CRISPR-cas9 e a engenharia do microbioma

Os humanos nunca estão sozinhos. Mesmo em uma sala sem outras pessoas, eles estão sempre na companhia de bilhões de seres microscópicos. Ao residir dentro e sobre o corpo humano, essas bactérias, fungos e vírus formam ecossistemas complexos que exercem efeitos poderosos em uma série de condições de saúde, como respostas antitumorais, doenças inflamatórias intestinais e saúde mental.

Com efeitos tão marcantes, muitos cientistas veem a modulação dos microbiomas como uma via promissora para melhorar a saúde e o bem-estar humanos. Nos últimos anos, pesquisadores mostraram que ajustar os genomas de microrganismos residentes oferece novas maneiras de tratar e diagnosticar doenças.

Podemos usar a tecnologia CRISPR para estudar interações microbianas e projetar bactérias benéficas. CRISPR é um acrônimo para Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, que em português significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas. Simplificando, CRISPR é como uma tesoura molecular super precisa, capaz de cortar e editar o DNA de qualquer organismo.

Como funciona a tecnologia CRISPR?

O sistema CRISPR foi originalmente descoberto em bactérias como um mecanismo de defesa contra vírus. Essas bactérias armazenam fragmentos do DNA viral em seu próprio genoma, criando uma espécie de "memória imunológica".

Cientistas utilizam a técnica CRISPR para editar genes. Utilizam uma molécula de RNA (ácido ribonucleico) como um guia, que direciona a enzima Cas9 (uma espécie de tesoura molecular) para um local específico do DNA. Uma vez no local certo, a Cas9 corta a dupla hélice de DNA, permitindo que novos segmentos de DNA sejam inseridos, removidos ou substituídos.

Acompanhe a figura acima:

(1) Seleção de um micróbio específico, como uma espécie bacteriana, para manipulação genética mediada por CRISPR.

(2) Administração de componentes do sistema CRISPR usando diferentes métodos, incluindo conjugação, transformação por choque térmico ou eletroporação e transdução por bacteriófagos.

(3) Fornecimento da sequência que codifica todos os componentes CRISPR, uma proteína Cas e um RNA guia, no micróbio alvo.

(4) Alternativamente, cientistas cooptam a maquinaria CRISPR endógena da bactéria e fornecem apenas o RNA guia.

(5) Edição do material genético do micróbio ou quebras irreparáveis ​​que levam à degradação do mesmo.

(6) Em bactérias, os cientistas modificam o DNA plasmídeo ou cromossômico do micróbio. Em comunidades microbianas complexas, como o microbioma intestinal, bactérias projetadas por CRISPR têm múltiplas aplicações.

(7) Bactérias probióticas projetadas produzem moléculas moduladoras para combater doenças e restaurar a flora intestinal.

(8) Como um antimicrobiano, o CRISPR tem como alvo o DNA de uma cepa bacteriana patogênica.

(9) Ao editar bactérias intestinais comensais por CRISPR, os cientistas modulam os efeitos desses micróbios no microbioma e influenciam processos relacionados a doenças, como inflamação.

Tecnologia CRISPR e engenharia de probióticos

CRISPR-Cas pode ser usado para modificar cepas probióticas para produzir metabólitos ou enzimas específicas que tenham benefícios terapêuticos. Por exemplo, probióticos projetados podem produzir quantidades maiores de ácidos graxos de cadeia curta, conhecidos por suas propriedades anti-inflamatórias.

Os probióticos também podem ser projetados para serem mais resistentes a condições adversas, como ácido estomacal e bile, garantindo sua sobrevivência e entrega ao intestino. Além disso, o CRISPR-Cas pode ser usado para criar probióticos que podem atingir áreas específicas do intestino, como o intestino delgado ou cólon, onde são mais necessários.

A adaptar os probióticos às necessidades individuais com base em sua composição genética e condições de saúde, o CRISPR-Cas pode permitir a medicina personalizada na saúde intestinal.

Aplicações potenciais dos probióticos projetados pelo CRISPR-Cas

  • Distúrbios digestivos: os probióticos podem ser projetados para tratar condições como síndrome do intestino irritável (SII), doença inflamatória intestinal (DII) e constipação.

  • Doenças metabólicas: probióticos projetados podem ajudar a controlar a obesidade, diabetes e outros distúrbios metabólicos influenciando a composição e a função da microbiota intestinal.

  • Distúrbios imunológicos: probióticos podem ser projetados para modular o sistema imunológico e tratar doenças autoimunes ou alergias.

  • Saúde mental: pesquisas emergentes sugerem uma ligação entre a saúde intestinal e a saúde mental. Probióticos projetados podem ser usados ​​para tratar condições como ansiedade e depressão.

Obviamente, garantir a segurança dos probióticos projetados é crucial. Testes rigorosos e supervisão regulatória são essenciais. Aprenda mais sobre microbiota intestinal neste curso online.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Lesão de ligamentos e disbiose intestinal

Lesões de ligamentos não são apenas lesões de ligamentos. Elas também alteram a microbiota intestinal. As lesões geram inflamação, dor crônica, estresse psicológico. Em um estudo da Universidade Ritsumeikan, no Japão, os pesquisadores descobriram que atletas com histórico de lesões ligamentares tinham menor riqueza de microbiota intestinal em comparação com atletas saudáveis, fornecendo evidências de que estas lesões, embora sejam locais, podem afetar a saúde global (Terada et al., 2021).

Os entorses laterais de tornozelo (ELT), que ocorrem quando os ligamentos na parte externa do tornozelo são alongados além de seus limites, estão entre as lesões mais comuns em uma ampla variedade de esportes e atividades da vida diária. Infelizmente, a maioria das pessoas tende a minimizar a gravidade dos ELT e a desconsiderá-la como um problema menor – que não requer nenhum acompanhamento.

Após um ELT, os indivíduos sofrem de várias deficiências sensoriais-perceptivas e motoras-comportamentais. Desde problemas no envio de sinais do cérebro para as extremidades inferiores até alterações na estrutura do cerebelo (a parte do cérebro envolvida no controlo motor). As consequências da negligência no tratamento podem ser dores duradouras no tornozelo, fraqueza e incapacidade, além de transtornos gastrointestinais persistantes.

O estudo - lesões ligamentares x microbiota

Os pesquisadores recrutaram participantes do sexo masculino de equipes atléticas universitárias. Eles selecionaram 32 atletas com histórico de ELT para o grupo caso e 18 atletas sem histórico de ELT ou qualquer outra lesão musculoesquelética, como grupo controle. Depois de receber amostras fecais dos participantes, os pesquisadores utilizaram ensaios de extração de DNA para analisar a composição da microbiota intestinal.

Eles descobriram que os atletas com histórico de ELT tinham menos biodiversidade na microbiota intestinal em comparação com o grupo de controle. Embora os mecanismos subjacentes precisos por detrás destas alterações da microbiota permaneçam desconhecidos, os investigadores especulam que poderão estar intimamente relacionados com os efeitos neurais do ELT, com o aumento do stress psicológico e/ou com uma possível via de “comunicação” entre a microbiota intestinal e as articulações, que poderia causar a proliferação seletiva de certas bactérias que promovem a inflamação.

A comprovação das associações entre o ELT e a microbiota intestinal dão um passo significativo no desenvolvimento de estratégias destinadas a prevenir consequências negativas a longo prazo. A equipa prevê que, no futuro, o microbioma intestinal será incorporado como um elemento de gestão personalizada de atletas.

Por exemplo, a abundância de Bacteroides Fragilis e Ruminococcus Gnavus (bactérias que produzem compostos pró-inflamatórios) poderia ser usada como biomarcador para identificar pacientes com lesões ligamentares com recuperação incompleta da lesão.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Alterações do metabolismo energético cerebral no transtorno afetivo bipolar

Por mais de um século, a desregulação energética cíclica foi reconhecida como um déficit central no transtorno afetivo bipolar (TAB) e foi descrita já em 1854 por Jean Pierre Falret em seu artigo seminal “la folie circulaire”. Emil Kraepelin observou em 1921 que durante a depressão bipolar “a ausência total de energia é especialmente evidente”. Ele também observou que durante a mania os pacientes exibem uma “energia colossal para o trabalho”, com atividade que prejudica as noites de sono.

Desde então, mais de um século de pesquisas científicas fundamentaram essas primeiras observações clínicas. Mudanças significativas no ritmo circadiano, repouso, movimento e atividade psicomotora indicam uma desregulação da geração e gasto de energia em pacientes diagnosticados com TAB. Fabricamos energia nas mitocôndrias e dados metabolômicos e de imagem indicam um papel significativo da disfunção mitocondrial no transtorno bipolar, representando alterações na produção de energia no nível celular.

Relatos de experiências vividas por pacientes com TAB relatam consistentemente mudanças no nível de energia como uma característica central da doença. Quando questionados sobre a primeira indicação perceptível de início de mania, os pacientes relataram “mudança no nível de energia” mais do que qualquer outro sintoma. Por isso, muitas pessoas com transtorno bipolar em estados maníacos, hipomaníacos e mistos praticam muito mais atividade física do que pessoas que estão deprimidas. A compulsão pelo exercício pode gerar exaustão e falta de energia, uma característica da depressão bipolar.

Comprometimento do metabolismo energético cerebral

O metabolismo da glicose e seus mecanismos reguladores desempenham um papel central na produção de energia (ATP) no corpo e no cérebro, fornecendo combustível para a fosforilação oxidativa nas mitocôndrias. A disfunção metabólica caracterizada por metabolismo anormal da glicose, disfunção mitocondrial e resistência à insulina (RI) são cada vez mais reconhecidas como características importantes na fisiopatologia do transtorno bipolar.

A geração de ATP nas mitocôndrias depende em grande parte da fosforilação oxidativa impulsionada pelo metabolismo da glicose. Evidências de espectroscopia de ressonância magnética [MRS], tomografia por emissão de pósitrons [PET] e metabolômica do sangue indicam que o metabolismo da glicose está prejudicado ou desregulado no transtorno bipolar.

O metabolismo cerebral da glicose envolve vários processos inter-relacionados pelos quais o cérebro obtém energia da glicose. Estes incluem a captação de glicose através da barreira hematoencefálica, a glicólise, que decompõe a glicose em piruvato enquanto produz energia na forma de ATP; e fosforilação oxidativa, em que o piruvato é convertido em acetil-CoA, que entra no ciclo do ácido cítrico, impulsionando a geração de ATP na cadeia de transporte de elétrons. As principais características do metabolismo desregulado da glicose observadas no transtorno bipolar são o comprometimento da fosforilação oxidativa - que é responsável pela parte mais significativa do metabolismo da glicose em condições normais - e a regulação positiva da glicólise.

A glicólise é um processo menos eficiente que a fosforilação oxidativa, produzindo apenas 2 ATP por molécula de glicose em comparação com até 36 ATP da fosforilação oxidativa. No entanto, a glicólise pode metabolizar a glicose a uma taxa muito mais rápida, permitindo ao cérebro entrar em estados de hipermetabolismo. A regulação positiva da glicólise a longo prazo em resposta à fosforilação oxidativa prejudicada representa uma adaptação patológica que ocorre em condições de disfunção mitocondrial.

Campbell, I.H., Campbell, H. The metabolic overdrive hypothesis: hyperglycolysis and glutaminolysis in bipolar mania. Mol Psychiatry 29, 1521–1527 (2024). https://doi.org/10.1038/s41380-024-02431-w

O metabolismo cerebral prejudicado da glicose também foi observado na depressão unipolar e pode, portanto, representar um marcador de déficit energético comum a vários tipos de depressão. Contudo, a desregulação do metabolismo cerebral relacionada com o humor, e não simplesmente o comprometimento crônico, parece caracterizar a perturbação bipolar. Pesquisa comparando a taxa metabólica cerebral entre estados de humor (deprimido, eutímico e maníaco) no transtorno bipolar e na depressão unipolar (deprimido e estados eutímicos) relataram um aumento significativo na taxa metabólica ao passar da depressão bipolar para o estado eutímico ou maníaco. E nenhuma mudança geral significativa na depressão unipolar ao passar do estado deprimido para o estado eutímico.

Um estudo mostrou taxas metabólicas médias do cérebro 36% mais altas na hipomania em relação aos dias de depressão. Essas características metabólicas do transtorno bipolar parecem ter uma raiz comum na disfunção dos mecanismos de sinalização da insulina, resultando em estados alternados de hipometabolismo e hipermetabolismo da glicose no cérebro.

O aumento do lactato (sangue, imagens cerebrais e líquido cefalorraquidiano) é o biomarcador mais significativamente alterado em pacientes bipolares. Indica disfunção mitocondrial. O lactato é gerado através da glicólise e, portanto, é indicativo de comprometimento da fosforilação oxidativa e aumento da produção de energia glicolítica. Outro ponto é o aumento do glutamato cerebral, uma característica central da fisiopatologia do transtorno bipolar.

Papel do glutamato no transtorno bipolar

O glutamato é um neurotransmissor excitatório. Também parece ter um papel adicional importante no transtorno bipolar, atuando como substrato energético alternativo para o ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) através da glutaminólise, onde é convertido em alfa-cetoglutarato intermediário do ciclo de Krebs para a produção de energia.

A utilização do glutamato como substrato alternativo para a produção de energia através deste mecanismo ocorre normalmente sob condições de fosforilação oxidativa prejudicada e aumento da glicólise compensatória. No cérebro, o glutamato denovo é gerado nos astrócitos e foi levantada a hipótese de que o glutamato gerado através da atividade da piruvato-carboxilase nos astrócitos pode ser responsável pelos níveis elevados de glutamato no transtorno bipolar.

Outra condição em que glutamato e lactato pode estar alterada é a epilepsia. Por isso, tanto pacientes com epilepsia, quanto pacientes com TAB são tratados com anticonvulsivantes e dieta cetogênica. A dieta ajuda a reduzir lactato e glutamato cerebral nestes pacientes, ajudando a melhorar humor e a reduzir ansiedade e impulsividade.

Os corpos cetônicos, incluindo o beta-hidroxibutirato e o acetoacetato, atuam como substratos energéticos alternativos no cérebro e demonstraram ter efeitos neuroprotetores na epilepsia e outras condições neurológicas, incluindo TAB. Mudanças significativas no metabolismo neuronal, na glicólise e no metabolismo do glutamato ocorrem no estado de cetose. Um estudo conduzido na França (imagem acima) mostrou que o a dieta cetogênica reduz sintomas depressivos dos pacientes, além de melhorar o metabolismo geral. A dificuldade maior foi a adesão à dieta restrita em carboidratos (Danan et al., 2021). Uma alternativa seria uma dieta low carb suplementada de TCM e cetonas exógenas. Conduto, poucos países possuem cetonas exógenas disponíveis. Um deles é os Estados Unidos e outro é a Inglaterra.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/