Hormônios sexuais e neuromodulação

Os hormônios sexuais desempenham um papel fundamental na neuromodulação, ou seja, no controle e na modulação da atividade dos neurotransmissores no cérebro. Essa interação entre hormônios e neurotransmissores é complexa e tem implicações importantes para a regulação do humor, comportamento, cognição e até mesmo para o desenvolvimento de distúrbios neurológicos e psiquiátricos, como o transtorno bipolar, a depressão, a ansiedade e outros. Vamos explorar essa relação entre os hormônios sexuais e a neuromodulação:

1. Hormônios Sexuais e Seus Efeitos no Cérebro

Os principais hormônios sexuais,  estrogênio, progesterona e testosterona, não apenas regulam os processos reprodutivos, mas também têm efeitos profundos sobre o sistema nervoso central, influenciando a atividade de neurotransmissores e, por consequência, modulando o humor, a cognição, a memória e o comportamento.

O artigo "Whole-brain dynamics across the menstrual cycle: the role of hormonal fluctuations and age in healthy women" explora como as flutuações hormonais ao longo do ciclo menstrual influenciam a dinâmica cerebral em mulheres saudáveis. Ele utiliza métodos avançados de neuroimagem para mapear alterações no cérebro relacionadas a níveis variáveis de hormônios, como estrogênio e progesterona, além de considerar o impacto da idade nesse contexto (Avila-Varela et al., 2024).

Principais pontos do estudo:

  • Dinâmica cerebral e ciclo menstrual: O estudo destaca que o ciclo menstrual não apenas afeta o corpo, mas também provoca mudanças significativas na conectividade e nas atividades em redes cerebrais. Durante diferentes fases do ciclo, a interação entre regiões do cérebro é modulada por variações hormonais.

  • Influência da idade: Mulheres em diferentes faixas etárias apresentam variações distintas na dinâmica cerebral durante o ciclo. Isso pode refletir mudanças hormonais ao longo da vida, como a proximidade da menopausa, que alteram os padrões normais observados em mulheres mais jovens.

  • Métodos de análise: Usando ressonância magnética funcional (fMRI), os pesquisadores analisaram padrões de conectividade de redes cerebrais, como a rede de modo padrão (default mode network), identificando mudanças específicas associadas às fases folicular e lútea.

  • Relevância clínica: Os achados têm implicações para a compreensão de condições como transtornos de humor e ansiedade que estão relacionados a ciclos hormonais, além de destacar a importância de considerar a fase do ciclo menstrual em estudos neurocientíficos envolvendo mulheres.

  • Estrogênio e progesterona: Esses hormônios desempenham papéis importantes na neuroplasticidade.

Estrogênio:

  • Efeito neuroprotetor: O estrogênio tem propriedades neuroprotetoras, o que significa que pode ajudar a proteger os neurônios contra danos e promover a plasticidade neuronal. Ele aumenta a expressão de BDNF influencia a função de vários neurotransmissores, como serotonina, dopamina e noradrenalina.

  • Regulação do humor: O estrogênio tem uma forte relação com a serotonina (um neurotransmissor chave na regulação do humor). Níveis mais altos de estrogênio podem aumentar a disponibilidade de serotonina no cérebro, o que pode ter um efeito positivo na melhora do humor, o que explica por que muitas mulheres experimentam uma melhora no humor durante fases do ciclo menstrual em que os níveis de estrogênio são mais altos (como na fase folicular).

  • Neurotransmissores: Além da serotonina, o estrogênio também pode aumentar a atividade da dopamina, que está associada a sensação de prazer e motivação, e da norepinefrina, que regula o estresse e a atenção.

Progesterona:

  • Efeito calmante: A progesterona é conhecida por ter um efeito mais sedativo e calmante no cérebro. Ela pode atuar como um modulador dos receptores GABA (ácido gama-aminobutírico), que tem efeitos inibitórios sobre a atividade neural, o que pode induzir relaxamento e reduzir a excitabilidade neuronal.

  • Relação com o humor: Embora a progesterona tenha efeitos calmantes, flutuações em seus níveis durante o ciclo menstrual ou durante a gravidez podem contribuir para sentimentos de irritabilidade, ansiedade e, em alguns casos, depressão. A queda abrupta nos níveis de progesterona após o parto, por exemplo, é uma das razões para o risco aumentado de depressão pós-parto e psicose em mulheres com transtorno bipolar.

Testosterona:

  • Efeitos cognitivos e comportamentais: Embora a testosterona seja mais associada aos homens, ela também desempenha um papel importante nas mulheres, especialmente em relação à cognição, motivação e agressividade. A testosterona tem efeito sobre os sistemas de dopamina e norepinefrina, modulando aspectos do comportamento, como o desejo sexual, a motivação, a energia e a capacidade de tomar decisões.

  • Efeitos no humor: Níveis baixos de testosterona têm sido associados a sintomas de depressão e fadiga, especialmente em mulheres, e também podem contribuir para dificuldades cognitivas.

2. Hormônios Sexuais e a Neuromodulação de Neurotransmissores

A neuromodulação refere-se à alteração da atividade dos neurotransmissores no cérebro, de maneira que não apenas a quantidade, mas também a eficácia e a distribuição de sinais entre os neurônios sejam afetadas. Os hormônios sexuais têm um efeito profundo nesse processo, influenciando os sistemas de vários neurotransmissores:

Serotonina:

  • Os níveis de estrogênio estão diretamente ligados ao aumento da disponibilidade de serotonina no cérebro. A serotonina é um neurotransmissor-chave na regulação do humor, do sono e do apetite. Quando os níveis de estrogênio caem, como acontece antes da menstruação ou durante a menopausa, as mulheres podem experienciar irritabilidade, ansiedade e depressão, sintomas relacionados ao desequilíbrio da serotonina.

  • progesterona também pode influenciar a serotonina, mas de forma indireta, principalmente devido ao seu efeito sobre o GABA, que pode afetar a modulação de outros neurotransmissores, incluindo a serotonina.

Dopamina:

  • dopamina é crucial para a regulação do prazer, motivação e recompensa, e está intimamente associada à mania e aos estados elevados de energia em transtornos como o transtorno bipolar.

  • estrogênio aumenta a liberação de dopamina e pode potencializar a resposta do cérebro ao prazer e à recompensa. Isso pode explicar a sensação de "energia elevada" que algumas mulheres experimentam durante a fase ovulatória, quando os níveis de estrogênio estão elevados.

  • progesterona, por outro lado, pode ter um efeito inibitório sobre a dopamina e é frequentemente associada à diminuição do prazer e do impulso sexual, especialmente durante a fase luteal do ciclo menstrual.

Noradrenalina (Norepinefrina):

  • noradrenalina, que está envolvida no sistema de resposta ao estresse, na regulação da atenção e da vigília, também é modulada pelos hormônios sexuais. O estrogênio pode aumentar a atividade da norepinefrina, o que pode contribuir para maior alerta, foco e energia.

  • Em contrapartida, níveis elevados de progesterona podem induzir um estado de maior relaxamento e sedação, diminuindo a atividade da norepinefrina, o que pode influenciar a capacidade de reação a estímulos estressantes.

3. Impactos Clínicos e Considerações

O efeito dos hormônios sexuais na neuromodulação tem implicações clínicas significativas, especialmente para mulheres com transtornos psiquiátricos:

  • Transtorno Bipolar: As flutuações hormonais em mulheres com transtorno bipolar podem exacerbar os sintomas da doença. Por exemplo, a fase luteal do ciclo menstrual, quando os níveis de estrogênio caem e a progesterona sobe, pode aumentar a probabilidade de episódios depressivos ou de mania. Durante a menopausa, a queda nos níveis de estrogênio também pode desencadear ou agravar sintomas.

  • Transtornos de Ansiedade e Depressão: Mulheres que sofrem de transtornos de ansiedade ou depressão podem ser mais sensíveis às variações nos níveis hormonais. A modulação da serotonina e da dopamina pelos hormônios sexuais pode ser um fator-chave na variação dos sintomas durante diferentes fases hormonais.

  • Tratamento Farmacológico e Terapias: O tratamento de distúrbios psiquiátricos em mulheres deve considerar as flutuações hormonais, pois as medicações podem interagir com os hormônios sexuais. Além disso, algumas terapias hormonais, como o uso de estrogênio ou progestágenos, podem ter efeitos tanto positivos quanto negativos sobre o equilíbrio dos neurotransmissores e, consequentemente, sobre os sintomas psiquiátricos.

Compreender essa interação é fundamental para o tratamento adequado, que pode envolver tanto abordagens farmacológicas quanto terapêuticas, adaptadas às necessidades hormonais e neurológicas específicas de cada paciente.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Transtorno bipolar é mais comum em mulheres ou em homens?

O transtorno bipolar afeta homens e mulheres de maneira bastante similar em termos de prevalência, mas há algumas diferenças nas características e padrões da doença entre os sexos.

Em termos gerais, a prevalência do transtorno bipolar é aproximadamente igual entre homens e mulheres. No entanto, estudos sugerem que as mulheres podem ter uma tendência maior a desenvolver formas mais graves do transtorno, com episódios de depressão mais frequentes e mais intensos, enquanto os homens podem ter uma maior tendência a desenvolver episódios de mania.

Além disso, as mulheres com transtorno bipolar podem ter um risco aumentado de apresentar complicações, como um maior risco de tentar o suicídio ou de sofrer de distúrbios comórbidos, como ansiedade e transtornos alimentares.

A idade de início também pode variar um pouco entre os sexos, com os homens tendendo a apresentar os primeiros sintomas do transtorno bipolar mais cedo (geralmente no final da adolescência ou início da idade adulta), enquanto nas mulheres o início pode ocorrer um pouco mais tarde, com uma predominância de episódios de depressão que surgem mais frequentemente após os 20 anos.

Flutuações hormonais nas mulheres e TAB

As flutuações hormonais nas mulheres, especialmente durante a puberdade, o ciclo menstrual, a gravidez e a menopausa, podem ter um impacto significativo nos sintomas do transtorno bipolar. Embora o transtorno bipolar não seja causado diretamente por alterações hormonais, essas flutuações podem influenciar o curso e a intensidade dos episódios, tanto de mania quanto de depressão.

Aqui estão alguns pontos chave sobre a interação entre flutuações hormonais e o transtorno bipolar:

1. Ciclo Menstrual

A Síndrome Pré-Menstrual (SPM) e o Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM) tornam as mulheres com transtorno bipolar mais sensíveis às flutuações hormonais que ocorrem no ciclo menstrual. A SPM ou o TDPM (uma forma mais grave da SPM) pode piorar os sintomas do transtorno bipolar, especialmente durante a fase luteal (a segunda metade do ciclo menstrual), quando os níveis de progesterona aumentam.

Durante a menstruação, algumas mulheres podem experimentar um agravamento dos episódios de depressão ou mania. Isso pode ocorrer devido ao efeito das flutuações nos hormônios sexuais, como estrogênio e progesterona, sobre o cérebro e a regulação do humor.

2. Gravidez

Durante a gravidez, o corpo feminino experimenta grandes mudanças hormonais, e essas flutuações podem ter um impacto no transtorno bipolar. Algumas mulheres relatam uma melhoria nos sintomas do transtorno bipolar durante a gravidez, especialmente em relação à depressão, enquanto outras podem experimentar agravamento dos sintomas, especialmente a mania.

O período pós-parto é particularmente crítico para mulheres com transtorno bipolar, pois as flutuações hormonais, especialmente a queda abrupta nos níveis de estrogênio e progesterona após o parto, podem desencadear episódios de mania ou depressão. O risco de psicose pós-parto também é mais alto para mulheres com transtorno bipolar.

3. Menopausa

Durante a menopausa, as mulheres passam por uma diminuição dos níveis de estrogênio e progesterona, o que pode afetar o equilíbrio neuroquímico no cérebro. Isso pode aumentar o risco de alterações no humor, incluindo o agravamento dos sintomas do transtorno bipolar.

A menopausa pode ser acompanhada por outros sintomas, como insônia, alterações no apetite e fadiga, que podem se sobrepor aos sintomas do transtorno bipolar e dificultar o controle da doença.

4. Tratamento e Considerações

O tratamento do transtorno bipolar pode ser desafiador durante períodos de flutuações hormonais, especialmente durante a gravidez ou a menopausa. Algumas medicações usadas para tratar o transtorno bipolar podem ter efeitos colaterais no equilíbrio hormonal e vice-versa. O manejo adequado exige uma abordagem cuidadosa e muitas vezes envolve uma combinação de medicação, terapia e monitoramento contínuo dos sintomas.

Mulheres com transtorno bipolar devem estar cientes de como o ciclo menstrual pode afetar seus sintomas. Algumas podem precisar de ajustes nos tratamentos conforme a fase do ciclo menstrual, ou em períodos de gravidez ou menopausa.

Lembre que as diferenças entre homens e mulheres não mudam o fato de que o transtorno bipolar afeta ambos os sexos de maneira significativa, sendo importante o diagnóstico e o tratamento adequados para todas as pessoas, independentemente do sexo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Alterações do ritmo biológico no transtorno bipolar

O transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma condição psiquiátrica caracterizada por oscilações de humor extremas, que incluem episódios de mania e depressão. Estudos sugerem que essas oscilações podem estar intimamente ligadas a alterações no ritmo circadiano, o "relógio interno" do corpo que regula funções fisiológicas e comportamentais ao longo de um ciclo de 24 horas. Esse relógio é controlado por uma série de genes chamados genes do relógio, que desempenham um papel crucial na sincronização de processos corporais com os ciclos ambientais, como o dia e a noite (Chung, Kim, & Jeong, 2024).

O transtorno bipolar e o relógio biológico: o que sabemos?

1. Ritmos circadianos no transtorno bipolar

Pessoas com TAB frequentemente apresentam disfunções nos ritmos circadianos, como padrões de sono irregulares, alteração na liberação de hormônios e mudanças na temperatura corporal. Essas irregularidades podem preceder ou exacerbar episódios de mania ou depressão, sendo a primeira comumment mais ligada a avanço de fase (pacientes que dormem mais tarde) e a depressão mais ligados a atraso de fase (pacientes que sentem sono mais cedo).

2. O papel dos genes do relógio

Genes como CLOCK, BMAL1, PER e CRY são essenciais para o funcionamento do relógio circadiano. Estudos genéticos indicam que variações nesses genes podem aumentar a vulnerabilidade ao transtorno bipolar. Por exemplo, mutações no gene CLOCK estão associadas a um maior risco de episódios maníacos. Esses genes influenciam neurotransmissores, como a dopamina, que têm um papel central na regulação do humor. Aprenda mais sobre genômica aqui.

3. Perspectivas terapêuticas

Compreender a relação entre os genes do relógio e o transtorno bipolar abre novas possibilidades terapêuticas. Tratamentos que buscam estabilizar o ritmo circadiano, como a terapia de luz e a higiene do sono, têm mostrado eficácia no manejo dos sintomas do transtorno. Intervenções futuras podem incluir intervenções baseadas na genética para corrigir disfunções circadianas, além de reforçar abordagens atuais, como estabilizadores de humor. Essa conexão entre biologia e comportamento reforça a importância de um manejo integrado que considere o ritmo biológico do paciente. Aprenda mais sobre genômica aqui.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/