Douglas Wallace é um médico geneticista envolvido na pesquisa de mutações associadas a doenças mitocondriais em crianças. Fez descobertas importantes na área e acredita que as mitocôndrias são um fator negligenciado no autismo e em condições relacionadas, como a síndrome do X frágil.
As mitocôndrias geram energia, e o cérebro usa muito dela - cerca de 20%, pela maioria das estimativas. Portanto, faz sentido que mudanças nas mitocôndrias possam levar a mudanças na forma como o cérebro funciona ou se desenvolve e, pelo menos em alguns casos, ao autismo.
As pesquisas tentam mostrar que as diferenças mitocondriais são uma causa e não uma consequência do autismo. Para Wallace, mesmo que as mitocôndrias não sejam a causa do autismo (fatores genéticos contribuem mais), certamente são um contribuinte para as alterações comportamentais e biológicas.
A primeira sugestão de que as mitocôndrias estão ligadas ao autismo apareceu em 1985, quando Coleman e Blass descreveram o caso de quatro pessoas autistas com acidose láctica, um sinal de doença ou disfunção mitocondrial. A acidose lática é comum quando as mitocôndrias estão produzindo baixos níveis de trifosfato de adenosina (ATP), a fonte de energia do corpo.
Em 2003, um pediatra chamado John Jay Gargus e sua equipe observou que duas crianças que haviam sido encaminhadas a ele por problemas metabólicos e apatia, também tinham autismo. Exames mostraram que as crianças tinham um alto número de mitocôndrias, mas com baixa capacidade de produção energética, principalmente por bloqueio do complexo 3 mitocondrial. Isto indica que as células estão produzindo mais mitocôndrias para compensar o déficit energético (Filipek et al., 2003).
Em outra pesquisadora, Giulivi descobriu que a produção energética pode ser até dois terços menor nos autistas. A maioria das crianças tinha disfunção no complexo I mitocondrial e altos de piruvato – um subproduto do metabolismo do açúcar e evidência de disfunção mitocondrial (Giulivi et al., 2010). Hoje, a Dra. Cecilia Giulivi é uma das proponentes da dieta cetogênica no autismo, como terapia metabólica para garantir maior flexibilidade mitocondrial, redução da neuroinflamação e menor estresse oxidativo cerebral.
Alguns tecidos podem tolerar mudanças nas mitocôndrias sem maiores consequências. Mas o cérebro não. E quanto mais cedo essa disfunção manifesta-se maior a chance de uma pessoa ser diagnosticada com autismo ou ter traços de autismo. Em um pequeno estudo publicado em 2016 todos os oito pacientes com acidemia propiônica, um distúrbio metabólico raro, também apresentaram traços de autismo, cinco dos quais já estavam com o diagnóstico feito (Witters et al., 2016).
Outro estudo avaliou 903 famílias, incluindo mãe, criança diagnosticada com autismo e irmão ou irmã sem o diagnóstico. Foi observado que aqueles diagnosticados com TEA tinham o dobro de mutações mitocondrial em relação aos irmãos e irmãs sem o diagnóstico (Wang, Picard, & Gu, 2016). Deleções de material genético mitocondrial também são mais comuns no TEA (Chalkia et al., 2017; Varga et al., 2018).
Por enquanto, ainda é difícil dizer se estas alterações são causa ou consequência do transtorno. As mitocôndrias estão constantemente se fundindo e se dividindo, criando novas organelas que podem diferir das anteriores. Assim, as mitocôndrias de uma pessoa em diferentes fases da vida não serão idênticas àquelas encontradas no período intrauterino.
Até a dieta de uma pessoa pode influenciar o número de cópias do mtDNA, e as pessoas com autismo geralmente têm uma dieta restrita. Além disso, nem todos os estudos mostram não consiguiram encontrar relação entre o funcionamento mitocondrial e o TEA (Hadjixenofontos et al., 2012).
De fato, ainda são necessários mais estudos e com diferentes populações ao redor do mundo (Balachandar et al., 2021). Conectar as mutações do mtDNA a resultados específicos é um desafio. Muitos fatores genéticos entrelaçam-se gerando as questões comportamentais e biológicas observadas.
Estudos em animais trabalham com deleções de trecho de DNA como 22q11.2 (que geram deformidades nas mitocôndrias e déficits neuronais), gene PTEN (altera a produção energética), FMR1, o gene da síndrome do X frágil, ligado a mais estresse metabólico.
Para alguns pesquisadores, é provável que os problemas mitocondriais tenham maior impacto durante o desenvolvimento fetal médio, tornando o cérebro em desenvolvimento mais suscetível a outros impactos ambientais. Assim, qualquer estresse (virose, uso de medicação, etc) poderia desencadear um desenvolvimento atípico.
No início do desenvolvimento, as mitocôndrias têm canais em suas membranas internas através dos quais os prótons vazam, assim como o vão próximo ao topo da pia do banheiro impede que ela transborde. Mais tarde no desenvolvimento, estes vãos fecham-se, provocando uma mudança nos processos metabólicos. Se isso não acontecer, ou acontecer tarde demais, as sinapses podem não se formar corretamente.
No X frágil, as mitocôndrias permanecem permeáveis – e devem trabalhar muito para manter os níveis de energia estáveis. Neste processo, produzem muito mais radicais livres. Drogas como dexpramipexol têm sido testadas em camundongos para acabar com esse vazamento. A pergunta é se funcionaria em humanos e em outros tipos de autismo também.
Outro tratamento potencial para problemas associados ao autismo é um composto chamado M1 (fenilhidrazona permeável) que aumenta a fusão mitocondrial. Quando Zhao e sua equipe tratou seus frágeis camundongos com X frágil com M1, eles se tornaram mais sociais e tiveram melhor memória (Shen et al., 2019).
No entanto, poucas drogas que visam as mitocôndrias estão em testes em humanos para Rett, X frágil ou outras formas de autismo. Ainda não temos soluções boas para a correção das mitocôndrias. Podemos usar açafrão, de onde muitas fenilhidrazonas são extraídas. Coenzima Q10, vitaminas do complexo D, carnitinas são outros suplementos testados. Contudo, a edição de genes poderá ser o futuro, pelo menos para as doenças mitocondriais (Patananan et al., 2016).