Alterações do metabolismo energético cerebral no transtorno afetivo bipolar

Por mais de um século, a desregulação energética cíclica foi reconhecida como um déficit central no transtorno afetivo bipolar (TAB) e foi descrita já em 1854 por Jean Pierre Falret em seu artigo seminal “la folie circulaire”. Emil Kraepelin observou em 1921 que durante a depressão bipolar “a ausência total de energia é especialmente evidente”. Ele também observou que durante a mania os pacientes exibem uma “energia colossal para o trabalho”, com atividade que prejudica as noites de sono.

Desde então, mais de um século de pesquisas científicas fundamentaram essas primeiras observações clínicas. Mudanças significativas no ritmo circadiano, repouso, movimento e atividade psicomotora indicam uma desregulação da geração e gasto de energia em pacientes diagnosticados com TAB. Fabricamos energia nas mitocôndrias e dados metabolômicos e de imagem indicam um papel significativo da disfunção mitocondrial no transtorno bipolar, representando alterações na produção de energia no nível celular.

Relatos de experiências vividas por pacientes com TAB relatam consistentemente mudanças no nível de energia como uma característica central da doença. Quando questionados sobre a primeira indicação perceptível de início de mania, os pacientes relataram “mudança no nível de energia” mais do que qualquer outro sintoma. Por isso, muitas pessoas com transtorno bipolar em estados maníacos, hipomaníacos e mistos praticam muito mais atividade física do que pessoas que estão deprimidas. A compulsão pelo exercício pode gerar exaustão e falta de energia, uma característica da depressão bipolar.

Comprometimento do metabolismo energético cerebral

O metabolismo da glicose e seus mecanismos reguladores desempenham um papel central na produção de energia (ATP) no corpo e no cérebro, fornecendo combustível para a fosforilação oxidativa nas mitocôndrias. A disfunção metabólica caracterizada por metabolismo anormal da glicose, disfunção mitocondrial e resistência à insulina (RI) são cada vez mais reconhecidas como características importantes na fisiopatologia do transtorno bipolar.

A geração de ATP nas mitocôndrias depende em grande parte da fosforilação oxidativa impulsionada pelo metabolismo da glicose. Evidências de espectroscopia de ressonância magnética [MRS], tomografia por emissão de pósitrons [PET] e metabolômica do sangue indicam que o metabolismo da glicose está prejudicado ou desregulado no transtorno bipolar.

O metabolismo cerebral da glicose envolve vários processos inter-relacionados pelos quais o cérebro obtém energia da glicose. Estes incluem a captação de glicose através da barreira hematoencefálica, a glicólise, que decompõe a glicose em piruvato enquanto produz energia na forma de ATP; e fosforilação oxidativa, em que o piruvato é convertido em acetil-CoA, que entra no ciclo do ácido cítrico, impulsionando a geração de ATP na cadeia de transporte de elétrons. As principais características do metabolismo desregulado da glicose observadas no transtorno bipolar são o comprometimento da fosforilação oxidativa - que é responsável pela parte mais significativa do metabolismo da glicose em condições normais - e a regulação positiva da glicólise.

A glicólise é um processo menos eficiente que a fosforilação oxidativa, produzindo apenas 2 ATP por molécula de glicose em comparação com até 36 ATP da fosforilação oxidativa. No entanto, a glicólise pode metabolizar a glicose a uma taxa muito mais rápida, permitindo ao cérebro entrar em estados de hipermetabolismo. A regulação positiva da glicólise a longo prazo em resposta à fosforilação oxidativa prejudicada representa uma adaptação patológica que ocorre em condições de disfunção mitocondrial.

Campbell, I.H., Campbell, H. The metabolic overdrive hypothesis: hyperglycolysis and glutaminolysis in bipolar mania. Mol Psychiatry 29, 1521–1527 (2024). https://doi.org/10.1038/s41380-024-02431-w

O metabolismo cerebral prejudicado da glicose também foi observado na depressão unipolar e pode, portanto, representar um marcador de déficit energético comum a vários tipos de depressão. Contudo, a desregulação do metabolismo cerebral relacionada com o humor, e não simplesmente o comprometimento crônico, parece caracterizar a perturbação bipolar. Pesquisa comparando a taxa metabólica cerebral entre estados de humor (deprimido, eutímico e maníaco) no transtorno bipolar e na depressão unipolar (deprimido e estados eutímicos) relataram um aumento significativo na taxa metabólica ao passar da depressão bipolar para o estado eutímico ou maníaco. E nenhuma mudança geral significativa na depressão unipolar ao passar do estado deprimido para o estado eutímico.

Um estudo mostrou taxas metabólicas médias do cérebro 36% mais altas na hipomania em relação aos dias de depressão. Essas características metabólicas do transtorno bipolar parecem ter uma raiz comum na disfunção dos mecanismos de sinalização da insulina, resultando em estados alternados de hipometabolismo e hipermetabolismo da glicose no cérebro.

O aumento do lactato (sangue, imagens cerebrais e líquido cefalorraquidiano) é o biomarcador mais significativamente alterado em pacientes bipolares. Indica disfunção mitocondrial. O lactato é gerado através da glicólise e, portanto, é indicativo de comprometimento da fosforilação oxidativa e aumento da produção de energia glicolítica. Outro ponto é o aumento do glutamato cerebral, uma característica central da fisiopatologia do transtorno bipolar.

Papel do glutamato no transtorno bipolar

O glutamato é um neurotransmissor excitatório. Também parece ter um papel adicional importante no transtorno bipolar, atuando como substrato energético alternativo para o ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) através da glutaminólise, onde é convertido em alfa-cetoglutarato intermediário do ciclo de Krebs para a produção de energia.

A utilização do glutamato como substrato alternativo para a produção de energia através deste mecanismo ocorre normalmente sob condições de fosforilação oxidativa prejudicada e aumento da glicólise compensatória. No cérebro, o glutamato denovo é gerado nos astrócitos e foi levantada a hipótese de que o glutamato gerado através da atividade da piruvato-carboxilase nos astrócitos pode ser responsável pelos níveis elevados de glutamato no transtorno bipolar.

Outra condição em que glutamato e lactato pode estar alterada é a epilepsia. Por isso, tanto pacientes com epilepsia, quanto pacientes com TAB são tratados com anticonvulsivantes e dieta cetogênica. A dieta ajuda a reduzir lactato e glutamato cerebral nestes pacientes, ajudando a melhorar humor e a reduzir ansiedade e impulsividade.

Os corpos cetônicos, incluindo o beta-hidroxibutirato e o acetoacetato, atuam como substratos energéticos alternativos no cérebro e demonstraram ter efeitos neuroprotetores na epilepsia e outras condições neurológicas, incluindo TAB. Mudanças significativas no metabolismo neuronal, na glicólise e no metabolismo do glutamato ocorrem no estado de cetose. Um estudo conduzido na França (imagem acima) mostrou que o a dieta cetogênica reduz sintomas depressivos dos pacientes, além de melhorar o metabolismo geral. A dificuldade maior foi a adesão à dieta restrita em carboidratos (Danan et al., 2021). Uma alternativa seria uma dieta low carb suplementada de TCM e cetonas exógenas. Conduto, poucos países possuem cetonas exógenas disponíveis. Um deles é os Estados Unidos e outro é a Inglaterra.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Supercrescimento de metanogênio intestinal

O supercrescimento de metanogênio intestinal (IMO) ocorre quando arqueas produtoras de metano são encontradas nos intestinos. Esses microrganismos nocivos podem causar uma série de sintomas digestivos que muitas vezes não são diagnosticados ou são diagnosticados erroneamente.

Os altos níveis de arqueas nos intestinos geram flatulência, especialmente após o consumo de carboidratos. A fermentação excessiva pode gerar danos às células do intestino e pode causar má absorção, impedindo o corpo de utilizar adequadamente os nutrientes. Como os alimentos não estão se decompondo adequadamente no trato digestivo, isso causa uma série de problemas de digestão conforme o corpo processa.

Predisposição ao crescimento de arqueas

Alguns grupos de pessoas têm uma predisposição maior do que outros ao desenvolvimento de IMO. Os principais fatores de risco incluem:

  • Síndrome do Intestino Irritável (Ndong et al., 2023).

  • Patologias anatômicas/estruturais dentro do trato intestinal, como divertículos, estenoses, alças cegas como síndrome do intestino curto (SBS), aderências de cirurgia abdominal e fístulas (mais comuns em doenças inflamatórias intestinais).

  • Distúrbios de motilidade do trato digestivo como resultado de gastroparesia, doença celíaca ou outras doenças que podem afetar o complexo motor migratório.

  • Doenças metabólicas como Diabetes Mellitus Tipo 2, ou hipocloridria ou baixo ácido estomacal.

  • A população idosa tem um risco aumentado.

  • Outras doenças como doenças hepáticas e renais, pancreatite, doença de Crohn, desnutrição.

  • Medicamentos como antibióticos e medicamentos que suprimem a produção de ácido estomacal, como inibidores da bomba de prótons e bloqueadores H2 (2).

  • Mutação genética de FUT2. Este gene (fucosiltransferase 2) impacta a composição da microbiota intestinal. O gene está envolvido na produção de carboidratos (fucoligossacarídeos) que podem servir de alimento para arqueas. Pouca arquea no intestino é até benéfica, mas um excesso atrapalha a motilidade intestinal e associa-se a condições como prisão de ventre e excesso de gases.

Diagnóstico da IMO

Os organismos IMO criam gás metano como um subproduto. O principal organismo no corpo humano que causa IMO é Methanobrevibacter smithii. Esse organismo usa o gás hidrogênio (H2) dos organismos Ruminococcus e Chrisensenella e o consome para produzir seu gás metano. Esse gás metano (CH4) causa danos a alguns nervos nos intestinos, o que reduz ainda mais o tempo de trânsito/motilidade, o que por sua vez causa mais danos e sintomas.

A cultura de fezes convencional não é eficaz para avaliação de crescimento de arqueas no intestino. O antigo padrão ouro de teste de IMO era uma endoscopia com cultura. Este procedimento é caro e era notoriamente impreciso.

Desta forma, indica-se a análise metanogênica. O diagnóstico é feito pela ingestão de lactulose e avaliação da quantidade de hidrogênio e metano exalados. Um dia antes do teste há necessidade de mudar a dieta. Os pacientes podem comer peru, frango ou peixe apenas assado ou cozido e temperado apenas com sal e pimenta. O paciente também pode comer arroz branco, cozido e temperado da mesma forma. Nas últimas 12 horas antes do teste, o paciente precisa estar em jejum.

Durante esse período de 12 horas, o paciente só pode beber água e seus medicamentos prescritos, com excessão de microbianos e medicamentos laxativos, incluindo magnésio e qualquer alimento ou droga contendo cafeína. Estes devem ser suspensos. No laboratório, o paciente fornecerá uma amostra de base para o teste de bafômetro específico para SIBO e IMO. Em seguida, ele receberá uma bebida açucarada (geralmente Lactulose) que alimenta os microrganismos no intestino. Precisará ficar no laboratório por 3 horas pois irá fornecer nova amostra no bafômetro a cada 20 minutos. O teste monitora a bebida açucarada conforme ela viaja pelo trato digestivo e, se houver uma colônia de microrganismos que se alimentam da bebida, haverá um pico nos resultados de hidrogênio e/ou metano no teste respiratório.

Se o nível de hidrogênio atingir 20 PPM (partes por milhão) acima do número de base, SIBO pode ser diagnosticada com segurança. Ao observar os níveis de CH4 (metano), se estiverem acima de 10 PPM, o diagnóstico é de IMO. Se nenhum nível aumentar e ainda houver sintomas de SIBO/IMO, pode haver uma bactéria produtora de sulfeto de hidrogênio (H2S) que deve ser testada.

Diferenças de sintomas entre SIBO e IMO

SIBO, ou supercrescimento bacteriano do intestino delgado, é uma condição comum que pode ser a causa raiz de muitos sintomas intestinais. Embora tanto SIBO quanto IMO gerem distúrbios que podem cursar com arrotos, flatulência, dor de estômago, azia, ansiedade, fadiga e gases, IMO causa prisão de ventre (obstipação intestinal), enquanto SIBO geralmente causa diarreia. No entanto, como ambos são baseados em especibactérias ou arqueas, elas podem causar sintomas diferentes em pacientes diferentes.

Pacientes com IMO podem ter qualquer combinação ou gravidade de sintomas digestivos. Incluindo os mencionados anteriormente, eles também podem incluir náusea, fadiga, dores nas articulações ou músculos e problemas de pele.

Tratamento de SIBO e IMO

O tratamento tanto da SIBO quanto da IMO envolvem o uso de antibióticos, rifaximina para SIBO e rifaximina + neomicina para IMO. O uso de antibióticos alivia os sintomas rapidamente.

A rifamixina é única porque não é absorvida diretamente na corrente sanguínea. Isso permite que ela tenha um impacto mais forte no intestino delgado. Infelizmente, todo antibiótico elimina também bactérias boas do intestino. Assim, em muitos pacientes, os sintomas acabam retornando.

Por isso, após a finalização do antibiótico podem ser necessários o uso de suplementos contendo enzimas digestivas, magnésio, antiinflamatórios naturais, antimicrobianos naturais (alicina, Foeniculum vulgare), procinéticos naturais (gengibre, 5htp, hortelã-pimenta), probióticos e fibras prebióticas.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

O que altera a bioenergética cerebral?

A bioenergética cerebral refere-se aos processos metabólicos que fornecem energia para o funcionamento do cérebro. Essa energia é essencial para todas as atividades cerebrais, desde o pensamento e a memória até o controle motor e a emoção.

Quais são as causas de alteração da bioenergética cerebral?

As alterações na bioenergética cerebral podem ser causadas por uma variedade de fatores, incluindo:

  • Doenças neurodegenerativas: Doenças como o Alzheimer e o Parkinson estão associadas a disfunções nas mitocôndrias, as "usinas de energia" das células, levando a déficits energéticos no cérebro.

  • Traumatismo craniano: Lesões cerebrais traumáticas podem interromper o fornecimento de energia para as células cerebrais, causando danos a longo prazo.

  • Isquemia cerebral: A redução do fluxo sanguíneo para o cérebro, como em um acidente vascular cerebral, priva as células cerebrais de oxigênio e glicose, essenciais para a produção de energia.

  • Distúrbios metabólicos: Doenças como a diabetes e a hipertensão podem afetar o metabolismo cerebral e levar a alterações na bioenergética.

  • Envelhecimento: O envelhecimento natural está associado a uma diminuição gradual da função mitocondrial e da eficiência energética cerebral.

  • Fatores genéticos: Mutações em genes relacionados ao metabolismo energético podem predispor indivíduos a doenças neurodegenerativas e outras condições.

Quais são as consequências das alterações na bioenergética cerebral?

As consequências das alterações na bioenergética cerebral podem variar dependendo da causa e da extensão do dano, mas podem incluir:

  • Dificuldades cognitivas: Dificuldade em se concentrar, perda de memória, problemas com a linguagem e dificuldades em tomar decisões.

  • Alterações de humor: Depressão, ansiedade, irritabilidade e outros distúrbios do humor.

  • Distúrbios do movimento: Dificuldade em coordenar movimentos, tremores e rigidez muscular.

  • Convulsões: Atividade elétrica anormal no cérebro.

  • Perda de consciência: Em casos graves, a alteração da bioenergética cerebral pode levar à perda de consciência e ao coma.

Como as alterações na bioenergética cerebral são diagnosticadas?

O diagnóstico de alterações na bioenergética cerebral pode envolver uma combinação de:

  • Exame físico: Avaliação dos sintomas neurológicos.

  • Exames de imagem: Tomografia computadorizada, ressonância magnética e PET-scan para avaliar a estrutura e o funcionamento do cérebro.

  • Exames de sangue: Para avaliar marcadores de inflamação e disfunção metabólica.

  • Exames genéticos: Para identificar mutações genéticas relacionadas ao metabolismo energético.

Quais são as opções de tratamento?

O tratamento das alterações na bioenergética cerebral depende da causa subjacente e pode incluir:

  • Medicamentos: Para tratar os sintomas e as causas subjacentes, como medicamentos para controlar a pressão arterial, melhorar a sensibilidade à insulina, reduzir o colesterol e prevenir a coagulação sanguínea.

  • Terapia: Fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia para ajudar a recuperar as funções perdidas.

  • Cirurgia: Em alguns casos, a cirurgia pode ser necessária para remover tumores ou reparar vasos sanguíneos danificados.

  • Mudanças no estilo de vida: Exercício regular e controle do estresse podem ajudar a melhorar a função cerebral e prevenir o declínio cognitivo.

  • Dieta cetogênica: a bioenergética é alterada em pessoas com resistência insulínica cererebral. A dieta cetogênica possui muito baixo teor de carboidratos, moderado de proteína e alto em gorduras. Na ausência de carboidratos o cérebro é forçado a usar corpos cetônicos (especialmente β-hidroxibutirato) como fonte energética. A exposição ao β-hidroxibutirato aumenta a massa mitocondrial e melhora a bioenergética por meio do eixo AMPK-SIRT-PGC1α-UCP (Hasan-Olive et al., 2019).

A bioenergética cerebral é um campo de pesquisa em constante evolução e novas terapias estão sendo desenvolvidas. Aprenda mais em https://t21.video.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/