ÁCIDOS BILIARES ELEVADOS NA DOENÇA DE PARKINSON

A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum (após Alzheimer), afetando cerca de 1% da população com mais de 60 anos de idade. É clinicamente caracterizada por sintomas motores e não motores. Algumas características não motoras da DP começam muitos anos antes do início dos sintomas motores; um dos primeiros sintomas é a constipação, apontando para um envolvimento precoce do trato gastrointestinal (GI).

A α-sinucleína agregada (α-syn), uma característica patológica da DP, é aparente no trato GI de pacientes com DP prodrômica (fase que antecede o diagnóstico da doença). No estado prodrômico da DP, o processo da doença limita-se à região inferior do tronco cerebral e se associa a algumas condições específicas não motoras, tais como constipação, depressão e sonolência diurna.

A α-syn se agrega no intestino de modelos animais experimentais e foi relatado que se propaga para o cérebro e induz neurodegeneração nigral e disfunções motoras e não motoras semelhantes à DP. Recentemente, o apêndice foi implicado como um local do trato GI que poderia contribuir para a patogênese da DP. O apêndice contém uma abundância de α-syn agregado, particularmente em nervos entéricos, com pacientes com DP tendo maiores quantidades desses agregados. A remoção do apêndice foi associada a um risco reduzido de DP em alguns, mas não em todos, estudos epidemiológicos.

O apêndice é um órgão imunológico que também atua como um depósito para a microbiota intestinal. A microbiota intestinal é o conjunto de microorganismos que colonizam o intestino. A composição da microbiota varia com o grau de estresse, consumo de drogas, medicamentos, com a atividade física, a genética e a dieta. A microbiota intestinal e seus metabólitos estão sendo cada vez mais reconhecidos como cruciais para a saúde do cérebro.

Numerosos estudos relatam mudanças na microbiota nas fezes de pacientes com DP em comparação com controles saudáveis. Mudanças no microbioma do apêndice podem ter um efeito generalizado na microbiota do intestino, o que pode ser refletido em mudanças na microbiota das fezes. Além disso, a inflamação na periferia e no cérebro foi proposta como tendo um papel central na DP, e o microbioma e o sistema imunológico do hospedeiro têm uma relação efetiva bidirecional.

Uma função importante da microbiota intestinal é seu envolvimento na biotransformação de ácidos biliares. Os ácidos biliares auxiliam na absorção de lipídios da dieta e afetam a homeostase da glicose, inflamação, funções gastrointestinais, bem como a integridade da barreira hematoencefálica e sinalização no cérebro. No fígado, os ácidos biliares primários são sintetizados a partir do colesterol. Após serem liberados da vesícula biliar, a maioria dos ácidos biliares primários é reabsorvida no íleo para transporte de volta ao fígado.

Os ácidos biliares primários restantes que entram no intestino grosso são convertidos pela microbiota (em grande parte por aqueles nos clusters XIVa e XI de Clostridium) em ácidos biliares secundários — ácido desoxicólico (DCA), ácido litocólico (LCA) e ácido ursodesoxicólico (UDCA).

Li e colaboradores (2021) realizaram uma análise da microbiota e dos ácidos biliares no apêndice de pacientes com DP. Encontraram disbiose microbiana afetando o metabolismo lipídico, incluindo uma regulação positiva de bactérias responsáveis ​​pela síntese secundária de ácido biliar. Os ácidos biliares tóxicos derivados de micróbios estavam aumentados na DP, o que sugere que as anormalidades biliares podem desempenhar um papel na patogênese da DP. Observaram aumento de ácido litocólico e o DCA, ácidos biliares hidrofóbicos, que são citotóxicos em concentrações fisiológicas elevadas. Aumentos em LCA e DCA foram implicados em inflamação intestinal, lesão hepática, colestase e formação de cálculos biliares.

Análise metatranscriptônica da microbiota do apêndice de pacientes com doença de Parkinson (Li et al., 2021)

Tratar a disbiose intestinal é fundamental. Bactérias produtaras e metano estão associadas a IMO e obstipação intestinal. Se você sofre de constipação (intestino preso) comece a cuidar melhor do seu intestino, pois ela precede alterações neurodegenerativas em muitos anos.

PRECISA DE AJUDA? MARQUE AQUI SUA CONSULTA DE NUTRIÇÃO ONLINE

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Marcadores metabolômicos e cognição

A cognição prejudicada e a doença de Alzheimer (DA) pode se manifestar inicialmente com disfunções metabólicas distintas, começando décadas antes do diagnóstico da doença. Os métodos de classificação de doenças investigam principalmente padrões de conectividade estrutural e funcional de regiões cerebrais, exigindo neuroimagem complexa. Os marcadores metabolômicos estão atualmente sendo investigados, pois podem fornecer informações precoces sobre pacientes com alto risco de DA ou cognição prejudicada.

https://www.intechopen.com/chapters/62125

Proporção quinurenina/triptofano (KTR)

A quinurenina é o principal produto estável do triptofano. Pode ser metabolizada em hidroxiquinurenina, degradada em ácido antranílico ou desaminada em ácido quinurênico. A maior parte do triptofano no organismo (cerca de 95%) é metabolizada via quinurenina, que envolve as seguintes etapas:

  1. Triptofano → N-formilquinurenina: A enzima triptofano 2,3-dioxigenase (TDO) ou indoleamina 2,3-dioxigenase (IDO) converte o triptofano em N-formilquinurenina.

  2. N-formilquinurenina → Quinurenina: A N-formilquinurenina é rapidamente convertida em quinurenina.

  3. Quinurenina: A quinurenina pode ser convertida em vários metabólitos, incluindo ácido quinurênico (neuroprotetor), ácido 3-hidroxiquinurenina (neurotóxico), e ácido antranílico.

A via da quinurenina é ativada em situações de inflamação crônica, infecções, e em certas doenças neurodegenerativas. A enzima IDO é induzida por citocinas inflamatórias, como o IFN-γ, e está frequentemente aumentada em doenças inflamatórias e infecciosas.

Pensa-se que a proporção de quinurenina para triptofano (o KTR) estima a atividade da indolamina 2,3 dioxigenase (IDO) e a inflamação associada. Em condições normais, a enzima triptofano 2,3-dioxigenase (TDO) é utilizada; mas em condições inflamatórias, predomina a IDO.

O aumento do KTR foi associado à obesidade, doença renal, câncer, AIDS, gravidez, bem como redução da cognição, doença neurodegenerativa e distúrbios psicóticos. Além disso, o KTR teve uma correlação negativa significativa com o Mini-Mental State Exam (MMSE), um teste de função cognitiva. A perda de peso resulta em diminuição do KTR e da PCR (proteína C-reativa). Os probióticos também demonstraram diminuir o KTR.

Métodos de Avaliação da via do triptofano

  1. Dosagem de triptofano plasmático:

    • A concentração de triptofano pode ser medida no sangue para avaliar a disponibilidade desse aminoácido no organismo.

  2. Razão quinurenina/triptofano:

    • A razão entre quinurenina e triptofano é um marcador da atividade da IDO. Um aumento nessa razão é indicativo de maior conversão de triptofano via IDO, sugerindo inflamação ou ativação imunológica.

  3. Medição de metabólitos da quinurenina:

    • A dosagem dos metabólitos da quinurenina, como ácido quinurênico, ácido quinolínico, e 3-hidroxiquinurenina, pode fornecer informações sobre a ativação da via e a produção de compostos neuroprotetores ou neurotóxicos. Pode ser dosada na urina.

  4. Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC):

    • Este método é frequentemente usado para quantificar triptofano e seus metabólitos no sangue e no líquido cerebrospinal, sendo o método de escolha pela sua precisão e capacidade de diferenciar os diferentes compostos da via.

  5. Testes enzimáticos (IDO e TDO):

    • Pode-se medir a atividade das enzimas IDO e TDO, que catalisam a conversão do triptofano em quinurenina. Testes genéticos ou bioquímicos podem ajudar a entender a predisposição ou resposta individual em certas doenças.

Interpretação dos Resultados

  • Aumento da razão quinurenina/triptofano: Sugere maior ativação da via IDO, possivelmente em resposta a inflamação, infecções ou condições como câncer.

  • Elevação de metabólitos neurotóxicos (ácido quinolínico): Pode estar associada a neurodegeneração e inflamação no sistema nervoso central.

  • Baixos níveis de triptofano: Podem indicar desvio do triptofano para a via da quinurenina, com redução da disponibilidade de serotonina, contribuindo para distúrbios do humor e depressão.

Produção de Equol

Equol é um metabólito produzido por certos microorganismos intestinais a partir do substrato daidzeína, uma isoflavona de soja. A pesquisa sugeriu que o equol é antiaterogênico e melhora a rigidez arterial. Equol pode prevenir doenças cardíacas coronárias e comprometimento cognitivo/demência. Os produtores de Equol, em comparação com os não produtores, tiveram uma prevalência significativamente menor de cálcio na artéria coronária, que prediz eventos cardiovasculares futuros, independentemente de outros fatores de risco .

Comparado ao seu precursor daidzeína e outras isoflavonas de soja, o equol tem propriedades antioxidantes superiores, afinidade maior ou semelhante ao receptor de estrogênio beta (que é mais expresso na vasculatura e no cérebro do que nos tecidos reprodutivos) e uma maior capacidade de aumentar atividades mitocondriais. O status de produção de equol parece ser determinado pela presença de bactérias produtoras de equol específicas e não pela genética.

Bactérias Produtoras de Equol

As bactérias intestinais capazes de converter a genisteína em equol são principalmente anaeróbias e pertencem a grupos específicos. Abaixo estão algumas das principais bactérias produtoras de equol:

  1. Lactobacillus:

    • Algumas espécies deste gênero, como Lactobacillus acidophilus, têm demonstrado capacidade de produzir equol a partir de isoflavonas.

  2. Bifidobacterium:

    • Espécies do gênero Bifidobacterium, como Bifidobacterium breve e Bifidobacterium longum, também são conhecidas por sua capacidade de metabolizar genisteína em equol.

  3. Eubacterium:

    • Eubacterium limosum e outras espécies desse gênero têm sido identificadas como produtoras de equol.

  4. Eggerthella:

    • Eggerthella lenta é uma bactéria que tem a capacidade de converter isoflavonas em equol.

  5. Clostridium:

    • Algumas espécies de Clostridium, como Clostridium sporogenes, têm mostrado atividade na produção de equol.

  6. Slackia:

    • Slackia isoflavoniconvertens é uma bactéria específica identificada como produtora de equol, sendo uma das mais eficazes na conversão de isoflavonas em equol.

Análise de sais biliares

Um microbioma alterado é comum pacientes com comprometimento cognitivo leve amnésico e demência da doença de Alzheimer (DA). Com o uso de perfil de metabolômica por cromatografia líquida/cromatografia gasosa e espectrometria de massa é possível identificar metabólitos de triptofano, ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) e ácido litocólico, a maioria dos quais correlacionados com microbiota alterada e comprometimento cognitivo.

A avaliação dos ácidos biliares pode ser feita de várias formas:

Dosagem de ácidos biliares séricos: Esse exame mede a concentração de ácidos biliares no sangue e é útil em casos de doenças hepáticas colestáticas ou distúrbios biliares. Normalmente, os níveis são baixos no sangue, mas podem aumentar significativamente em condições de comprometimento hepático ou biliar.

Teste de ácidos biliares fecais: Usado para avaliar a má absorção de ácidos biliares no intestino, principalmente em doenças como a síndrome do intestino curto ou após cirurgias intestinais.

Teste de função hepática com ácidos biliares: Testes que avaliam a eficiência do fígado em metabolizar e secretar ácidos biliares, como o "SeHCAT" (ácido tautomérico de selênio), podem ser usados para detectar alterações no ciclo entero-hepático.

Perfis cromatográficos de ácidos biliares: Métodos como a cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) podem ser usados para identificar e quantificar diferentes tipos de ácidos biliares e seus derivados, ajudando a detectar alterações qualitativas no metabolismo biliar.

Interpretação dos resultados:

  • Elevação dos ácidos biliares no sangue: Geralmente indica problemas no fígado ou obstrução biliar. Em grávidas, pode sinalizar colestase intra-hepática.

  • Diminuição da excreção de ácidos biliares: Pode indicar má absorção intestinal ou insuficiência na secreção biliar.

  • Aumento dos ácidos biliares fecais: Frequentemente associado a má absorção de gorduras e doenças intestinais.

A avaliação deve ser contextualizada com outros parâmetros, como exames de função hepática (ALT, AST, GGT, bilirrubina), além de sintomas clínicos.

Razão Aβ42/40

A razão Aβ42/40 refere-se à proporção entre duas formas de peptídeos beta-amiloides, Aβ42 e Aβ40, que são comumente medidas no contexto da pesquisa e diagnóstico do declínio cognitivo leve (DCL) e da doença de Alzheimer (DA). Falo sobre o tema neste outro artigo.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Influência dos ácidos biliares no cérebro

O fígado é responsável pela produção de 90% dos ácidos biliares (AB) presentes no corpo humano. Enquanto os AB são produzidos como moduladores sistêmicos de processos fisiológicos pelo fígado (vias clássica e alternativa), os esteróis são produzidos como subprodutos do processo de depuração do colesterol no cérebro (via de depuração do colesterol neural).

Os AB primários produzidos pelo fígado são depositados na vesícula biliar e liberados no intestino mediante estimulação pelo hormônio da fome colecistocinina para emulsificação lipídica. Uma vez no trato gastrointestinal, os AB primários são prontamente desconjugados, desidroxilados ou desidrogenados por micróbios intestinais. As principais enzimas bacterianas envolvidas no processo estão listadas na pate inferior da imagem abaixo.

Esses AB modificados no intestino (AB secundários) podem prosseguir para exercer seus efeitos como um modulador negativo da função intestinal por meio de vias do receptor de ácido biliar [receptor acoplado à proteína G Takeda 5 (TGR5) e sinalização do receptor farnesoide X (FXR)] ou composição do microbioma intestinal. Depois disso, os AB podem ser reabsorvidos passivamente no fígado para posterior conjugação com taurina ou glicina e entrar na circulação sistêmica e no sistema nervoso central por meio de difusão simples ou transportadores de AB presentes na barreira hematoencefálica (NTCP, peptídeo de cotransporte de taurocolato de sódio; OATP, polipeptídeos transportadores de ânions orgânicos; ASBT, transportador apical de ácido biliar de sódio).

O 24-hidroxicolesterol (24-OHC) produzido pela via de depuração do colesterol neural regula negativamente o metabolismo do colesterol no cérebro, enquanto a função fisiológica dos AB sistêmicos no sistema nervoso não está clara. Os AB podem ser transportados de volta para o intestino (ASBT, OATP e OSTα/β, transportador de soluto orgânico α e β) e posteriormente sulfatados pela sulfotransferase (SULT) ou hidroxilados pelo citocromo P450, família 2, subfamília a, polipeptídeo 4 (CYP3A4) para desintoxicação ou eliminação por meio de excreção fecal.

Função dos ácidos Biliares no cérebro

Os ácidos biliares ligam-se a receptores farnesoide X (FXR), especialmente no córtex cerebral, regulando neurotransmissores. A deleção de genes que condificam estes receptores gera redução de neurotransmissores, perda cognitiva e de coordenação motora.

Quando os ácidos biliares ligam-se ao receptor acoplado à proteína G Takeda 5 (TGR5), com maior expressão cerebral nos astrócitos e células da glia, promovem redução de citocinas pró-inflamatórias. Já a ligação ao receptor de GABA promove melhoria do humor. Outros receptores também são estudados (Monteiro-Cardoso, Corliano, & Singaraja, 2021).

Ácidos biliares e doenças neurodegenerativas

Como ácidos bililares reduzem declínio cognitivo, especialmente pelo controle do estresse oxidativo e neuroinflamação, o desequilíbrio associa-se a doenças como Parkinson, Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Por isso, a suplementação de ácidos biliares como TUDCA vem sendo indicada.

Como ácidos bililares reduzem declínio cognitivo, especialmente pelo controle do estresse oxidativo e neuroinflamação, o desequilíbrio associa-se a doenças como Parkinson, Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Por isso, a suplementação de TUDCA vem sendo indicada. Contudo, deve-se acompanhar enzimas hepáticas e não deve ser usada em pacientes com problemas no fígado. É possível fazer dosagem de ácidos biliares secundários no líquor.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/