10 etapas do processo de carcinogênese

Hanahan e Weinberg, em seu trabalho seminal de 2000, The Hallmarks of Cancer, identificaram seis características principais que células cancerígenas adquirem durante o processo de transformação maligna. Em 2011, eles revisaram o trabalho e adicionaram mais duas características emergentes e duas habilitadoras (Nanahan, & Weinberg, 2011). Ao todo, eles propuseram dez características ou etapas-chave na carcinogênese:

1. Autossuficiência em sinais de crescimento

- Células cancerígenas podem se proliferar independentemente dos sinais de crescimento externos. Elas podem gerar seus próprios sinais de crescimento ou alterar as vias de sinalização para continuar a se dividir.

2. Insensibilidade a sinais anti-crescimento

- As células malignas tornam-se insensíveis aos sinais que normalmente inibem a proliferação celular. Isso permite que elas escapem de mecanismos de controle que normalmente impediriam o crescimento descontrolado.

3. Evasão da apoptose (morte celular programada)

- Células cancerígenas desenvolvem mecanismos para evitar a apoptose, que é um processo programado de morte celular, permitindo que elas sobrevivam e acumulem mais mutações.

4. Potencial replicativo ilimitado

- As células cancerígenas adquirem a capacidade de se replicar indefinidamente. Isso é muitas vezes facilitado pela ativação da telomerase, uma enzima que mantém o comprimento dos telômeros, evitando a senescência celular (envelhecimento).

5. Sustentação da angiogênese

- O câncer induz a formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) para garantir o fornecimento de nutrientes e oxigênio, necessário para o crescimento do tumor e sua sobrevivência.

6. Capacidade de invasão e metástase

- Células cancerígenas podem invadir tecidos vizinhos e se espalhar para outras partes do corpo, um processo conhecido como metástase, que é a principal causa de mortalidade associada ao câncer.

7. Instabilidade genômica e mutação (habilitador)

- A instabilidade genética promove a acumulação de mutações adicionais. Células cancerígenas têm frequentemente defeitos em mecanismos de reparo de DNA, resultando em um aumento de mutações que aceleram a progressão do câncer.

8. Inflamação promotora de tumor (habilitador)

- A inflamação crônica pode facilitar o ambiente tumoral, promovendo a proliferação celular, angiogênese e mutações. Certos tipos de inflamação favorecem o crescimento de tumores.

9. Desregulação do metabolismo celular

- Células cancerígenas reprogramam seu metabolismo para favorecer a sobrevivência e crescimento, mesmo em condições desfavoráveis. Elas frequentemente utilizam a glicose de forma mais eficiente através do efeito Warburg, um tipo de metabolismo anaeróbico.

10. Evasão da destruição imunológica

- As células cancerígenas podem escapar do sistema imunológico, que normalmente detectaria e eliminaria células anormais. Elas desenvolvem mecanismos para evitar a detecção e/ou destruição por células imunes.

A figura acima mostra as principais características do câncer, incluindo instabilidade do genoma, evasão imunológica, inflamação, metabolismo energético, angiogênese, invasão e metástase, proliferação e imortalidade replicativa. Ao redor do hub estão vários compostos naturais, cada um podendo inibir processos celulares específicos envolvidos no desenvolvimento do câncer.

Esses compostos incluem antocianidina, daidzeína, cordicepina, ácido cinâmico, curcumina, capsaicina, quercetina, sibilinina, ácido cafeico, ácido clorogênico, compostos de enxofre, resveratrol, EGCG, licopeno, genisteína, glicosídeos cardíacos e indolequinonas. Estes compostos naturais podem interferir nas vias de sinalização envolvidas no crescimento, sobrevivência e metástase das células cancerígenas. Por exemplo, alguns compostos podem inibir vias que promovem a proliferação celular ou angiogênese. Outros podem induzir morte celular (Diederich, & Cerella, 2016).

Em 2021, Senga e Grose publicaram um artigo com o título Hallmarks of cancer—the new testament. Neste trabalho os autores adicionaram novas dimensões ao modelo original estabelecido por Hanahan e Weinberg. As novas características propostas são:

11. Plasticidade Fenotípica – Células cancerígenas podem reverter para estados menos especializados ou mudar de vias de diferenciação, permitindo que evitem a supressão do crescimento e resistam às terapias.

12. Reprogramação Epigenética – Alterações na expressão gênica, sem mutações no DNA, desempenham um papel importante no desenvolvimento e progressão do câncer. Aprenda mais no curso de genômica nutricional.

13. Influência do Microbioma – Microorganismos associados ao microambiente tumoral podem promover o câncer ao influenciar a inflamação, o metabolismo e as respostas imunológicas. Aprenda a modular a microbiota intestinal.

14. Senescência e Envelhecimento – A acumulação de células senescentes nos tecidos contribui para a tumorigênese, através de sinais inflamatórios e da perturbação da função normal dos tecidos​.

As primeiras 10 "marcas" refletem as propriedades das células cancerígenas que permitem sua sobrevivência, proliferação e disseminação, destacando os múltiplos mecanismos que precisam ser desregulados para o desenvolvimento de um tumor maligno. As 4 novas adições ressaltam a crescente complexidade do câncer e sua interação com vários sistemas biológicos, ampliando o escopo das estratégias terapêuticas para a prevenção e tratamento do câncer.

O centro da imagem em forma de flor representa as 8 principais características para que o câncer se desenvolva e prospere. Além das características centrais, existem questões “habilitadoras” - instabilidade genômica e mutações e inflamação (Senga, & Grose, 2021)

O conhecimento destes processos abre possibilidades para estratégias de prevenção e tratamento, incluindo:

Terapias-alvo (targeted therapies)

As terapias-alvo focam em bloqueios específicos nas vias moleculares envolvidas no câncer. Por exemplo:

  • Inibidores de proliferação: Fármacos que bloqueiam o sinal de crescimento celular descontrolado. Os inibidores de tirosina-quinase, como o imatinib, são exemplos de terapias que bloqueiam sinais proliferativos.

  • Inibidores de angiogênese: Medicamentos como o bevacizumabe impedem o crescimento de vasos sanguíneos no tumor, limitando o fornecimento de oxigênio e nutrientes.

Modulação do sistema imunológico (Imunoterapia)

  • Inibidores de checkpoints imunológicos: Medicamentos como nivolumabe e pembrolizumabe ajudam o sistema imunológico a reconhecer e atacar células cancerígenas que evitam a destruição imunológica.

  • Vacinas contra o câncer: Ao entender como as células cancerosas escapam do sistema imunológico, é possível desenvolver vacinas que estimulam uma resposta imune mais eficaz.

Prevenção da instabilidade genômica

  • Terapias genéticas e reparo de DNA: Tratamentos que visam corrigir ou mitigar a instabilidade genômica, como inibidores de PARP, que impedem células com defeitos de reparo no DNA de sobreviver, sendo efetivos em cânceres com mutações nos genes BRCA1/2.

Inibição da reprogramação epigenética

  • Modificadores epigenéticos: Drogas que interferem na expressão genética sem alterar o DNA, como os inibidores de HDAC (histona deacetilase) e inibidores de metilação de DNA, são promissores no combate à reprogramação epigenética.

Controle do microambiente tumoral

  • Terapias anti-inflamatórias: Com a descoberta da inflamação promotora de tumor, medicamentos anti-inflamatórios ou redutores da inflamação crônica podem ser usados como estratégias preventivas e terapêuticas. Aprenda mais no curso dieta antiinflamatória.

  • Modulação do microbioma: Alterações no microbioma podem afetar o crescimento tumoral, e o uso de probióticos ou modificadores de microbioma pode ser uma nova fronteira para terapias combinadas. Aprenda a modular a microbiota intestinal.

Prevenção e envelhecimento saudável

  • Senolíticos: drogas ou suplementos que eliminam células senescentes, as quais contribuem para a tumorigênese, podem ser úteis na prevenção e tratamento do câncer em idosos.

Combate à plasticidade fenotípica

  • Inibidores de transição epitelial-mesenquimal (EMT): Ao bloquear a capacidade das células tumorais de mudar sua identidade, terapias que inibem a EMT podem reduzir a capacidade de invasão e metástase.

Essas estratégias combinam abordagens direcionadas ao tratamento com prevenção, baseando-se no entendimento detalhado dos mecanismos fundamentais do câncer. Além disso, o uso de terapias combinadas (combinando diferentes fármacos) pode visar múltiplas características do câncer, aumentando a eficácia e reduzindo as chances de resistência ao tratamento​.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/