A fermentação microbiana intestinal de fibras dietéticas e amido resistente produz ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), especialmente butirato, propionato e acetato.
O butirato é um substrato energético chave para os colonócitos (células do intestino grosso) e pode direcionar o metabolismo energético dos mesmos para a β-oxidação, estimulando a sinalização do gene PPAR-γ e limitando a biodisponibilidade luminal do oxigênio, mantendo a homeostase e prevenindo a disbiose da microbiota intestinal.
O propionato regula a sinalização da saciedade e a gliconeogênese no fígado, protegendo o hospedeiro da obesidade induzida pela dieta e intolerância à glicose associada. O acetato tem sido implicado na saúde cardiometabólica (Nogal et al., 2021). Outros metabólitos são produzidos pela microbiota intestinal, como o ácido indol propiônico, que parece melhorar a integridade da mucosa no intestino.
A microbiota intestinal também demonstrou ter um impacto positivo no controle glicêmico, homeostase energética, metabolismo lipídico e proteico. Para os sistemas imunológico e nervoso, a microbiota intestinal modula a maturação e a função das células imunes residentes nos tecidos do sistema nervoso central (SNC), incluindo micróglia e astrócitos; eles também influenciam a ativação de células imunes periféricas, que regulam as respostas à neuroinflamação, lesão cerebral, autoimunidade e neurogênese.
Além disso, a microbiota intestinal saudável desempenha um papel dominante no reforço da barreira imunológica e mantém a integridade estrutural da barreira da mucosa intestinal.
Vários fatores contribuem para a formação da microbiota normal do trato digestório. Acredita-se que os mamíferos são expostos pela primeira vez a uma pequena quantidade de bactérias no útero e que a microbiota se expande rapidamente após o nascimento. O tipo de parto (vaginal ou cesariana), o ambiente local (ou seja, mãe e hospital) e o tipo de alimentação (mama ou fórmula) são fatores significativos que afetam a composição da microbiota intestinal. no início da vida, resultando em mudanças que persistem pela infância.
A dieta também modula de forma flexível a composição da microbiota intestinal. Em geral, a ingestão de uma dieta rica em frutas, vegetais e fibras está associada a uma maior riqueza e diversidade da microbiota intestinal. A configuração da microbiota intestinal dos indivíduos é afetada por muitos outros fatores, incluindo o genótipo do hospedeiro, etnia e sexo.
Embora os antibióticos sejam geralmente usados para salvar vidas na luta contra doenças infecciosas, muitos estudos mostraram seu efeito na ecologia bacteriana intestinal nos últimos anos. As principais mudanças na microbiota intestinal em resposta aos antibióticos incluem diminuição da diversidade taxonômica e persistência das mudanças em uma proporção substancial de indivíduos.
Mudanças na microbiota são comuns no autismo
Sintomas gastrointestinais, como constipação (20%) e diarreia (19%), são mais comuns em crianças autistas do que em crianças neurotípicas. As alterações na microbiota parecem estar direta ou indiretamente relacionadas aos sintomas de crianças autistas, principalmente afetando o sistema imunológico da mucosa e o metabolismo humano.
A microbiota de crianças autistas frequentemente apresenta maior abundância de Lactobacillus, Clostridium, Bacteroidetes Desulfovibrio, Caloramator e Sarcina, bem como níveis mais baixos de Bifidobacterium e Firmicutes do que a das crianças neurotípicas.
Além disso, crianças autistas com sintomas gastrointestinais apresentam níveis mais baixos de Prevotella, Coprococcus e Veillonellaceae do que crianças autistas sem estes sintomas. As alterações na composição não só interferem na produção de ácidos de cadeia curta, mas também na de substância neuroativas, que interagem com o cérebro e afetam o comportamento, a linguagem e a qualidade do sono.
Uma quantidade crescente de evidências sugere que a modulação da microbiota é uma terapia potencial em crianças autistas. Estudos vêm sendo conduzidos, incluindo modificações na dieta, suplementação de pré e probióticos, assim como transplante fecal.
Uma das hipóteses é a de que, ao melhorar a diversidade e qualidade da microbiota, não só mais AGCC e peptídios neuroativos benéficos serão produzidos, mas a de que a inflamação e a disfunção mitocondrial poderão ser melhoradas.
As mitocôndrias são organelas cuja principal função é a geração de energia. Acredita-se que pelo menos 30% das crianças autistas exibam geração de energia prejudicada. Um funcionamento mitocondrial sub-ótimo aumenta a produção de radicais livres. Se a pessoa, além de tudo, tiver baixa capacidade antioxidante, o resultado é maior estresse oxidativo.
O estresse oxidativo gera, por sua vez, uma resposta inflamatória como um componente a montante na cascata de sinalização. Vários estudos encontraram evidências de inflamação e estresse oxidativo em vários tipos tecidos de pessoas no espectro do autismo. Numa bola de neve, o estresse oxidativo pode causar desregulação epigenética, transtornos do neurodesenvolvimento, neuroinflamação, lesão cerebral e neurodisfunção.
Alterações na microbiota e neuroinflamação
O sistema nervoso entérico (SNE) é o elemento mais extenso do sistema nervoso autônomo, com aproximadamente 100 trilhões de neurônios que operam independentemente do sistema nervoso central (SNC). A função motora local e o fluxo sanguíneo, as secreções e transportes de fluidos e as atividades imunológicas e endócrinas são todas controladas pelos circuitos neuronais que compõem o SNE.
O nervo vago liga o intestino ao cérebro e à medula espinhal e é uma parte importante do eixo intestino-cérebro da microbiota. O nervo vago termina nos núcleos do tronco encefálico que recebem e transmitem fibras aferentes e eferentes. Desta forma, os núcleos do tronco cerebral podem controlar uma variedade de processos gastrointestinais e transmitir sinais para outras partes do cérebro, incluindo o tálamo e áreas corticais.
Vários metabólitos microbianos, incluindo ácidos graxos de cadeia curta e lipopolissacarídeos, estimulam o nervo vago. A presença de TLR 2,3,4 e 7 na superfície do nervo vago também permite detectar sinais dos micróbios intestinais.
A circulação sanguínea também pode facilitar a comunicação entre os órgãos, levando do intestino ao cérebro substâncias produzidas pelo microbioma intestinal, como citocinas pró e anti-inflamatórias.
As células imunes do cérebro (micróglia) são cruciais para manter a homeostase tecidual no cérebro. AGCC produzidos por determinadas bactérias intestinais estimulam a microglia a produzir IL-10 neuroprotetora.
Outros metabólitos, como o indol e seus derivados, demonstraram afetar a ativação microglial e a neurotoxicidade. Acredita-se que a cascata neurotóxica química comece com a ativação microglial. Descobertas recentes também indicam que o condicionamento do sistema imunológico periférico pelo microbioma pode causar neuroinflamação microglial.
Outro metabólito microbiano, o N-óxido de trimetilamina (TMAO) tem sido associado à fisiopatologia do autismo (Quan et al., 2020). Além disso, níveis elevados de ácidos biliares circulantes (BAs) produzidos por bactérias podem causar a deterioração das junções estreitas, aumentando a permeabilidade da barreira hematoencefálica e permitindo que substâncias não desejáveis se infiltrem no sistema nervoso central.
O microbioma intestinal também influencia a seleção e a atividade das células assassinas naturais invariantes (iNKT), servindo assim como um elo adicional entre o intestino e o cérebro. Por isso, alguns estudos focam na inclusão de microrganismos específicos na dieta, como probióticos, para alívio tanto dos sintomas gastrointestinais, quanto da inflamação (Feng et al., 2023).
Esta terapia também reduziria a chegada no cérebro de endotoxinas ou lipopolissacarídeo (LPS) presentes na membrana externa de todas as bactérias Gram-negativas. Quando o LPS chega ao cérebro contribui para a neuroinflamação (Li et al., 2023).
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