Disfunção mitocondrial e dieta cetogênica no TEA

Indivíduos com TEA apresentam, frequentemente, produção de energia mitocondrial prejudicada, com a presença de biomarcadores mitocondriais anormais no plasma, incluindo níveis elevados de ácido lático e razão lactato/piruvato (Oh, Kim, & Yoo, 2020).

Um dos mecanismos envolvidos no estresse oxidativo aumentado é a alteração da cadeia de transporte de elétrons mitocondrial, incluindo deficiências de complexos mitocondriais. Isto gera mais estresse oxidativo e neuroinflamação (Hassan et al., 2021).

Uma alteração genética a ser pesquisada é a do gene NQO1. Este gene, NAD(P)H quinona desidrogenase 1 reduz ubiquinona a ubiquinol, reduz a formação de radicais livres e previne o estresse oxidativo (Liu et al., 2020). NQO1 também possui papeis na defesa celular, na destoxificação e na estabilização do p53, gene importante para proteção celular e prevenção do câncer.

O NQO1 é induzido pelo Nrf2 (fator nuclear derivado do eritroide 2), um regulador celular na produção de antioxidantes. Para aumentar Nrf2, estimular NQO1 e reduzir o estresse oxidativo no autismo podemos incluir na dieta alimentos mais ricos em quercetina (cebola, maçã com casca, uvas vermelhas), alicina do alho e cebola, flavonoides das frutas vermelhas, roxas e pretas, compostos fenólicos e terpenóides das ervas e especiarias, alimentos contendo probióticos para aumento da produção de butirato no intestino, sulforafano das brássicas, como brócolis.

Outra forma de reduzir o estresse oxidativo cerebral é com o aumento dos corpos cetônicos, especialmente β-hidroxibutirato. Corpos cetônicos são produzidos quando a dieta é limitada em carboidratos e o corpo vê-se obrigado a utililizar gordura como fonte de energia (Greco et al., 2016).

Corpos cetônicos, especialmente o β-hidroxibutirato, atravessam a barreira hematoencefálica e substituem a glicose como combustível para o cérebro. No processo, reduzem a inflamação e o estresse oxidativo cerebral. Por isso, frequentemente são indicados no tratamento da epilepsia refratária. É frequente que antes de uma crise convulsiva, o estresse oxidativo induza mudanças neurológicas, neuroinflamação e neurodegeneração (Qi et al., 2022).

Na população típica, menos de 1% das pessoas apresentam convulsões, mas estas acontecem em até 26% das pessoas com autismo (Viscidi et al., 2013). Mesmo aquelas que não apresentam convulsões tendem a ter maior produção de radicais livres e neuroinflamação (Usui, Kobayashi, & Shimada, 2023).

Os corpos cetônicos aumentam a produção de trifosfato de adenosina (ATP) por meio do ciclo de Krebs para gerar energia e equilibrar o metabolismo (Dhillon, & Gupta, 2023). Corpos cetônicos também reduzem as convulsões aumentando o metabolismo cerebral através da regulação de transcritos que codificam enzimas do metabolismo energético ou proteínas mitocondriais (Ruan, & Crawford, 2018).

Atividade anti-inflamatória e estresse oxidativo

Um dos fatores de risco para TEA em crianças é a ativação imune materna anormal. Mulheres que tiveram infecções podem produzir uma alta quantidade de anticorpos que afetam o neurodesenvolvimento dos seus bebês e aumentam o risco de TEA entre 12% e 79% e de depressão em até 24%. Sepse, gripes, pneumonia e mesmo infecções urinárias durante a gestação devem ser evitadas e tratadas rapidamente. A gravidade da infecção e o momento em que ocorre contam para o efeito. Infecções no primeiro trimestre de gravidez são menos arriscadas do que as do segundo e terceiro trimestres (Jiang et al., 2016).

Após o nascimento, é comum que pessoas com TEA apresentem mais inflamação. Algumas citocinas e quimiocinas, como interleucina 6 (IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e proteína quimiotática de monócitos-1 (MCP-1), são encontradas em níveis anormais em amostras de cérebro e líquido cefalorraquidiano (LCR) de indivíduos com TEA. Essas citocinas ativam a resposta imune através da via de sinalização do fator nuclear kappa-potenciador da cadeia leve das células B ativadas (NF-κB). A proteína NF-κB é hiperexpressa na micróglia madura em amostras cerebrais de pacientes com TEA, o que indica que a imunidade está ativa no cérebro de pacientes com TEA.

Também é comum que pacientes com TEA apresentaram níveis mais altos de oito citocinas no plasma em comparação com indivíduos de controle, assim como diminuição da capacidade antioxidante. Evidências mostram que as enzimas antioxidantes, incluindo superóxido dismutase e glutationa peroxidase, estão alteradas no TEA, o que aumenta a inflamação e associa-se com disfunção imunológica.

Dieta cetogênica no TEA

A dieta cetogênica reduz a neuroinflamação por meio da ativação do receptor gama ativado por proliferador de peroxissoma (PPARγ) e protege contra a morte celular neuronal induzida por excitotoxicidade. Os ácidos graxos ativam os PPARs, reguladores críticos do metabolismo lipídico.

A dieta cetogênica provavelmente normaliza a função mitocondrial estimulando a biogênese mitocondrial, diminuindo o estresse oxidativo e os níveis de fatores pró-apoptóticos, prevenindo alterações na permeabilidade mitocondrial e diminuindo a produção mitocondrial de radicais livres em neurônios neocorticais.

A Regulação dos Neurotransmissores no Cérebro

O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro e se origina da descarboxilação do glutamato. O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório no SNC. Pacientes com autismo frequentemente exibem níveis anormais de proteínas e RNAs mensageiros (mRNAs) associados ao sistema glutamato no cerebelo. A redução de GABA associa-se a um desempenho tátil ruim em comparação com crianças saudáveis.

Os triglicerídeos de cadeia média (TCM), muito presentes na dieta cetogênica, inibem diretamente os receptores de glutamato e reduzem as convulsões. Outros estudos descobriram que o beta-hidroxibutirato, produzido a partir do metabolismo do TCM e de outras gorduras, inibe a degradação do GABA nos astrócitos.

Os corpos cetônicos também podem inibir a via mTOR e exercer um efeito anticonvulsivante. A via de sinalização mTOR era hiperativa tanto em amostras de ASD post-mortem quanto em camundongos TSC2+/-, e o inibidor de mTOR, a rapamicina, corrigia comportamentos semelhantes ao TEA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Histórico da pesquisa mitocondrial no autismo

Douglas Wallace é um médico geneticista envolvido na pesquisa de mutações associadas a doenças mitocondriais em crianças. Fez descobertas importantes na área e acredita que as mitocôndrias são um fator negligenciado no autismo e em condições relacionadas, como a síndrome do X frágil.

As mitocôndrias geram energia, e o cérebro usa muito dela - cerca de 20%, pela maioria das estimativas. Portanto, faz sentido que mudanças nas mitocôndrias possam levar a mudanças na forma como o cérebro funciona ou se desenvolve e, pelo menos em alguns casos, ao autismo.

As pesquisas tentam mostrar que as diferenças mitocondriais são uma causa e não uma consequência do autismo. Para Wallace, mesmo que as mitocôndrias não sejam a causa do autismo (fatores genéticos contribuem mais), certamente são um contribuinte para as alterações comportamentais e biológicas.

A primeira sugestão de que as mitocôndrias estão ligadas ao autismo apareceu em 1985, quando Coleman e Blass descreveram o caso de quatro pessoas autistas com acidose láctica, um sinal de doença ou disfunção mitocondrial. A acidose lática é comum quando as mitocôndrias estão produzindo baixos níveis de trifosfato de adenosina (ATP), a fonte de energia do corpo.

Em 2003, um pediatra chamado John Jay Gargus e sua equipe observou que duas crianças que haviam sido encaminhadas a ele por problemas metabólicos e apatia, também tinham autismo. Exames mostraram que as crianças tinham um alto número de mitocôndrias, mas com baixa capacidade de produção energética, principalmente por bloqueio do complexo 3 mitocondrial. Isto indica que as células estão produzindo mais mitocôndrias para compensar o déficit energético (Filipek et al., 2003).

Em outra pesquisadora, Giulivi descobriu que a produção energética pode ser até dois terços menor nos autistas. A maioria das crianças tinha disfunção no complexo I mitocondrial e altos de piruvato – um subproduto do metabolismo do açúcar e evidência de disfunção mitocondrial (Giulivi et al., 2010). Hoje, a Dra. Cecilia Giulivi é uma das proponentes da dieta cetogênica no autismo, como terapia metabólica para garantir maior flexibilidade mitocondrial, redução da neuroinflamação e menor estresse oxidativo cerebral.

Alguns tecidos podem tolerar mudanças nas mitocôndrias sem maiores consequências. Mas o cérebro não. E quanto mais cedo essa disfunção manifesta-se maior a chance de uma pessoa ser diagnosticada com autismo ou ter traços de autismo. Em um pequeno estudo publicado em 2016 todos os oito pacientes com acidemia propiônica, um distúrbio metabólico raro, também apresentaram traços de autismo, cinco dos quais já estavam com o diagnóstico feito (Witters et al., 2016).

Outro estudo avaliou 903 famílias, incluindo mãe, criança diagnosticada com autismo e irmão ou irmã sem o diagnóstico. Foi observado que aqueles diagnosticados com TEA tinham o dobro de mutações mitocondrial em relação aos irmãos e irmãs sem o diagnóstico (Wang, Picard, & Gu, 2016). Deleções de material genético mitocondrial também são mais comuns no TEA (Chalkia et al., 2017; Varga et al., 2018).

Por enquanto, ainda é difícil dizer se estas alterações são causa ou consequência do transtorno. As mitocôndrias estão constantemente se fundindo e se dividindo, criando novas organelas que podem diferir das anteriores. Assim, as mitocôndrias de uma pessoa em diferentes fases da vida não serão idênticas àquelas encontradas no período intrauterino.

Até a dieta de uma pessoa pode influenciar o número de cópias do mtDNA, e as pessoas com autismo geralmente têm uma dieta restrita. Além disso, nem todos os estudos mostram não consiguiram encontrar relação entre o funcionamento mitocondrial e o TEA (Hadjixenofontos et al., 2012).

De fato, ainda são necessários mais estudos e com diferentes populações ao redor do mundo (Balachandar et al., 2021). Conectar as mutações do mtDNA a resultados específicos é um desafio. Muitos fatores genéticos entrelaçam-se gerando as questões comportamentais e biológicas observadas.

Estudos em animais trabalham com deleções de trecho de DNA como 22q11.2 (que geram deformidades nas mitocôndrias e déficits neuronais), gene PTEN (altera a produção energética), FMR1, o gene da síndrome do X frágil, ligado a mais estresse metabólico.

Para alguns pesquisadores, é provável que os problemas mitocondriais tenham maior impacto durante o desenvolvimento fetal médio, tornando o cérebro em desenvolvimento mais suscetível a outros impactos ambientais. Assim, qualquer estresse (virose, uso de medicação, etc) poderia desencadear um desenvolvimento atípico.

No início do desenvolvimento, as mitocôndrias têm canais em suas membranas internas através dos quais os prótons vazam, assim como o vão próximo ao topo da pia do banheiro impede que ela transborde. Mais tarde no desenvolvimento, estes vãos fecham-se, provocando uma mudança nos processos metabólicos. Se isso não acontecer, ou acontecer tarde demais, as sinapses podem não se formar corretamente.

No X frágil, as mitocôndrias permanecem permeáveis – e devem trabalhar muito para manter os níveis de energia estáveis. Neste processo, produzem muito mais radicais livres. Drogas como dexpramipexol têm sido testadas em camundongos para acabar com esse vazamento. A pergunta é se funcionaria em humanos e em outros tipos de autismo também.

Outro tratamento potencial para problemas associados ao autismo é um composto chamado M1 (fenilhidrazona permeável) que aumenta a fusão mitocondrial. Quando Zhao e sua equipe tratou seus frágeis camundongos com X frágil com M1, eles se tornaram mais sociais e tiveram melhor memória (Shen et al., 2019).

No entanto, poucas drogas que visam as mitocôndrias estão em testes em humanos para Rett, X frágil ou outras formas de autismo. Ainda não temos soluções boas para a correção das mitocôndrias. Podemos usar açafrão, de onde muitas fenilhidrazonas são extraídas. Coenzima Q10, vitaminas do complexo D, carnitinas são outros suplementos testados. Contudo, a edição de genes poderá ser o futuro, pelo menos para as doenças mitocondriais (Patananan et al., 2016).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Jejum e longevidade

O que comemos, quando comemos e quanto comemos, afeta nossa saúde, disposição e poderá afetar o quanto viveremos. Pessoas que comem mais apresentam mais disfunção metabólica. Estudos em países orientais, onde o consumo calórico é menor mostra que a estratégia prolonga a vida útil.

Uma maneira simples de comer menos é prestando atenção aos sinais de fome e saciedade e comendo apenas quando estiver com fome. Se acordou e não está com fome ainda, saia, caminhe, tome um chá. Depois, quando a fome surgir, às 9h, 10h, 11h ou 12h faça sua primeira refeição. Mastigue bem, inclua fibra, proteína e gordura saudável e não abuse, especialmente à noite.

O metabolismo muda ao longo do dia. De manhã até por volta do meio-dia, nosso corpo está melhor equipado para lidar com a comida. Em outras palavras, para processar a insulina, glicose, gorduras e aminoácidos e lidar com o grande aumento no estresse oxidativo e inflamatório que acompanha toda vez que você come uma refeição. Assim, a refeição próxima ao almoço deveria ser a maior do dia. Refeições noturnas devem ser mais leves.

Tente jejuar por pelo menos 12 horas. Se comeu às 19h, a primeira refeição será às 7h da manhã. Se comeu às 20h, a primeira refeição será 8h da manhã. Se comeu meia noite, a primeira refeição será apenas ao meio dia. Mas o ideal é não comer tarde. Um estudo mostrou que a sensibilidade à insulina, a pressão arterial e o estresse oxidativo melhora significativamente em homens com pré-diabetes que se alimentam no máximo até às 15h, em relação aqueles que alimentam-se até às 19h ou mais (Hutchison et al., 2019).

O jejum ativa muitos mecanismos geroprotetores (“antienvelhecimento”). Induz a autofagia, o processo de limpeza celular, ativa genes protetores, como aqueles que codificam as sirtuínas ou que reduzem a inflamação (Alirezaei et al., 2010; Zhu et al., 2013; Longo, & Mattson, 2014).

Mas não exagere. Jejuns de dias aumentam a degradação muscular, aumentam o risco de deficiências de vitaminas, minerais e outros nutrientes, geram estresse e aumento de cortisol e adrenalina, reduzem a diversidade microbiana intestinal, pioram a imunidade. Tenha especial cuidado se você já for magro, se tiver carências nutricionais detectadas, se sente-se muito fraco ou sem energia, se está grávida ou amamentando, se é criança ou adolescente, se tem qualquer doença crônica.

Cuidado também durante o jejum para não desidratar. Repositores eletrolíticos podem ser necessários para evitar queda de pressão, tontura, fadiga, nevoeiro cerebral, palpitações cardíacas.

Para não perder muito peso e manter o cérebro saudável, consuma 1 colher de sopa (15 ml) de ácido caprílico até três vezes ao dia, ou conforme indicação do seu nutricionista. Quando for comer, escolha alimentos saudáveis. Não adianta fazer jejum e depois ir à pior cadeia de fast food da cidade.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/