Microbiota no autismo

A microbiota intestinal alterada afeta negativamente o neurodesenvolvimento e o comportamento. A ideia de um possível envolvimento da microbiota intestinal no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) foi postulada pela primeira vez em 1998 pelas evidências de que o tratamento do excesso de Clostridium poderia gerar melhorias temporárias nos sintomas comportamentais e gastrointestinais observados.

Bactérias formadoras de esporos podem liberar toxinas pró-inflamatórias e metabólitos potencialmente tóxicos, como derivados de indol, p-cresol e certos fenóis e ácido propiónico que, após atingirem o cérebro através do fluxo sanguíneo, podem afetar o neurodesenvolvimento.

Estas descobertas iniciais, juntamente com a ocorrência frequente de sintomas gastrointestinais no TEA, levaram numerosos investigadores a pesquisar a composição da microbiota intestinal em indivíduos autistas, comparando-a com a de controlos neurotípicos (NT). Observa-se que, indivíduos com TEA e regressão frequentemente apresentam maior colonização por Proteobacteria e Desulfovibrio.

Essas bactérias podem ser contribuintes relevantes para complicações gastrointestinais no TEA, pois produzem LPS e sulfeto de hidrogênio que podem ter efeitos citotóxicos nas células intestinais. Níveis diminuídos de Bifidobacterium e Prevotella, que podem ter efeitos benéficos através de suas propriedades anti-inflamatórias, também têm sido frequentemente relatados no TEA.

Outro gênero bacteriano consideravelmente diminuído é o da Akkermansia, especialmente a espécie Akkermansia muciniphila, cuja redução pode resultar em um aumento relevante na permeabilidade intestinal.

Síndrome fúngica no TEA

Embora a maioria dos estudos sobre a microbiota tenha se concentrado em bactérias, alguns deles também relataram alterações nos componentes fúngicos da microbiota intestinal, especialmente na espécie Candida albicans. A liberação de amônia e toxinas, bem como a absorção reduzida de minerais e carboidratos, devido ao aumento da contagem de Candida, associa-se a comportamentos típicos do autismo.

Apesar destes achados serem frequentes na literatura, existem muitas diferenças entres as pessoas. As discrepâncias nos resultados podem ser atribuídas a diversos motivos, incluindo o número restrito de participantes nos estudos, as diferenças consideráveis nos métodos de amostragem, técnicas analíticas, bases de dados referidas e métodos estatísticos entre os estudos. Os fatores supracitados impactam negativamente na confiabilidade da comparação entre os estudos, sugerindo a necessidade de métodos padronizados de análise.

Além disso, a composição doa microbiota intestinal pode ser significativamente afetada por diferenças geográficas, dietéticas, genéticas, ambientais e culturais. Por estas razões, todos os resultados devem ser considerados com cautela.

Relação intestino-cérebro

O microbioma intestinal pode afetar as atividades cerebrais, tanto direta como indiretamente, através de uma série de conexões neurais, endócrinas e imunológicas. Desde que foi comprovada a influência do microbioma intestinal nas funções cerebrais, foram realizados muitos esforços para explorar o impacto da disbiose nos distúrbios neuropsiquiátricos e nos transtornos do neurodesenvolvimento.

Melhorar a microbiota exige uma modificação na qualidade da dieta e, muitas vezes, a suplementação de pré e probióticos. Os probióticos são definidos como “microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro” e prebióticos como substratos que são “utilizados seletivamente pelos microrganismos hospedeiros, conferindo um benefício à saúde ”. Prebióticos podem ser fibras ou polifenóis das plantas.

Uma fórmula suplementar baseada em três cepas probióticas, incluindo Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus rhamnosus e Bifidobacterium longum, foi administrada a um grupo de crianças com diagnóstico de TEA durante três meses. Melhorias significativas nos sintomas gastrointestinais e principais do TEA foram observadas após o tratamento, bem como uma melhora notável na composição do microbioma intestinal, revelada por um aumento substancial em Bifidobactérias e Lactobacilos.

A De Simone Formulation (DSF), comercializada como Vivomixx® é um suplemento probiótico composto por oito cepas probióticas, principalmente Lactobacilli e Bifidobacteria, incluindo Lactobacillus para-casei, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus delbrueckii subsp. Bulgaricus, Bifidobacterium longum, Bifidobacterium infantis, Bifidobacterium breve e Streptococcus thermophilus.

Em um ensaio duplo-cego randomizado controlado realizado por Santocchi et al., a DSF foi administrada por via oral a um grupo de crianças com TEA na posologia de dois pacotes/dia durante um mês e um pacote/dia durante os cinco meses seguintes. Apenas crianças com sintomas gastrointestinais experimentaram melhorias nas suas queixas gastrointestinais, perfis sensoriais e funcionamento adaptativo após o tratamento.

Em 2020, Wang et al. compararam a composição da microbiota intestinal, os SCFAs fecais e os neurotransmissores plasmáticos de 26 indivíduos autistas com os de 24 controles neurotípicos. Em seguida, eles administraram um grupo de 16 pacientes com TEA com suplementação de probióticos + FOS e outros 10 com suplementação de placebo por 30 a 108 dias. A mistura fornecida ao grupo probióticos+FOS era composta por frutooligossacarídeos e quatro cepas probióticas diferentes, incluindo Bifidobacterium infantis Bi-26, Lactobacillus rhamnosus HN001, Bifidobacterium lactis BL-04 e Lactobacillus paracasei LPC-37.

O perfil da microbiota intestinal revelou uma disbiose significativa em crianças com TEA, com níveis mais elevados de bactérias potencialmente patogênicas, como Clostridium e Ruminococcus, e contagens mais baixas de bactérias benéficas, incluindo Bifidobacteria e especialmente B. longum. Os níveis fecais de AGCC, particularmente ácido propiônico, ácido butírico e ácido acético, foram considerados consideravelmente mais baixos em indivíduos com TEA em comparação com controles neurotípicos, sugerindo uma redução notável na capacidade de fermentação de seu microbioma.

Além disso, os neurotransmissores plasmáticos e os metabólitos relacionados estavam significativamente desequilibrados em indivíduos com TEA, que apresentavam uma condição hiperserotonérgica evidente e distúrbios metabólicos no metabolismo da dopamina e na via triptofano-quinurenina.

Os pacientes em uso de probióticos+FOS mostraram melhorias significativas tanto nos sintomas gastrointestinais quanto nos principais sintomas do TEA, e os efeitos benéficos foram mais proeminentes com o tempo de administração. Em termos da composição do microbioma intestinal, a intervenção probióticos+FOS resultou numa diminuição significativa na abundância relativa de Clostridium e num aumento de B. longum. Os níveis de AGCC melhoraram gradativamente, aproximando-se de valores semelhantes aos do grupo controle, e o mesmo aconteceu com os neurotransmissores plasmáticos e os metabólitos relacionados.

Como parte deste estudo, a zonulina foi usada como marcador de permeabilidade intestinal, e seus níveis plasmáticos foram significativamente mais elevados em indivíduos com TEA em comparação com controles NT no início do estudo. Após a intervenção probióticos+FOS, estes níveis diminuíram, sugerindo que a suplementação empregada também poderia levar a uma melhora do intestino permeável.

Para entender melhor estas questões, a Comissão Europeia tem pressionado por padronizações na pesquisa sobre o microbioma. Melhores estudos também são necessários. Estudos de caso-controle não permitem compreender se a disbiose relatada está ligada ao aparecimento do autismo ou se é apenas uma consequência do TEA.

Mais uma vez, a Comissão Europeia, demonstrando grande atenção a estes aspectos, promoveu a criação de um consórcio internacional, cujo objetivo é investigar longitudinalmente as diferenças na evolução do microbioma em crianças com TEA. O projeto GEMMA acompanhará 600 bebês em risco que nasceram de pais que já tinham um filho com TEA.

A esperança é que a análise da evolução do microbioma intestinal, corrigida para todos os possíveis fatores de confusão (efeitos ambientais, medicamentos tomados, efeitos genéticos, e assim por diante), permitirá que um(s) fator(es) específico(s) seja(m) descrito(s) ( ou alguns) que iniciarão uma cascata de eventos, que eventualmente culminarão no aparecimento da doença. Portanto, os próximos anos serão cruciais e provavelmente abrirão novos horizontes para a compreensão da delicada e complexa relação entre humanos e micróbios.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/
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Uso de probióticos no autismo

Muitas crianças no espectro do autismo experimentam problemas intestinais. Estudos mostram que pais de crianças no espectro relatam 4 vezes mais problemas gastrointestinais do que aqueles cujos filhos não estão no espectro. Um dos principais problemas é a disbiose intestinal, um desequilíbrio entre as bactérias boas e ruins no intestino.

Este desequilíbrio é muito comum quando a dieta é restrita, com baixo teor de fibras e fitoquímicos. Outros motivos comuns para a disbiose são o consumo excessivo de proteína animal (carne, leite, ovo, queijo), alimentos ultraprocessados e açúcares.

A suspeita de disbiose ocorre quando há sintomas como náuseas, vômitos, excesso de gases, arrotos, distenção abdominal, períodos alternados entre diarreia e constipação intestinal, fezes mal formadas. O diagnóstico pode ser confirmado com testes laboratoriais, como:

  • Zonulina fecal: valores aumentados indicam hiperpermeabilidade intestinal. Saiba mais neste outro artigo.

  • Indican: exame de urina que avalia indoxil sulfato, um produto de putrefação resultante da desconjugação bacteriana do triptofano dietético em indol no intestino delgado. Níveis elevados de Indican estão diretamente associados à atividade bacteriana nos intestinos. Indicam toxemia intestinal ou supercrescimento de bactérias anaeróbicas, putrefação de alimentos não digeridos nos intestinos, distúrbios estomacais (constipação, má absorção), distúrbios intestinais e insuficiência pancreática.

  • Metabolômica: muitos outros metabólitos produzidos por bactérias intestinais podem ser estudados. O mais fácil é coletar esta amostra da urina. Este artigo discute os principais metabólitos para quem deseja pesquisar disbiose.

  • Microbioma intestinal: é um teste genético que tem como objetivo identificar todas as bactérias presentes na flora intestinal. Esse exame é feito ao esfregar um swab (cotonete) nas fezes, logo após a eliminação, e colocando o cotonete em um tubo, que é entregue ou enviado para o laboratório para fazer a análise.

  • Prova do hidrogênio expirado: esse exame é feito para identificar a presença de gases produzidos pelas bactérias do intestino. Para isso, a pessoa deve beber uma solução de glicose e, logo em seguida, respirar em um equipamento para que seja feita uma análise do ar expirado. Caso o exame indique grande ou pouca quantidade de gases, é sinal de desequilíbrio da microbiota intestinal.

O objetivo final do uso de probióticos para o autismo é estabelecer um intestino saudável - e a base de um intestino saudável está nos alimentos que ingerimos. Portanto, embora concentremos nossa atenção nos probióticos, é importante lembrar que eles servem para complementar uma dieta saudável, cheia de fibras e rica em nutrientes. Falo mais sobre este tema nesta aula de 1 hora sobre nutrição no TEA:

NUTRIÇÃO NO TEA - CUSO ONLINE

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

FUNÇÃO DOS OLIGODENDRÓCITOS

As células da glia constituem a maioria das células cerebrais. São indispensáveis ​​para manter a homeostase da função cerebral madura e essenciais para o desenvolvimento normal do cérebro. A geração de células gliais (micróglia, astrócitos, oligodendrócitos, células de Schwann) começa tardiamente no estágio embrionário (em torno de 24 semanas após a concepção) e se desenvolve mais pronunciadamente até o final da primeira infância.

Oligodendrócitos

Oligodendrócitos são um tipo de célula da glia com função de fornecer suporte e isolamento para axônios. Fazem isso criando a bainha de mielina. Os oligodendrócitos são encontrados apenas no sistema nervoso central, que compreende o cérebro e a medula espinhal.

Células da glia

À partir do contato da célula progenitora com alguns mediadores químicos, a célula vai ganhando especializações e projeções. À medida que o cérebro amadurece, os oligodendrócitos proliferam, migram dorsalmente e povoam o prosencéfalo antes de se diferenciarem em oligodendrócitos pré-mielinizantes (preOLs). Em seu último destino nos tratos de fibra, os preOLs sofrem proliferação tardia e amadurecem em oligodendrócitos mielinizantes, onde se associam a axônios e produzem bainhas de mielina que envolvem os axônios.

Representação esquemática da progressão da linhagem de oligodendrócitos de células precursoras de oligodendrócitos (OPC) para oligodendrócitos pré-mielinizantes (preOL) e oligodendrócitos mielinizantes (OLG). Os marcadores característicos de cada fase são mostrados no topo das células. Os mecanismos que regulam cada etapa do desenvolvimento do OLG estão resumidos na tabela à esquerda. Os PreOLs são seletivamente vulneráveis ao estresse oxidativo, excitotoxicidade e inflamação. A morte celular de PreOL e a falha de maturação de preOLs regenerados são responsáveis por lesão focal ou difusa da substância branca associada a hipóxia-isquemia cerebral e infecções em bebês prematuros e a termo (Jiang; Nardelli, 2015).

A mielinização fornece um fluxo salutar, suave e rápido de impulsos neurais por todo o Sistema Nervoso Central e permite processos cerebrais mais complexos. A mielinização persiste até a idade adulta, com o pico de atividade ocorrendo entre 6 meses e 2 anos de idade.

Quando o preOL é submetido a estresse oxidativo, excitotoxicidade, inflamação, sua conversão em oligodendrócito maduro fica comprometida. Com isso, observa-se hipomielinização da massa branca cerebral.

A mielinização insuficiente, provavelmente causada pela falta de oligodendrócitos maduros, está ligada ao distúrbio do espectro do autismo, de acordo com um estudo realizado em ratos e cérebros de cádaveres humanos (Phan et al., 2020).

No Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) a desmielização também pode ser encontrada. Essas alterações podem ser devidas à desregulação da proliferação de células precursoras de oligodendrócitos. Um das causas pode ser a mutação de genes como ST3GAL3, FOXP2, MEF2C, DUSP6 e SEMA6D.

O exercício físico é uma das melhores maneiras de estimular a mielinização e manter os neurônios disparando com rapidez e eficiência. Além de melhorar as funções do sistema nervoso central, foi demonstrado que o exercício atenua o impacto negativo de uma dieta ruim no sistema nervoso central. Uma dieta rica em gordura saturada (de carnes, leites gordos, produtos industrializados) combinada com um estilo de vida sedentário pode reduzir as células formadoras de mielina, contribuindo para a desmielinização e o declínio cognitivo associado.

Em relação à dieta, estudos mostram que bactérias intestinais boas, presentes em suplementos e alimentos ricos em probióticos (como o kefir e kombucha) têm a capacidade de alterar a expressão gênica associada à remielinização. Em relação aos suplementos, deve-se atentar para o consumo de vitamina D, ômega-3, gorduras monoinsaturadas, e alimentos ricos em antioxidantes que protejam o cérebro contra à neuroinflamação (Adams et al., 2018). Em relação aos suplementos, a melatonina parece ser a mais promissora neste sentido (Gagnon & Godbout, 2018; Kasmaie et al., 2019).

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/
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