadas.

Damásio defende que o pensamento racional é corporificado — isto é, depende do corpo e dos estados emocionais. Emoções são indispensáveis ao pensamento racional. A inteligência artificial (IA), livre de emoções, tomará decisões tão humanas como as nossas? Piores? Melhores?

Implicações para a nutrição

Embora o pesquisador não trate diretamente deste tema no livro "O erro de Descartes" podemos pensar nas implicações para a nutrição. A conexão ocorre quando consideramos como corpo, cérebro, emoção e comportamento alimentar estão interligados. Aqui estão algumas implicações:

1. Alimentação não é apenas uma escolha racional

A visão cartesiana sugeriria que comer bem depende apenas de decisões conscientes e racionais. Mas Damásio nos lembra que emoções, estados corporais e memórias afetivas têm papel decisivo na escolha alimentar.

Exemplo:

  • Muitas pessoas sabem o que deveriam comer (razão), mas não conseguem evitar certos alimentos em momentos de estresse, ansiedade ou tristeza (emoção).

  • Isso mostra que a regulação emocional é fundamental para hábitos alimentares saudáveis.

2. Conexão entre intestino e cérebro (eixo intestino-cérebro)

A crítica de Damásio ao dualismo reforça a ideia de que corpo e mente não são entidades separadas. Isso apoia a visão moderna de que o sistema digestivo influencia o cérebro e vice-versa.

  • A microbiota intestinal afeta o humor, a cognição e até decisões alimentares.

  • Emoções e estresse alteram o apetite, a digestão e a absorção de nutrientes.

3. Marcadores somáticos e hábitos alimentares

Damásio propôs que emoções do passado ficam gravadas no corpo como "marcadores somáticos" — sinais físicos que influenciam decisões futuras.

Implicação para a nutrição:

  • Se alguém associa conforto ou alívio emocional a certos alimentos (ex: doces na infância), esses alimentos se tornam "refúgios emocionais" na vida adulta.

  • Portanto, mudanças alimentares duradouras exigem trabalhar não só o plano alimentar, mas também os significados emocionais ligados à comida.

4. Atenção plena e presença corporal na alimentação

A crítica ao dualismo também valoriza a experiência corporal e sensorial como parte da consciência.

  • Isso dialoga com práticas como mindful eating (alimentação consciente), que promovem uma reconexão com sinais internos de fome, saciedade e prazer.

  • Comer com consciência reduz o comer impulsivo e ajuda a restaurar uma relação mais saudável com a comida.

5. Educação nutricional mais integrativa

A visão de Damásio sugere que intervenções nutricionais devem ir além da informação técnica e considerar:

  • Emoções associadas à alimentação

  • Vínculos culturais e afetivos com a comida

  • A importância da empatia, escuta e acolhimento no atendimento nutricional

A partir da crítica de António Damásio ao dualismo mente-corpo, entendemos que a nutrição é uma prática biológica, emocional e relacional. Comer não é apenas uma questão de "vontade" ou "informação correta", mas envolve memórias, sentimentos e o corpo como um todo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Situação Atual da Saúde Mental no Brasil e papel da Nutrição

O panorama da saúde mental no Brasil é caracterizado por altas taxas de prevalência de transtornos, exacerbadas pelas desigualdades sociais e pelo impacto da pandemia de COVID-19. O acesso à assistência continua sendo um desafio significativo, com disparidades na disponibilidade e eficácia do tratamento.

Uma revisão sistemática encontrou uma maior prevalência de transtornos de saúde mental entre populações não brancas, com razões de chance variando de 1,18 a 1,85 em comparação com brancos [1]. Além disso, transtornos mentais comuns, como ansiedade e depressão, são prevalentes em ambientes de atenção primária, com taxas variando significativamente entre as diferentes regiões [2].

A pandemia de COVID-19 exacerbou os problemas de saúde mental, particularmente entre profissionais de saúde e populações vulneráveis. Profissionais de saúde relataram altas taxas de ansiedade, depressão, insônia e burnout durante a pandemia, com os sintomas permanecendo estáveis ​​ou aumentando ao longo do tempo [3] [4]. Idosos vulneráveis ​​em situação de rua também relataram autopercepções negativas sobre a saúde mental durante a pandemia [5].

Há uma significativa necessidade não atendida de atenção à saúde mental no Brasil. Um estudo em São Paulo constatou que apenas 14% dos indivíduos com transtornos psiquiátricos relataram o uso de medicamentos psicotrópicos no último ano, evidenciando barreiras no acesso aos serviços de saúde mental [6]. Os profissionais da atenção primária têm capacidade limitada para identificar e tratar problemas de saúde mental, embora os modelos de atenção colaborativa tenham demonstrado alguma melhora [7].

As disparidades em saúde mental são influenciadas por determinantes sociais como raça, renda e educação. A discriminação e a violência contra minorias sexuais e de gênero contribuem para os desafios da saúde mental, com altas taxas de ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático relatadas entre esses grupos [8].

O Brasil vem passando por uma reforma da saúde mental com o objetivo de integrar a saúde mental ao sistema de saúde mais amplo. Isso envolve equipes multidisciplinares e serviços comunitários, embora ainda existam desafios na implementação eficaz dessas políticas [9].

Esforços estão sendo feitos para fortalecer a vigilância e a pesquisa em saúde mental, com iniciativas como a RENAST buscando novos modelos de vigilância da saúde do trabalhador [10]. No entanto, a participação do Brasil no debate global sobre saúde mental ainda é limitada [11].

Estilo de vida e transtornos mentais

Apesar de existir um componente genético para os transtornos mentais, os fatores ambientais desempenham um papel importante na maioria dos casos e abrangem 8 domínios:

Atividade física e exercício

  1. Cessação do tabagismo

  2. Intervenções direcionadas ao trabalho

  3. Terapias baseadas em mindfulness e gerenciamento de estresse

  4. Dieta

  5. Sono

  6. Combate à solidão e aumento do apoio social

  7. Interação com espaços verdes

Evidências sobre o impacto da dieta na saúde mental

Estudos seminais sobre o impacto de nutrientes isolados na saúde mental têm sido estudados por décadas, incluindo ácido fólico, vitamina D, ômega-3, vitamina B12.

Os primeiros estudos observacionais (epidemiológicos, incluindo prospectivos) mostravam associação entre a qualidade da alimentação e redução da prevalência do risco para depressão e suicídio [12].

Em 2017 foi proposta uma nova área de estudos: a psiquiatria nutricional, que busca estudar a correlação dos transtornos mentais, anormalidades metabólicas e nutricionais [12]. A nutrição fornece nutrientes, modula a neuroinflamação e o estresse oxidativo, a epigenética e a microbiota intestinal. Alimentação saudável, de qualidade, em quantidade adequada é direito de todos e devemos lutar por isto.

Aprenda mais sobre esta área de pesquisa na plataforma https://t21.video.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/