Você já se perguntou se realmente somos o que comemos? Nossas escolhas alimentares desempenham um papel crucial em nossa suscetibilidade a doenças, incluindo distúrbios mentais. Fatores genéticos e ambientais têm um papel crítico no desenvolvimento de condições de saúde mental ao longo da vida, com a prevalência dessas doenças aumentando globalmente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que, em 2019, cerca de 970 milhões de pessoas no mundo sofriam de distúrbios mentais, uma estatística alarmante que tem impactos significativos na sociedade e nos indivíduos afetados. Além disso, a obesidade, outro grande problema de saúde pública, também tem se intensificado, refletindo uma relação complexa entre dieta, saúde e doenças.
A obesidade e os distúrbios mentais estão em ascensão desde 1990, com dados da OMS mostrando um aumento nas taxas de obesidade, especialmente entre adultos e adolescentes. Em 2022, estima-se que uma em cada oito pessoas no mundo vivia com obesidade. A ligação entre esses problemas é multifatorial e envolve não só fatores genéticos, mas também ambientais, como a qualidade da alimentação, exposição ao estresse, níveis de atividade física e o status socioeconômico.
Estudos recentes em epigenética e neurociência têm revelado que as condições de saúde mental não são causadas apenas por fatores genéticos, mas também estão relacionadas a influências ambientais. Durante os estágios iniciais da vida, como a gestação e a infância, o cérebro é particularmente sensível a esses fatores. Isso inclui a qualidade da alimentação, que pode ter um impacto duradouro no bem-estar mental e físico.
Nutrição, Epigenética e Saúde Mental
Revisão publicada por Rola A. Bekdash (2024) destacou a complexa relação entre nutrição, mecanismos epigenéticos e saúde mental. O desenvolvimento cerebral é especialmente sensível durante os períodos iniciais da vida, quando as mudanças epigenéticas podem moldar a saúde mental ao longo da vida. Mecanismos epigenéticos como a metilação do DNA e modificações de histonas são essenciais para o funcionamento do cérebro e estão diretamente influenciados por nutrientes que atuam como doadores de metila, como colina, betaina, folato, metionina, vitaminas B6 e B12.
Esses nutrientes são fundamentais para o metabolismo do carbono único, que envolve ciclos bioquímicos como os ciclos do folato e da metionina. Esses processos bioquímicos são essenciais para a síntese de DNA, proteínas e neurotransmissores, que são cruciais para o funcionamento cerebral e o desenvolvimento neurocognitivo. A deficiência desses micronutrientes durante as fases iniciais de desenvolvimento tem sido associada a defeitos no tubo neural, alterações no comportamento e deficiências cognitivas.
Nutrientes que influenciam os Mecanismos Epigenéticos
Tanto fatores genéticos quanto ambientais podem afetar a organização estrutural e funcional do cérebro, influenciando a fisiologia e o comportamento individuais. A ingestão adequada de micronutrientes doadores de metil na gestação e primeira infância pode impactar a vulnerabilidade a condições metabólicas e de saúde mental na vida adulta. Micronutrientes como folato, colina e vitamina B12 são fundamentais para o metabolismo de um carbono, produção de neurotransmissores e metilação do DNA e histonas, processos essenciais para a saúde cerebral.
1. Folato
O folato é um micronutriente derivado de alimentos como vegetais verdes, frutas e grãos, desempenhando um papel crucial na síntese de nucleotídeos e no desenvolvimento cerebral. Sua deficiência durante a gestação pode causar defeitos no tubo neural e impactar a diferenciação de células-tronco neuronais, levando à morte neuronal. Estudos em roedores mostram que uma dieta materna deficiente em folato e vitaminas B12 e colina altera a expressão de genes metabólicos importantes nos filhotes, afetando o equilíbrio energético e a saúde metabólica. A suplementação com ácido fólico pode mitigar esses efeitos. Além disso, a suplementação de folato tem mostrado reverter comportamentos semelhantes aos do autismo, como os observados em modelos de ratos com isolamento neonatal, sugerindo um potencial terapêutico para distúrbios como a ansiedade e o autismo. Estudos em humanos também associam o folato e a vitamina B12 à resistência à insulina e ao aumento da adiposidade, destacando a importância de manter níveis ótimos de micronutrientes durante a gestação.
2. Colina
A colina é outro micronutriente doador de metil essencial para o desenvolvimento cerebral, derivado de alimentos como carne, peixe, ovos e leite. Ela contribui para a formação do neurotransmissor acetilcolina e a integridade das membranas celulares. Em roedores, uma dieta rica em colina durante a gestação pode aumentar a expressão de genes que regulam o apetite, afetando o consumo alimentar e o ganho de peso dos filhotes. A colina também desempenha um papel crucial em distúrbios de saúde mental, como a esquizofrenia e a ansiedade. Estudos indicam que níveis baixos de colina no plasma estão associados ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade e outras condições mentais. A suplementação de colina durante a gestação pode ser uma estratégia importante para reduzir o risco de esquizofrenia e outros transtornos mentais na vida adulta.
3. Vitamina B12
A vitamina B12, derivada de alimentos como carne, peixe, laticínios e ovos, é essencial para o metabolismo de um carbono e a síntese de neurotransmissores e fosfolipídios. Sua deficiência está associada a distúrbios neurológicos, como neuropatia e depressão, além de afetar a metilação do DNA e a expressão genética. A vitamina B12, juntamente com o folato e a vitamina B6, pode aliviar os sintomas da depressão, contribuindo para a formação de SAM (S-adenosilmetionina), que normaliza os níveis de homocisteína e previne danos oxidativos. Estudos mostram que a ingestão de vitamina B12 e folato pode reduzir os sintomas da depressão e a probabilidade de desenvolver distúrbios de humor, como a esquizofrenia, ao normalizar processos epigenéticos.
4. SAM
O metabolismo do metionina, juntamente com a síntese de S-adenosilmetionina (SAM), desempenha um papel crucial na regulação de processos biológicos essenciais, como a manutenção das membranas celulares e a metilação de DNA e proteínas. A metionina, um aminoácido essencial proveniente de alimentos como carne, peixe, ovos e nozes, é convertida em SAM por meio da ação da enzima metionina adenosilmetiltransferase (MAT). SAM, por sua vez, atua como doador de metila em várias reações metabólicas, incluindo a síntese de neurotransmissores como dopamina, norepinefrina e serotonina, que são essenciais para a regulação do humor e das emoções.
A disfunção no ciclo da metionina, que está intimamente relacionado com o ciclo do folato, pode ter efeitos prejudiciais significativos. Por exemplo, altos níveis de homocisteína, frequentemente observados em distúrbios como a depressão, indicam uma redução nos níveis de SAM, folato e vitamina B12. Esses desequilíbrios podem contribuir para o desenvolvimento de distúrbios neuropsiquiátricos, como a depressão, reforçando a importância de níveis ótimos desses micronutrientes para melhorar a saúde mental.
Em indivíduos com depressão maior, foi observado que níveis elevados de homocisteína se correlacionam com níveis reduzidos de SAM e folato, além de níveis diminuídos de neurotransmissores como dopamina, norepinefrina e serotonina. Estudos indicam que a suplementação com SAM pode ter efeitos antidepressivos, embora esses resultados precisem de mais investigação.
Além disso, a disfunção no metabolismo de SAM também foi associada à esquizofrenia. A redução na atividade de MAT, a enzima responsável pela formação de SAM, foi detectada em células vermelhas do sangue de indivíduos esquizofrênicos. A metilação anormal de genes como o gene reelin, que é essencial para a formação de memória e migração neuronal, foi identificada em cérebros de pacientes com esquizofrenia, sugerindo que os processos epigenéticos podem desempenhar um papel no desenvolvimento de distúrbios mentais.
A suplementação de micronutrientes doadores de metil ou do SAMe pode ajudar a normalizar processos epigenéticos alterados e melhorar a saúde mental, especialmente em condições como depressão e esquizofrenia. Estudos futuros devem investigar mais profundamente as implicações dos desequilíbrios nesses micronutrientes e seu potencial terapêutico para distúrbios neuropsiquiátricos.
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