Dieta-intestino-microbiota-epigenética

O artigo "Diet-gut microbiota-epigenetics in metabolic diseases: From mechanisms to therapeutics" explora como a interação entre dieta, microbiota intestinal e epigenética influencia o desenvolvimento de doenças metabólicas como obesidade, diabetes tipo 2, dislipidemia e esteatose hepática não alcoólica (NAFLD).

Principais mecanismos discutidos

  1. Dieta e microbiota intestinal
    A alimentação molda a composição e função da microbiota intestinal. Em contrapartida, os microrganismos produzem metabólitos, como os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), que afetam diretamente o metabolismo do hospedeiro.

  2. Metabólitos microbianos e epigenética
    Metabólitos derivados da microbiota, como o butirato, propionato e acetato, atuam como substratos ou moduladores de enzimas epigenéticas, influenciando processos como a metilação do DNA e modificações de histonas.

  3. Impacto epigenético nas doenças metabólicas
    As alterações epigenéticas induzidas por metabólitos microbianos podem afetar a permeabilidade intestinal, respostas imunes, inflamação e resistência à insulina, contribuindo para a progressão de doenças metabólicas.

  4. Sinalização via receptores acoplados à proteína G (GPCRs)
    Alguns metabólitos microbianos interagem com GPCRs, desencadeando respostas inflamatórias e disbiose, fatores associados a distúrbios metabólicos.

Os autores propõem várias estratégias terapêuticas futuras com base na compreensão das interações entre dieta, microbiota intestinal e mecanismos epigenéticos, especialmente na prevenção e tratamento de doenças metabólicas como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças hepáticas.

1. Modulação da microbiota intestinal

  • Uso de probióticos, prebióticos e simbióticos para restaurar um microbioma saudável.

  • Administração de cepas específicas de bactérias que produzem metabólitos benéficos (como butirato).

  • Uso de transplante de microbiota fecal (TMF) em casos selecionados.

2. Intervenções dietéticas direcionadas

  • Dietas ricas em fibras fermentáveis que favorecem a produção de AGCCs.

  • Inclusão de polifenóis e compostos bioativos (como resveratrol, curcumina), que podem influenciar positivamente a epigenética via microbiota.

  • Personalização da dieta baseada no perfil do microbioma individual (nutrição de precisão). Precisa de ajuda? Marque aqui sua consulta de nutrição online.

3. Terapias epigenéticas

  • Desenvolvimento de fármacos ou nutracêuticos que modulam diretamente enzimas epigenéticas, como DNMTs (DNA metiltransferases) ou HDACs (desacetilases de histona).

  • Potencial uso de microRNAs moduladores, visando corrigir a expressão gênica associada a distúrbios metabólicos.

4. Uso terapêutico de microRNAs (miRNAs)

  • Os miRNAs, que são modulados tanto pela microbiota quanto pela dieta, são alvos potenciais para intervenções farmacológicas.

  • Estratégias futuras podem incluir:

    • Terapia com miRNA miméticos (para restaurar miRNAs benéficos)

    • Inibidores de miRNAs disfuncionais (antagomiRs), para bloquear efeitos deletérios em genes metabólicos.

  • Isso pode ajudar a restaurar homeostase metabólica, reduzir inflamação e melhorar a sensibilidade à insulina.

5. Tecnologias de edição genética/epigenética

  • Uso potencial de CRISPR/dCas9 epigenético para regular seletivamente genes afetados por alterações epigenéticas sem alterar a sequência do DNA.

As estratégias terapêuticas futuras baseadas no eixo dieta–microbiota–epigenética visam oferecer tratamentos mais personalizados e causais, em vez de apenas sintomáticos. A chave está na integração de dados ômicos (metagenômica, epigenômica, transcriptômica) com intervenções dietéticas e farmacológicas adaptadas ao perfil individual.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Razão ácido quinurênico / ácido quinolínico

A via da quinurenina é a principal rota no catabolismo do triptofano, um aminoácido essencial usado na síntese de proteínas e de moléculas bioativas como serotonina e melatonina. Cerca de 90% do triptofano é convertido em quinurenina. A enzima IDO (indoleamina dioxigenase) é a responsável por esta degradação no sistema nervoso e é ativada por estímulos inflamatórios.

A quinurenina pode ser convertida em ácido quinurênico (especialmente nos astrócitos), com ação neuroproteotra, ou ácido quinolínico (principalmente na micróglia) que, em excesso, é neurotóxico.

A razão entre o ácido quinurênico (KYNA) e o ácido quinolínico (QUIN) tem bastante relevância em contextos clínicos e neurobiológicos, especialmente por estar ligada ao metabolismo do triptofano pela via da quinurenina.

Ácido Quinurênico (KYNA) - também conhecido por quinurenina:

  • Derivado neuroprotetor.

  • Antagonista dos receptores NMDA e α7-nicotínicos.

  • Atua reduzindo excitação neural excessiva.

Ácido Quinolínico (QUIN):

  • Derivado neurotóxico.

  • Agonista dos receptores NMDA.

  • Induz estresse oxidativo, inflamação e morte celular.

Relevância da Razão KYNA/QUIN

  • Alta razão KYNA/QUIN → Mais neuroproteção.

  • Baixa razão KYNA/QUIN → Mais neurotoxicidade, associada a doenças neurodegenerativas e psiquiátricas.

Implicações clínicas

Algumas doenças e transtornos estão associadas à alterações na razão KYNA/QUIN:

  • Depressão maior: frequentemente há aumento de QUIN e redução de KYNA.

  • Esquizofrenia: KYNA pode estar aumentado, alterando cognição.

  • Doença de Alzheimer / Parkinson: envolvimento de QUIN na neurodegeneração.

  • Esclerose múltipla, HIV, epilepsia: desbalanço dessa razão contribui para inflamação e dano neuronal.

Interpretação

A razão KYNA/QUIN ainda não tem pontos de corte universais amplamente aceitos. No caso dos exames de urina o que se avalia são processos inflamatórios e oxidativos sistêmicos crônicos. Coletas no líquido cefalorraquidiano seriam mais específicos para análise do metabolismo do triptofano no cérebro.

Exemplos de exames urinários de 3 pacientes e cuidados na interpretação

Caso 1: KYNA = 9.3 QUIN = 234.1 👉 Razão = 9.3 / 234.1 ≈ 0.040 (razão muito baixa) - indica forte tendência neurotóxica/pró-inflamatória (exemplo: infecção crônica, inflamação sistêmica, estresse oxidativo elevado).

Caso 2: KYNA = 21.5 QUIN = 74.9 👉 Razão = 21.5 / 74.9 ≈ 0.287 - apesar da razão não ser perfeita e precisarmos investigar se há leve ativação inflamatória, os dois metabólitos encontram-se dentro da faixa esperada. Além dos metabólitos do triptofano podemos observar nos exames metabolômicos, outros indicadores como 8-OHdG, homocisteína e, se o paciente também tiver um painel de fezes, a calprotectina.

Caso 3: KYNA = 49.1 QUIN = 140.2 👉 Razão = 49.1 / 140.2 ≈ 0.350 - apesar desta razão parecer adequada, precisamos lembrar que ácido quinulínico e quinurênico estão bastante acima do esperado. Talvez reflita um mecanismo compensatório de aumento de quinurinato e de maior necessidade de ácido quinolínico para produção de NAD+ (coenzima essencial para o metabolismo e produção de energia. Os exames de metabólitos devem ser analisados em conjunto. Este texto descreve apenas dois metabólitos da via das quinureninas.

Se o paciente estiver relatando baixa energia poderíamos até suplementar NAD+ . Contudo, esta suplementação não corrige a via. A redução da inflamação é fundamental e devemos investigar sempre as possíveis causas. Além disso, estas vias são dependentes de vitaminas B2 e B6, que muitas vezes precisarão ser ajustadas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

A sinergia entre saúde mental e saúde cerebral

A ilustração abaixo representa a complexidade e a interconexão entre saúde mental e saúde cerebral, destacando os múltiplos fatores que contribuem para ambas.

No centro da imagem está o cérebro humano, simbolizando o ponto de convergência entre dois grandes domínios:

  • Saúde mental (acima do cérebro)

  • Saúde cerebral (abaixo do cérebro)

Ambas são influenciadas por uma rede interligada de fatores biológicos, sociais e ambientais que são representados ao redor.

O lado esquerdo da imagem foca nos fatores comportamentais, sociais e genéticos que influenciam o cérebro e a mente, agrupados nas seguintes categorias:

1. Social, cognitive, and affective impairments:

  • Interação social

  • Emoções

  • Cognição

2. Lifestyle choices (escolhas de estilo de vida):

  • Sono

  • Exercício físico

  • Alimentação

3. Genética:

  • Genes

  • CNVs (Variações no número de cópias de genes)

  • PRS (Pontuações de risco poligênico)

  • Epigenética

4. Estresse:

  • Um fator crítico que interage com todos os anteriores, afetando profundamente o funcionamento cerebral.

Esses componentes contribuem para prejuízos que afetam tanto a saúde mental quanto a saúde do cérebro.

O lado direito da imagem explora os fatores externos e biológicos compartilhados que afetam o cérebro, incluindo:

Exposoma e determinantes sociais

  • Discriminação

  • Desigualdades socioeconômicas

  • Poluentes

Mecanismos patofisiológicos compartilhados

  • Estresse celular

  • Microbioma

  • Inflamação

  • Sobrecarga alostática (desgaste do corpo por estresse crônico)

Modelos neurocognitivos

São explicações — modelos teóricos ou computacionais que buscam descrever e prever como o cérebro funciona e como certas alterações podem levar a sintomas mentais ou neurológicos.

  • Sobrecarga alostática: descreve como o estresse crônico desgasta o sistema corporal e cerebral

  • Codificação preditiva: É um modelo que explica o cérebro como um “órgão de previsão” que constantemente compara expectativas com a realidade sensorial. Explica como alterações nesse sistema de previsão poderiam gerar sintomas como delírios, hipersensibilidade ou ansiedade.

O artigo defende que:

Doenças mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia e autismo não podem ser separadas das condições neurológicas, como AVC, epilepsia ou neurodegeneração. Há mecanismos comuns e fatores compartilhados que tornam artificial essa separação. A ciência e a medicina devem integrar essas duas áreas para promover uma abordagem mais holística e eficaz.

Sinergia entre Saúde Mental e Saúde Cerebral: Uma Abordagem Holística

Se você estiver atuando em ambiente clínico, pesquisa ou até em políticas públicas, esse modelo integrado é muito utilizado em áreas como psiquiatria funcional, saúde mental integrativa e terapia informada pela neuropsicologia.

Por exemplo, podemos usar imagens cerebrais e biomarcadores (como fMRI, qEEG, SPECT) para entender como o funcionamento cerebral se relaciona com os sintomas mentais. Isso muda o modelo de “o que há de errado com você?” para “o que está acontecendo com o seu cérebro?”.

Entender o que acontece no cérebro permite a adaptação de intervenções com base nos padrões neurais — por exemplo, hiperatividade na amígdala pode sugerir tratamentos focados em trauma ou ansiedade.

As novas abordagens combinam o modelo biopsicossocial tradicional com insights neurobiológicos:

  • Bio: Nutrição, inflamação, equilíbrio hormonal, eixo intestino-cérebro.

  • Psico: Terapia cognitivo-comportamental, terapias para traumas, trabalho narrativo.

  • Social: Relações, ambiente, comunidade.

  • Neuro: Circuitos cerebrais, sistemas de neurotransmissores, neuroplasticidade.

Podemos pensar em uma psiquiatria do estilo de vida, que promove mudanças de estilo de vida que beneficiam tanto a saúde mental quanto a cerebral:

  • Exercício físico: Aumenta o BDNF, ajuda na depressão e ansiedade.

  • Higiene do sono: Essencial para regulação emocional, memória e "limpeza" cerebral.

  • Nutrição: Dietas anti-inflamatórias, ômega-3 e saúde intestinal.

  • Mindfulness e meditação: Comprovadamente fortalecem o córtex pré-frontal e acalmam o sistema límbico.

As estratégias acima devem ser combinados com psicoeducação para ajudar os pacientes a entenderem seus transtornos com base no funcionamento cerebral — não apenas como falhas psicológicas. Isso reduz o estigma e empodera o processo de recuperação.

É importante enfatizar que o cérebro é plástico, pode mudar, por meio de terapia, aprendizado, ambiente, hábitos e, quando necessário, medicamentos, neurofeedback, treinamento cognitivo, etc.

Psiquiatria de Precisão

Mais informações permitem que abandonemos a abordagem de tentativa e erro na medicação, integrando:

  • Farmacogenética

  • Nutrigenética

  • Metabolômica

  • Exames de imagem cerebral

  • Fenotipagem digital (ex.: rastreamento de sono, humor e comportamento por apps ou dispositivos).

Estes rastreamentos também permitem a identificação precoce de riscos, antes mesmo que os sintomas apareçam como transtornos completos. Equipes multidisciplinares constituídas por psiquiatras, neurologistas, psicólogos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais são altamente valorizadas pois o trabalho conjunto permite uma abordagem mais abrangente, precisa e eficaz.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/