Mecanismos da resistência insulínica

Frederick Banting e Charles Best descobriram a insulina em 1921 enquanto trabalhavam na Universidade de Toronto, recebendo posteriormente o Prêmio Nobel em 1923. Por quase 100 anos, a regulação da secreção de insulina e suas ações nos tecidos periféricos estiveram no centro das atenções.

A insulina é indiscutivelmente o hormônio mais estudado da história. Mais recentemente, o estudo da função mitocondrial, autofagia e mitofagia nos tecidos periféricos forneceu informações sobre como os tecidos muscular, hepático e adiposo regulam a sensibilidade à insulina e como esses principais tecidos-alvo da insulina se comunicam entre si para controlar o metabolismo de todo o corpo.

FUNÇÕES DA INSULINA

MECANISMOS DE AÇÃO DA INSULINA

Nas miofibras, hepatócitos e adipócitos, a insulina liga-se a receptores na membrana plasmática e coordena as respostas anabólicas à disponibilidade de nutrientes. Após a ligação da insulina ao seu receptor, uma cascata de eventos de sinalização é ativada, acabando por promover a captação de glicose, principalmente nos tecidos muscular e adiposo que expressam altos níveis do transportador GLUT4 (em rosa na membrana da imagem abaixo).

A ligação da insulina ao seu receptor ativa uma cascata de eventos que permite a chegada de GLUT-4 à membrana, favorecendo a entrada de glicose na célula (Barros e Nunes, 2019).

A ação da insulina também afeta a absorção de ácidos graxos, aminoácidos e potássio nos tecidos muscular e adiposo. Se esse sistema for interrompido, dá origem à resistência à insulina, que afeta praticamente todos os tecidos do corpo, mas tem efeito dominante nos tecidos muscular, adiposo e hepático.

RECEPTOR DE INSULINA

O receptor de insulina (INSR) é composto pelas subunidades alfa (⍺) e beta (β). Nas subunidades β (em verde claro na figura acima), a fosforilação da tirosina é mais específica para a ligação da insulina, e esta subunidade é altamente expressa em fígado, músculo e células brancas do tecido adiposo.

Os eventos de ligação são uma etapa essencial para ativação de sinais mitogênicos e metabólicos. Essas ativações de sinal são dependentes das concentrações de insulina. Os principais substratos do receptor INSR são IRS1 e IRS2. Uma vez fosforilados, esses substratos se ligam e ativam quinases, mediando o início da ação da insulina na célula.

O IRS contém um terminal amino (NH2) e um terminal carboxílico (COOH) cheio de sítios de fosforilação de tirosina e serina/treonina (White, 2012). Quando resíduos de tirosina são fosforilados (recebem fósforo), outros efetores de sinalização são recrutados para propagar e amplificar a resposta à insulina.

RESISTÊNCIA À INSULINA

A resistência à insulina (RI) é caracterizada por uma resposta diminuída à estimulação da insulina, resultando na falha dos tecidos-alvo em descartar adequadamente a glicose no sangue, inibir a lipólise, estimular a síntese de glicogênio e inibir a produção hepática de glicose. Muitos fatores contribuem para a menor sensibilidade à insulina nos tecidos:

Uma outra causa da resistência insulínica (RI) é a lipotoxicidade, um tipo de estresse celular induzido pelo acúmulo de intermediários lipídicos, como diacilgliceróis (DAGs), ceramidas e triglicerídeos, que facilitam o desenvolvimento de resistência à insulina no músculo, fígado e tecido adiposo.

No músculo esquelético, o excesso de ácidos graxos impede a sinalização da insulina por meio da redução dos transportadores GLUT4 na superfície da membrana do miócito. Em outros tecidos, como o fígado, o acúmulo de triglicerídeos intra-hepáticos faz parte da patogênese da resistência à insulina. Em estado hiperalimentado, há também maior produção de substâncias inflamatórias que geram resistência insulínica no tecido adiposo.

Funcionamento mitocondrial prejudicado contribui para a RI

Evidências indicam que o conteúdo mitocondrial e a capacidade oxidativa mitocondrial estão alterados em vários tecidos responsivos à insulina (como o tecido adiposo), em humanos e modelos animais que apresentam obesidade e resistência à insulina.

O funcionamento mitocondrial prejudicado é um mecanismo sugerido através do qual a resistência à insulina se desenvolve. Vários fatores têm sido implicados no desenvolvimento da disfunção mitocondrial, incluindo:

  • Produção aumentada de espécies reativas de oxigênio (ROS). ROSs são subprodutos necessários do metabolismo energético mitocondrial; no entanto, se sua produção for exagerada, ocorrem danos ao DNA mitocondrial (mtDNA).

  • Oxidação prejudicada da glicose e dos ácidos graxos pode resultar da inflexibilidade metabólica, que é comumente descrita como uma incapacidade de adaptar a oxidação do combustível à disponibilidade de combustível. Em última análise, esses eventos podem levar ao desenvolvimento de ROS e ao acúmulo de lipídios em vários tecidos, resultando em dano mitocondrial.

  • Estresse do Retículo Endoplasmático (RE), desencadeando uma via de sinalização adaptativa, conhecida como resposta de proteína desdobrada (UPR). Se o estresse do RE não for aliviado por esta UPR, isso pode levar à morte celular.

Alterações no metabolismo mitocondrial impedem o uso de vários nutrientes e agravam a RI (Rosa et al., 2020).

Garantindo flexibilidade metabólica

A flexibilidade metabólica é descrita como a capacidade de um organismo de adaptar a oxidação do combustível à disponibilidade de combustível. Assim, a inflexibilidade metabólica é caracterizada por troca de combustível prejudicada e desregulação energética, conceitos que estão intimamente associados à resistência à insulina e à doença cardiometabólica.

Em resposta a um excesso de disponibilidade de ácidos graxos, os transportadores de ácidos graxos podem limitar a absorção celular e mitocondrial de ácidos graxos, reduzindo assim a oxidação da gordura e aumentando o acúmulo de metabólitos lipídicos lipotóxicos, contribuindo para o aparecimento de resistência à insulina .

A resistência insulínica impede a entrada de glicose nas células e ela aumenta no plasma. Para proteger o corpo contra o excesso de glicose o pâncreas fabrica cada vez mais hormônio, levando à maiores níveis de hiperinsulinemia, condição também perigosa e envolvida em uma série de doenças:

O metabolismo pode ser restaurado, em certa medida, com perda de peso, exercícios e dietas adequadas. No entanto, se deixada sem tratamento, a resistência à insulina contribui para a disfunção das células β pancreáticas. As consequências mais amplamente relatadas da resistência à insulina incluem o aparecimento de diabetes tipo 2 (DM2), com hiperglicemia de jejum e pós-prandial correspondente, hemoblobina glicada (HbA1c) elevada e doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), acompanhada de hiperglicemia plasmática em jejum insulinemia.

Comer menos para promover autofagia e mitofagia

Para resolver as questões metabólicas as células precisarão fazer uma série de reparos. Durante períodos de estresse celular, as células sofrem autofagia mais frequente e induzem processos catabólicos. A autofagia é um processo de autoconsumo. Este mecanismo de autodigestão é imperativo na remoção de organelas e proteínas danificadas.

A autofagia foi inicialmente considerada uma resposta celular à fome ou privação de nutrientes; no entanto, alguns estudos sugeriram que a autofagia pode potencialmente desempenhar um papel na prevenção da resistência à insulina.

Por sua vez, a mitofagia (também conhecida como autofagia seletiva da mitocôndria) é o processo onde as mitocôndrias disfuncionais são degradadas. O papel da mitofagia na resistência à insulina muscular e DM2 é um campo emergente, e seu papel e mecanismos moleculares nesses processos patológicos requerem mais experimentação. Afinal, não reparar as mitocôndrias é perigoso, mas deletar uma quantidade excessiva de mitocôndrias também pode ser.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/