A simbiose entre humanos e micróbios

Os seres humanos coevoluíram com sua microbiota intestinal por milhões de anos. Contudo, no mundo moderno, o uso exagerado de antibióticos, as dietas pobres em fibras, as práticas excessivas de higiene, o parto cesariano, as mudanças no ciclo circadiano, têm mudado essa microbiota, de forma que, de protetora, passa a ser causadora de problemas, incluindo aumento do risco de doenças inflamatórias intestinais (DII), síndrome do intestino irritável (SII), câncer, diabetes, asma, doenças autoimunes e até certos transtornos mentais.

Dieta adequada e intestino saudável geram a produção de substâncias benéficas à saúde (Derrien, & Veiga, 2016).

Substâncias produzidas pelas bactérias intestinais

Os microorganismos produzem uma série de metabólitos com efeitos na saúde humana. Estes metabólitos são produzidos a partir de componentes dietéticos (fitoestrógenos, isotiacianatos, ácido linoleico conjugado e ácidos graxos de cadeia curta) ou do metabolismo humano (sais biliares).

  • Fitoestrógenos: isoflavonas, lignanas e elagitaninos são polifenóis vegetais que podem ser “bioativados” por micróbios intestinais para formar equol, enterolignanas (enterolactona ou enterodiol) e urolitinas, respectivamente. Esses produtos bioativados são chamados coletivamente de fitoestrogênios, pois podem se ligar aos receptores de estrogênio (ER-alfa e/ou ER beta). Esta ligação pode estar por trás de seus efeitos protetores contra câncer de mama e próstata. O consumo de polifenóis também está associado à proteção contra a síndrome metabólica, o declínio da função cognitiva associada a doenças neurológicas e doenças cardiovasculares.

  • Isotiocianatos: as plantas da família Brassicaceae (também conhecidas como crucíferas) são a principal fonte alimentar de glicosinolatos, os precursores dos isotiocianatos. Glucosinolatos são convertidos em isotiocianatos por mirosinases bacterianas ou vegetais, que são inativadas pelo cozimento. Os glucosinolatos presentes nos crucíferos cozidos devem, portanto, ser convertidos em isotiocianatos pelas mirosinases microbianas intestinais, e a eficiência dessa conversão varia entre os indivíduos. Os isotiocianatos induzem proteínas citoprotetoras ativando a via Keap1-Nrf2-ARE, que regula a expressão de genes que codificam proteínas antioxidantes, enzimas metabolizadoras de drogas, bombas de efluxo de drogas, proteínas de choque térmico e subunidades de proteassoma. Os produtos desses genes regulados por Nrf2 atenuam os efeitos deletérios dos xenobióticos tóxicos, limitando o estresse oxidativo e reparando proteínas danificadas.

  • Ligantes do receptor de aril-hidrocarboneto: os vegetais crucíferos (como brócolis) também são muito ricos em indol-3-carbinol (I3C), que é oxidado a 3,3'-diindolilmetano (DIM) nas condições ácidas do estômago. O DIM é um potente ativador do Nrf2 e do receptor aril-hidrocarboneto (AhR). AhR é um fator de transcrição inicialmente mostrado para ligar xenobióticos (subtâncias estranha), como a dioxina. O AhR desempenha um papel importante na imunidade.

  • Ácidos Linoleicos Conjugados: o cólon humano recebe cerca de 6 a 8 g de lipídios por dia, principalmente na forma de ácidos graxos ômega-6 (ω-6). A microbiota intestinal pode conjugar o ω-6 para produzir ácidos linoléicos conjugados (CLAs). Os CLAs aumentam a sensibilidade à insulina, têm propriedades anti-inflamatórias e reduzem a carcinogênese, aterosclerose e adiposidade.

  • Ácidos graxos de cadeia curta (AGCC): gorduras com poucos carbonos produzidos pelas bactérias intestinais a partir da fermentação das fibras dos alimentos. Os AGCC derivados do intestino são absorvidos pelo epitélio do hospedeiro, após o que o butirato, em particular, é usado como fonte de energia para os colonócitos (células intestinais). O restante do butirato, bem como a maioria do propionato, é subsequentemente metabolizado pelos hepatócitos (células do fígado). Na célula, os AGCC são metabolizados principalmente por meio do ciclo de Krebs como fonte de energia. Isto subsequentemente aumenta o alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR), que é conhecido por ser um sensor de energia celular, estando implicado na fisiologia do cérebro e no comportamento.

  • Trimetilamina (TMA) é a molécula responsável por odores desagradáveis de peixe. Em humanos, a colina dietética e a L-carnitina são convertidas em TMA pela microbiota intestinal. O TMA é então absorvido e oxidado pela enzima hepática FMO3, para gerar trimetilamina-N-óxido (TMAO). O TMAO é pró-aterogênico e foi associado a um alto risco de doença cardiovascular. Dietas contendo mais carne vermelha, aves e ovos são ricas em colina e carnitina, e TMA e TMAO são formados em maior quantidade.

  • Sais biliares: os ácidos biliares primários são produzidos a partir do colesterol no fígado e são conjugados com taurina ou glicina para formar sais biliares. Eles são secretados no trato digestório para solubilizar os lipídios e facilitar sua absorção. Os sais biliares são desconjugados por hidrolases de sais biliares que são produzidas por muitos micróbios intestinais. Esses metabólitos microbianos são ainda usados pelas células hospedeiras como moléculas sinalizadoras que ativam os receptores farnesóide X, pregnano X e vitamina D, o receptor acoplado à proteína G TGR5 (TGR5) e as vias de sinalização celular (c-jun N-terminal quinase 1/ 2, AKT e ERK 1/2), para regular os níveis de glicose e ácidos biliares e a síntese de ácidos graxos e lipoproteínas. A produção de sais biliares aumenta com o consumo de uma dieta rica em gordura. Como Firmicutes e Bacteroides resistem aos sais biliares, estes filos tendem a preponderar no intestino de pessoas que consomem mais gorduras e em pessoas obesas. Entenda mais neste outro artigo.

Cuidando do intestino

A melhor forma de garantir uma microbiota saudável é tendo uma dieta diversificada, à base de plantas. Leia sobre a evolução humana e o impacto na microbiota neste outro texto. As bactérias vivas presentes em alimentos fermentados (iogurte, kefri, chucrute, kimchi, kombucha), podem ter diferentes impactos no hospedeiro e/ou microbiota de acordo com a natureza da microbiota presente no produto.

Outra estratégia é a suplementação de bactérias vivas (probióticas) selecionadas. Bactérias láticas e Bifidobacterium são conhecidas por resistirem ao processo industrial, e à digestão, chegando intactas ao intestino grosso, onde produzirão os compostos bioativos mencionados, como CLA, ligantes de Ahr, polifenóis etc. Aprenda tudo sobre o tratamento dos desequilíbrios da microbiota aqui.

Podemos estudar as substâncias produzidas pelas bactérias por meio de testes metabolômicos, nas fezes, urina, sangue ou mesmo saliva. Um dos metabólitos mais estudados é o TMAO que frequentemente aumenta quando o consumo de carnes e ovos é alto. Neste caso, a substituição de parte da proteína animal por proteína vegetal é recomendada para a redução de riscos cardiometabólicos. As carnitinas também podem ser estudadas. A redução indica redução na formação de butirato, sugerindo disbiose intestinal. O excesso pode ser resultado de suplementação com L-carnitina; estresse inflamatório no ambiente intestinal ou disfunção mitocondrial.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/