Alimentação e supressão tumoral

A APC (Adenomatous Polyposis Coli) e a beta-catenina são proteínas chave na regulação de diversos processos celulares, especialmente no contexto da via de sinalização Wnt, que tem grande relevância no desenvolvimento e progressão de tumores, como no câncer colorretal.

1. APC (Adenomatous Polyposis Coli)

A APC é uma proteína supressora de tumor. Sua principal função é regular a proliferação celular, adesão celular e migração. No contexto da via Wnt, APC atua principalmente no controle da degradação da beta-catenina.

Em condições normais, a proteína APC faz parte de um complexo que inclui outras proteínas, como a axina e a glicogênio sintase quinase-3β (GSK-3β), que promovem a degradação da beta-catenina. Mutação no gene APC é uma das alterações mais comuns associadas ao câncer colorretal, especialmente na polipose adenomatosa familiar (PAF). Quando APC está mutada, perde sua capacidade de promover a degradação da beta-catenina, o que leva a uma acumulação descontrolada dessa proteína no núcleo das células.

2. Beta-catenina

A beta-catenina tem duas funções principais:

  • Adesão celular: atua em junções aderentes, conectando os filamentos de actina à membrana celular.

  • Sinalização Wnt: quando não há sinalização Wnt ativa, a beta-catenina é degradada com a ajuda do complexo proteico envolvendo APC. Quando a via Wnt está ativa, a degradação da beta-catenina é inibida, permitindo que ela se acumule no citoplasma e transloque para o núcleo, onde ativa a transcrição de genes relacionados à proliferação celular.

Relação com o câncer: se a beta-catenina se acumula de maneira descontrolada, seja por mutações no gene APC ou no próprio gene da beta-catenina, a transcrição de genes que promovem a divisão celular é ativada de maneira desregulada, contribuindo para a formação e progressão do câncer.

3. Supressão Tumoral:

Em um sistema saudável, a APC regula os níveis de beta-catenina, evitando que ela se acumule no núcleo e ative a transcrição de genes que promovem o crescimento celular. Portanto, a APC impede o desenvolvimento de tumores ao controlar o crescimento celular através da regulação da beta-catenina.

Quando ocorre a mutação: quando o gene APC é mutado, a beta-catenina não é degradada adequadamente, o que resulta em sua acumulação no núcleo das células, onde ativa a transcrição de genes oncogênicos, como c-Myc e Cyclin D1, que estimulam a proliferação celular. Isso pode levar ao desenvolvimento de adenomas e eventualmente a carcinomas, como no caso de câncer colorretal.

4. Via de Sinalização Wnt: crítica na regulação do crescimento e desenvolvimento celular.

- Sem sinalização Wnt: O complexo de degradação (que inclui APC) promove a fosforilação e degradação da beta-catenina.

- Com sinalização Wnt: A via Wnt inibe o complexo de degradação, permitindo que a beta-catenina se acumule no citoplasma e entre no núcleo, onde regula a transcrição de genes relacionados à proliferação celular.

Resumindo:

A APC desempenha um papel fundamental como um supressor de tumor, controlando os níveis de beta-catenina. Quando APC está mutada ou defeituosa, a beta-catenina se acumula, levando à ativação de genes oncogênicos e favorecendo o desenvolvimento de tumores, particularmente no trato gastrointestinal, como no câncer colorretal.

Componentes Alimentares que Podem Regular APC e β-Catenina para Suprimir Tumores

A pesquisa sobre componentes alimentares que podem influenciar a atividade do gene adenomatous polyposis coli (APC) e a sinalização da β-catenina está em andamento, especialmente no contexto da prevenção e tratamento do câncer. Aqui estão vários componentes alimentares e seus papéis potenciais:

1. Vegetais Crucíferos

- Componentes: Sulforafano e indol-3-carbinol

- Efeitos: Esses compostos, encontrados em vegetais como brócolis, couve-de-bruxelas e repolho, demonstraram afetar as vias relacionadas à supressão tumoral. O sulforafano pode inibir o crescimento de células cancerosas e está associado à regulação da β-catenina.

2. Polifenóis

- Fontes: Chá verde (epigalocatequina galato), frutas vermelhas (antocianinas) e uvas (resveratrol)

- Efeitos: Os polifenóis exibem propriedades antioxidantes e podem modular vias de sinalização celular, incluindo a β-catenina. O resveratrol mostrou promessas em inibir a atividade da β-catenina, o que pode ajudar a suprimir o crescimento tumoral.

3. Ácidos Graxos Ômega-3

- Fontes: Peixes gordurosos (salmão, cavala), sementes de linhaça e nozes

- Efeitos: Os ácidos graxos ômega-3 podem ter efeitos anti-inflamatórios e influenciar a expressão de genes envolvidos em vias de sinalização do câncer, potencialmente impactando a atividade da β-catenina.

4. Cúrcuma

- Fonte: Açafrão-da-terra

- Efeitos: A cúrcuma demonstrou ter propriedades anticancerígenas e pode inibir a sinalização da β-catenina. Pode influenciar várias vias que regulam a proliferação celular e a apoptose.

5. Vitamina D

- Fontes: Peixes gordurosos, alimentos fortificados e exposição ao sol

- Efeitos: Acredita-se que a vitamina D desempenhe um papel na diferenciação celular e na função imunológica. Alguns estudos sugerem que a vitamina D pode ajudar a regular a atividade da β-catenina e suprimir o crescimento tumoral.

6. Ácido Fólico e Outras Vitaminas do Complexo B

- Fontes: Folhas verdes, leguminosas e grãos fortificados

- Efeitos: O ácido fólico é importante para a síntese e reparo do DNA. Níveis adequados de ácido fólico podem ajudar a regular as vias de sinalização da APC e da β-catenina.

7. Alimentos Fermentados

- Fontes: Iogurte, kimchi e chucrute

- Efeitos: Os probióticos de alimentos fermentados podem influenciar a saúde intestinal e o microbioma, o que pode afetar as vias de sinalização relacionadas ao câncer, incluindo a β-catenina.

8. Selênio

- Fontes: Castanhas-do-pará, frutos do mar e grãos integrais

- Efeitos: O selênio tem sido estudado por seus potenciais efeitos anticancerígenos, incluindo possível regulação da sinalização da β-catenina.

Embora componentes alimentares específicos possam potencialmente regular as vias da APC e da β-catenina, é importante notar que o câncer é uma doença complexa influenciada por múltiplos fatores, incluindo genética, estilo de vida e ambiente. Uma dieta equilibrada, rica em frutas, vegetais, grãos integrais, proteínas magras e gorduras saudáveis, é geralmente recomendada para a saúde geral e pode ajudar a reduzir o risco de câncer.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Síndrome de Li-Fraumeni

A Síndrome de Li-Fraumeni (SLF) é uma condição genética rara que aumenta significativamente o risco de desenvolver certos tipos de câncer em uma idade jovem. Pessoas com SLF têm uma mutação no gene TP53, que desempenha um papel crucial na supressão de tumores.

Principais Características da SLF:

  • Risco elevado de câncer: Indivíduos com SLF têm um risco muito maior de desenvolver vários tipos de câncer antes dos 50 anos.

  • Cânceres comuns: Os cânceres mais frequentemente associados à SLF incluem:

    • Câncer de mama

    • Câncer de cólon

    • Câncer de sarcoma (um tipo de câncer de tecido conjuntivo)

    • Câncer de cérebro

    • Leucemia

    • Câncer de ovário

  • Hereditariedade: A SLF é geralmente hereditária, o que significa que pode ser passada de pais para filhos.

  • Diagnóstico: O diagnóstico da SLF geralmente envolve testes genéticos para identificar a mutação no gene TP53.

Histórico familiar de paciente com câncer (Senzer et al., 2007)

Tratamento e Prevenção:

  • Vigilância: Pessoas com SLF geralmente requerem vigilância médica regular para detectar precocemente possíveis sinais de câncer.

  • Prevenção: Algumas medidas preventivas podem ser recomendadas, como:

    • Exames de rastreamento regulares (por exemplo, mamografias, colonoscopias)

    • Consideração de cirurgia profilática em alguns casos (por exemplo, mastectomia bilateral, ooforectomia)

    • Atividade física regular

    • Evitação de álcool e tabagismo

    • Dieta antiinflamatória, vegetariana ou vegana, livre de ultraprocessados e rica em antioxidantes e fitonutrientes protetores.

Como a LFS é causada por uma mutação no gene TP53, mudanças no estilo de vida, incluindo dieta, não são suficientes para eliminar ou prevenir diretamente a condição, apesar de ajudarem a manter a saúde geral. Acompanhamento periódico é fundamental. Modificações de estilo de vida complementam os tratamentos médicos e estratégias de vigilância, promovendo a saúde geral.

No caso da ocorrência de câncer há tratamento medicamentoso para reparo da região alterada no DNA, como TP53. No futuro provavelmente existirão terapias genéticas a partir de tecnologia CRISPR para edição do DNA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

10 etapas do processo de carcinogênese

Hanahan e Weinberg, em seu trabalho seminal de 2000, The Hallmarks of Cancer, identificaram seis características principais que células cancerígenas adquirem durante o processo de transformação maligna. Em 2011, eles revisaram o trabalho e adicionaram mais duas características emergentes e duas habilitadoras (Nanahan, & Weinberg, 2011). Ao todo, eles propuseram dez características ou etapas-chave na carcinogênese:

1. Autossuficiência em sinais de crescimento

- Células cancerígenas podem se proliferar independentemente dos sinais de crescimento externos. Elas podem gerar seus próprios sinais de crescimento ou alterar as vias de sinalização para continuar a se dividir.

2. Insensibilidade a sinais anti-crescimento

- As células malignas tornam-se insensíveis aos sinais que normalmente inibem a proliferação celular. Isso permite que elas escapem de mecanismos de controle que normalmente impediriam o crescimento descontrolado.

3. Evasão da apoptose (morte celular programada)

- Células cancerígenas desenvolvem mecanismos para evitar a apoptose, que é um processo programado de morte celular, permitindo que elas sobrevivam e acumulem mais mutações.

4. Potencial replicativo ilimitado

- As células cancerígenas adquirem a capacidade de se replicar indefinidamente. Isso é muitas vezes facilitado pela ativação da telomerase, uma enzima que mantém o comprimento dos telômeros, evitando a senescência celular (envelhecimento).

5. Sustentação da angiogênese

- O câncer induz a formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) para garantir o fornecimento de nutrientes e oxigênio, necessário para o crescimento do tumor e sua sobrevivência.

6. Capacidade de invasão e metástase

- Células cancerígenas podem invadir tecidos vizinhos e se espalhar para outras partes do corpo, um processo conhecido como metástase, que é a principal causa de mortalidade associada ao câncer.

7. Instabilidade genômica e mutação (habilitador)

- A instabilidade genética promove a acumulação de mutações adicionais. Células cancerígenas têm frequentemente defeitos em mecanismos de reparo de DNA, resultando em um aumento de mutações que aceleram a progressão do câncer.

8. Inflamação promotora de tumor (habilitador)

- A inflamação crônica pode facilitar o ambiente tumoral, promovendo a proliferação celular, angiogênese e mutações. Certos tipos de inflamação favorecem o crescimento de tumores.

9. Desregulação do metabolismo celular

- Células cancerígenas reprogramam seu metabolismo para favorecer a sobrevivência e crescimento, mesmo em condições desfavoráveis. Elas frequentemente utilizam a glicose de forma mais eficiente através do efeito Warburg, um tipo de metabolismo anaeróbico.

10. Evasão da destruição imunológica

- As células cancerígenas podem escapar do sistema imunológico, que normalmente detectaria e eliminaria células anormais. Elas desenvolvem mecanismos para evitar a detecção e/ou destruição por células imunes.

A figura acima mostra as principais características do câncer, incluindo instabilidade do genoma, evasão imunológica, inflamação, metabolismo energético, angiogênese, invasão e metástase, proliferação e imortalidade replicativa. Ao redor do hub estão vários compostos naturais, cada um podendo inibir processos celulares específicos envolvidos no desenvolvimento do câncer.

Esses compostos incluem antocianidina, daidzeína, cordicepina, ácido cinâmico, curcumina, capsaicina, quercetina, sibilinina, ácido cafeico, ácido clorogênico, compostos de enxofre, resveratrol, EGCG, licopeno, genisteína, glicosídeos cardíacos e indolequinonas. Estes compostos naturais podem interferir nas vias de sinalização envolvidas no crescimento, sobrevivência e metástase das células cancerígenas. Por exemplo, alguns compostos podem inibir vias que promovem a proliferação celular ou angiogênese. Outros podem induzir morte celular (Diederich, & Cerella, 2016).

Em 2021, Senga e Grose publicaram um artigo com o título Hallmarks of cancer—the new testament. Neste trabalho os autores adicionaram novas dimensões ao modelo original estabelecido por Hanahan e Weinberg. As novas características propostas são:

11. Plasticidade Fenotípica – Células cancerígenas podem reverter para estados menos especializados ou mudar de vias de diferenciação, permitindo que evitem a supressão do crescimento e resistam às terapias.

12. Reprogramação Epigenética – Alterações na expressão gênica, sem mutações no DNA, desempenham um papel importante no desenvolvimento e progressão do câncer. Aprenda mais no curso de genômica nutricional.

13. Influência do Microbioma – Microorganismos associados ao microambiente tumoral podem promover o câncer ao influenciar a inflamação, o metabolismo e as respostas imunológicas. Aprenda a modular a microbiota intestinal.

14. Senescência e Envelhecimento – A acumulação de células senescentes nos tecidos contribui para a tumorigênese, através de sinais inflamatórios e da perturbação da função normal dos tecidos​.

As primeiras 10 "marcas" refletem as propriedades das células cancerígenas que permitem sua sobrevivência, proliferação e disseminação, destacando os múltiplos mecanismos que precisam ser desregulados para o desenvolvimento de um tumor maligno. As 4 novas adições ressaltam a crescente complexidade do câncer e sua interação com vários sistemas biológicos, ampliando o escopo das estratégias terapêuticas para a prevenção e tratamento do câncer.

O centro da imagem em forma de flor representa as 8 principais características para que o câncer se desenvolva e prospere. Além das características centrais, existem questões “habilitadoras” - instabilidade genômica e mutações e inflamação (Senga, & Grose, 2021)

O conhecimento destes processos abre possibilidades para estratégias de prevenção e tratamento, incluindo:

Terapias-alvo (targeted therapies)

As terapias-alvo focam em bloqueios específicos nas vias moleculares envolvidas no câncer. Por exemplo:

  • Inibidores de proliferação: Fármacos que bloqueiam o sinal de crescimento celular descontrolado. Os inibidores de tirosina-quinase, como o imatinib, são exemplos de terapias que bloqueiam sinais proliferativos.

  • Inibidores de angiogênese: Medicamentos como o bevacizumabe impedem o crescimento de vasos sanguíneos no tumor, limitando o fornecimento de oxigênio e nutrientes.

Modulação do sistema imunológico (Imunoterapia)

  • Inibidores de checkpoints imunológicos: Medicamentos como nivolumabe e pembrolizumabe ajudam o sistema imunológico a reconhecer e atacar células cancerígenas que evitam a destruição imunológica.

  • Vacinas contra o câncer: Ao entender como as células cancerosas escapam do sistema imunológico, é possível desenvolver vacinas que estimulam uma resposta imune mais eficaz.

Prevenção da instabilidade genômica

  • Terapias genéticas e reparo de DNA: Tratamentos que visam corrigir ou mitigar a instabilidade genômica, como inibidores de PARP, que impedem células com defeitos de reparo no DNA de sobreviver, sendo efetivos em cânceres com mutações nos genes BRCA1/2.

Inibição da reprogramação epigenética

  • Modificadores epigenéticos: Drogas que interferem na expressão genética sem alterar o DNA, como os inibidores de HDAC (histona deacetilase) e inibidores de metilação de DNA, são promissores no combate à reprogramação epigenética.

Controle do microambiente tumoral

  • Terapias anti-inflamatórias: Com a descoberta da inflamação promotora de tumor, medicamentos anti-inflamatórios ou redutores da inflamação crônica podem ser usados como estratégias preventivas e terapêuticas. Aprenda mais no curso dieta antiinflamatória.

  • Modulação do microbioma: Alterações no microbioma podem afetar o crescimento tumoral, e o uso de probióticos ou modificadores de microbioma pode ser uma nova fronteira para terapias combinadas. Aprenda a modular a microbiota intestinal.

Prevenção e envelhecimento saudável

  • Senolíticos: drogas ou suplementos que eliminam células senescentes, as quais contribuem para a tumorigênese, podem ser úteis na prevenção e tratamento do câncer em idosos.

Combate à plasticidade fenotípica

  • Inibidores de transição epitelial-mesenquimal (EMT): Ao bloquear a capacidade das células tumorais de mudar sua identidade, terapias que inibem a EMT podem reduzir a capacidade de invasão e metástase.

Essas estratégias combinam abordagens direcionadas ao tratamento com prevenção, baseando-se no entendimento detalhado dos mecanismos fundamentais do câncer. Além disso, o uso de terapias combinadas (combinando diferentes fármacos) pode visar múltiplas características do câncer, aumentando a eficácia e reduzindo as chances de resistência ao tratamento​.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/