MICROBIOTA E DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS

A composição alterada da microbiota intestinal aumenta o risco de distúrbios do neurodesenvolvimento e neurodegenerativos. Moléculas importantes são produzidas no cólon pela fermentação microbiana da fibra alimentar, especialmente os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), como butirato, acetato e propionato, os quais possuem propriedades neuroativas.

A depender da quantidade de AGCC no intestino os efeitos podem ser positivos ou negativos. Quantidades baixas são um problema, quantidades exageradas também. Um estudo mostrou que a administração de uma alta dose de propionato em ratos induziu uma resposta neuroinflamatória e alterações comportamentais relacionadas a distúrbios do neurodesenvolvimento.

Por outro lado, o butirato diminui sintomas depressivos e ajuda a regular o sistema imune. Mecanismos epigenéticos estão envolvidos na neurogênese, plasticidade neuronal, aprendizado e memória, e em distúrbios como depressão, dependência, esquizofrenia e disfunção cognitiva.

A microbiota intestinal impacta a expressão gênica do hospedeiro modulando processos epigenéticos. Alterações nas modificações de histonas e metilação do DNA foram encontradas nos promotores de genes envolvidos na modelagem da função e do comportamento cerebral. Os níveis de metilação de genes específicos envolvidos no metabolismo e nas respostas inflamatórias têm sido associados aos perfis da microbiota intestinal. Além disso, vários estudos descreveram uma ligação entre microRNAs, um grupo de pequenos RNAs não codificantes (que não geram proteínas) e microbiota.

As desacetilações de histonas por histonas desacetilases (HDACs) também são críticas na regulação epigenômica e estão relacionadas à cromatina condensada e, consequentemente, à inibição da expressão gênica. De fato, os AGCC têm a capacidade de inibir HDACs, ativando assim a expressão gênica de genes previamente desacetilados. O envelhecimento está associado a profundas alterações epigenéticas que resultam em modificações na expressão gênica e também em uma ampla gama de questões de saúde, incluindo doenças neurodegenerativas.

Há mais de um século, o Prêmio Nobel Elie Metchnikoff já sugeria que as comunidades microbianas dentro do trato gastrointestinal tinham influência na saúde humana. O cientista russo Metchnikoff observou que as pessoas viviam mais em partes da Bulgária e da Europa Oriental devido ao alto consumo de produtos lácteos fermentados contendo bactérias do ácido lático e sugeriu que complementar a dieta com bactérias do ácido lático traria benefícios à saúde, incluindo longevidade.

Atualmente, sabemos que a microbiota intestinal sofre uma mudança dinâmica durante o envelhecimento. É interessante que os números de bifidobactérias diminuam com a idade, enquanto os de clostrídios aumentam. As mudanças na composição da microbiota intestinal relacionadas à idade também foram correlacionadas com os resultados de saúde em idosos, como fragilidade e quedas, sendo a diversidade microbiana uma característica importante ligada à manutenção da saúde à medida que envelhecemos. No entanto, grandes mudanças na dieta dos idosos podem ser parcialmente responsáveis ​​pelas mudanças dramáticas na composição da microbiota e sua associação com resultados relacionados à saúde. Isso também sugere que há uma chance de restabelecer o equilíbrio por intervenções com a modulação intestinal de idosos.

O envelhecimento pode enfraquecer a função da barreira gastrointestinal e promover um fenótipo pró-inflamatório envolvendo a microbiota. Outra consequência do envelhecimento é o vazamento progressivo da barreira hematoencefálica (BHE), cuja integridade também parece depender da composição da microbiota intestinal. A falta de fibras e de produção de AGCC e o estresse são dois dos fatores de estilo de vida que podem impactar negativamente a permeabilidade da BHE e acelerar os processos de “envelhecimento inflamatório” ligados a doenças relacionadas à idade.

Disbiose e doença de Parkinson

A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa que representa um crescente problema de saúde em idosos. É caracterizada por neuroinflamação e perda de neurônios dopaminérgicos do mesencéfalo, bem como por um padrão característico de movimentos anormais com vários sintomas não motores. Alterações na função intestinal, principalmente constipação, muitas vezes precedem o aparecimento de sintomas motores prototípicos associados à DP. Embora a genética desempenhe um papel importante no risco de desenvolver a doença, fatores ambientais e interações gene-ambiente também contribuem para o desfecho. De fato, evidências sugerem que a microbiota intestinal disbiótica é um importante fator ambiental relacionado ao risco de DP.

Em um estudo publicado em 2015 os autores compararam 72 pacientes e 72 controles pareados, confirmando uma grande redução nos níveis de Prevotellaceae em pacientes com DP. Eles também observaram e descreveram uma correlação positiva entre os níveis de Enterobacteriaceae e a gravidade da instabilidade postural e dificuldade de marcha, sugerindo o papel da microbiota intestinal no fenótipo da DP (Scheperjans et al., 2015). A microbiota intestinal disbiótica está envolvida em déficits motores e neuroinflamação em um modelo de DP, sugerindo que as alterações na microbiota intestinal representam um fator de risco para DP. Em condições de disbiose intestinal há aumento de gêneros bacterianos como Clostridium, gerando maior expressão de α-sinucleína (αSyn) (uma proteína abundante no cérebro humano envolvida na liberação de neurotransmissores), mais agregados de αSyn e déficits motores (neuropatia neuropatológica características da DP) em comparação com animais com uma microbiota mais saudável e diversa (Kim et al., 2023).

Disbiose e doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer (DA) e as demências vasculares são as causas mais comuns de declínio cognitivo em populações envelhecidas nos países ocidentais. O déficit na plasticidade sináptica é uma das muitas mudanças que ocorrem com a idade. Especificamente, o modelo típico de plasticidade mostra uma redução na potenciação de longo prazo do hipocampo (LTP) a partir da meia-idade. Um estudo publicado em 2014 investigou se o déficit de LTP relacionado à idade pode ser atenuado pela alteração da composição da microbiota intestinal com VSL#3, uma mistura probiótica composta por 8 cepas bacterianas Gram-positivas. O estudo mostrou que o déficit relacionado à idade na LTP foi atenuado em ratos idosos tratados com VSL#3 e isso foi acompanhado por uma modesta diminuição nos marcadores de ativação microglial e um aumento na expressão de BDNF e sinapsina (Distrutti et al., 2014).

Diferentes mecanismos podem explicar a ligação entre as alterações da microbiota intestinal e o desenvolvimento do Alzheimer. Fatores de estilo de vida (como sendentarismo, dieta processada, sono de má qualidade) aumentam o risco de resistência, insulínica, diabetes, inflamação e obesidade. Todos estes fatores também alteram a microbiota intestinal e aumentam a deposição do peptídeo β-amilóide (βA). A atividade das proteases envolvidas na geração do peptídeo βA é altamente regulada pela inflamação, sendo esta última modulada pela microbiota intestinal (Chandra, Sisodia, & Vassar, 2023).

A desregulação das funções da micróglia (pequenas células imunológicas do cérebro, com função fagocitária) associa-se ao Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas, como Parkinson, Huntington e a esclerose lateral amiotrófica (ELA). As células da microglia são essenciais para a eliminação de detritos, placas e agregados. Embora a genética e os mecanismos que levam à neurodegeneração sejam diferentes em cada doença neurodegenerativa, a inflamação crônica que pode ser modulada pela microbiota intestinal é tipicamente uma característica proeminente na natureza progressiva da neurodegeneração.

Originalmente, pensava-se que humor, memória e cognição eram regulados exclusivamente pelo SNC devido a uma variedade de fatores extrínsecos, como flutuações hormonais. Agora está mais claro que muitos fatores não relacionados ao sistema nervoso, incluindo o sistema imunológico e as bactérias residentes no trato gastrointestinal, regulam não apenas nossos sentimentos e como formamos, processamos e armazenamos memórias, mas também a microestrutura e a morfologia relacionadas à função cognitiva. Estudos psicogastroenterológicos foram realizados para analisar a microbiota que regula a resiliência, otimismo, atenção plena e auto-regulação e domínio. A alteração da microbiota intestinal regula não apenas a síntese de metabólitos, mas também diferentes moléculas neuroativas e neurotransmissores centrais, como melatonina, ácido gama-aminobutírico (GABA), serotonina, histamina e acetilcolina. Modelos de roedores livres de germes e antibióticos mostraram que a exposição à microbiota pouco saudável pode induzir depressão, ansiedade e estresse, diminuição da comunicação social, aumento da atividade exploratória e deterioração da memória.

Esclerose Lateral Amiotrófica

ELA é uma doença neurodegenerativa fatal que afeta os neurônios do cérebro e da medula espinhal e geralmente resulta em morte. A maioria dos pacientes com ELA falece dentro de 3 a 5 anos após o diagnóstico devido à paralisia respiratória. A patogênese da ELA é proposta como resultado de interações genético-ambientais. Estudos sobre as interações entre a resposta imune inata e o LPS forneceram evidências essenciais da patogênese da ELA. Mais de uma década atrás, foi proposto que neurotoxinas derivadas do intestino, incluindo tétano e toxinas botulínicas produzidas por espécies de Clostridia, causavam ELA. O “intestino permeável” também é provavelmente responsável pela ELA.

No intestino de pacientes com ELA, as contagens de Oscillibacter, Anaerostipes e Lachnospira produtoras de butirato costumam estar reduzidas, enquanto a de Dorea, metabolizadora de glicose, aumenta significativamente. A suplementação da dieta com 2% de butirato na água potável em um modelo de camundongo com ELA resultou em melhor integridade intestinal e sobrevivência. No entanto, evidências e resultados mais diretos são necessários para esclarecer como a microbiota intestinal melhora ou agrava a ELA.

Esclerose múltipla

A EM é um tipo de doença neurodegenerativa induzida por autoimunidade na coluna vertebral e no SNC. Os fatores ambientais contribuem profundamente para a patogênese dessa doença desmielinizante, incluindo obesidade, tabagismo, vírus e vitamina D. Alterações no microbioma e prevalência de “intestino permeável” foram encontradas em pacientes com EM e animais com encefalomielite autoimune experimental (EAE), o modelo de doença desmielinizante inflamatória mais comumente usado para investigação da doença. As alterações imunológicas na EM são caracterizadas pelo aumento da infiltração de células pró-inflamatórias e comprometimento da função Treg.

A microbiota intestinal favorável pode regular a permeabilidade da BHE, limitar a patogenicidade dos astrócitos e ativar a microglia. No modelo de EAE, o Bifidobacterium e as bactérias produtoras de ácido lático, como Lactobacillus, são capazes de reduzir a gravidade dos sintomas da doença. Outros estudos também validaram que o tratamento com probióticos diversos e o transplante microbiano fecal podem alcançar um efeito semelhante.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/