Um dia os ovos são ruins, no dia seguinte são ótimos. E o mesmo se aplica a vários alimentos e dietas. Por que isso acontece? Por que pesquisadores tão inteligentes que dedicam a vida à ciência vivem mudando de ideia? O resultado dos estudos depende da qualidade dos mesmos. Fazer pesquisa é caro. Por isso, até hoje, a maior parte dos conselhos nutricionais não são baseados nos estudos de bioquímica, fisiologia ou genética, mas do campo da epidemiologia nutricional.
O campo da epidemiologia (literalmente, o estudo das epidemias) nasceu em meados do século XIX. Em meio a um surto letal de cólera no distrito de Soho, em Londres, o Dr. John Snow suspeitou que a água contaminada da cidade poderia ser a culpada. Para explorar essa hipótese, ele entrevistou moradores da cidade sobre os seus hábitos de uso da água e mapeou meticulosamente onde ocorreram as infecções.
Ele notou que a maioria das famílias infectadas estava agrupada em torno de uma bomba de água da cidade localizada na Broad Street. Essa forte associação entre a proximidade da bomba da Broad Street e o risco de infecção por cólera convenceu a prefeitura a remover a alça da bomba da Broad Street. Como os moradores não podiam mais tirar água daquela bomba, a epidemia chegou rapidamente ao fim.
Desde então, a epidemiologia provou ser muito útil para entendermos outras doenças também causadas por toxinas provenientes da fumaça do cigarro ou das chaminés, até mais recentemente, a pandemia COVID-19. O método epidemiológico de estudar doenças é considerado observacional porque se baseia em observação, perguntas e reconhecimento de padrões em vez de experimentos clínicos. Afinal, não é nada ético expor intencionalmente pessoas saudáveis a bactérias mortais, vírus nocivos ou drogas variadas.
Mais de um século depois do estudo do Dr. Snow nasceu a epidemiologia nutricional. Assim como os residentes de Londres foram questionados sobre os seus hábitos de consumo de água, questionários de frequência alimentar passaram ser usados para que pudéssemos entender os hábitos alimentares das pessoas e a associação do consumo de determinados alimentos com doenças como diabetes, infarto ou Alzheimer.
Como funcionam os estudos epidemiológicos na nutrição?
Perguntamos às pessoas o que elas comem, comparamos com IMC e com a presença ou não de doenças, como câncer de cólon. Por meio de cálculos estatísticos podemos descobrir que o grupo de pessoas que come mais morangos desenvolve menos a doença e o grupo que come mais carne vermelha desenvolve mais. E é justamente esta a conclusão dos estudos: existem evidências de quem come morangos está mais protegido contra o câncer de cólon, do que quem come carne vermelha. Muito bem. Estudei isso muitos anos e o meu próprio estudo de mestrado sobre possíveis causas da obesidade infantil no DF foi um estudo epidemiológico.
Contudo, estes estudos falham em muitos pontos: não são experimentos, são observações. O ideal seria dividir a população em grupos, alimentar alguns com morangos, privar os demais destes alimentos e observar quem se sai melhor. A epidemiologia não muda a dieta das pessoas. Apenas pergunta sobre o que já foi feito. As pessoas respondem a questionários sobre o que comeram ou deixaram de comer.
Mas você lembra o que comeu ontem? E semana passada? E mês passado? E ano passado? Estes questionários são bastante imprecisos. E, de fato, quando as hipóteses são posteriormente testadas em ensaios clínicos, raramente confirmam-se. Isso não quer dizer que todos os ensaios clínicos sejam confiáveis. Mas pelo menos fazem medições, ao invés de confiar na memória das pessoas.
Isto é importante, pois a memória humana também está sujeita a distorções conscientes e inconscientes. Algumas pessoas podem acreditar que comem de forma mais saudável do que realmente comem, ou podem esconder a verdade dos entrevistadores.
Os questionários também representam a visão do entrevistador. Se ele acha importante perguntar sobre açúcar, ovo, fruta e bacon é isso que estará no questionário. Talvez você até saiba a frequência com que consome estes alimentos. Mas você saberia dizer o quanto consome de óleo de milho? Como saber o quanto é usado no restaurante self-service que você frequenta? Saberia dizer a quantidade de lecitina de soja ou corantes nos alimentos que consumiu? Nem isso é perguntado e nem acho que alguém saberia relatar.
E, respondendo ao questionário hoje, a sua resposta em relação ao que come seria a mesma que daria entre o natal e ano novo? Mesmo os estudos de epidemiologia nutricional mais cuidadosamente projetados por pesquisadores da Universidade de Harvard só são capazes de documentar possíveis padrões de associação entre um determinado alimento e um determinado problema de saúde, não de estabelecer relações de causa e efeito entre os dois. Será que a pessoa teve câncer porque comeu carne vermelha ou porque também bebia horrores, era sedentária, estressada e obesa? Ou tudo isso?
Associações entre duas coisas, como proximidade de uma bomba d'água e infecções por cólera ou tabagismo e câncer de pulmão, às vezes podem indicar uma provável relação de causa e efeito, mas, para que esse seja o caso, as associações devem ser muito fortes.
Associações muito fortes e consistentes não costumam acorrer em estudos de epidemiologia nutricional. Assim, usamos métodos estatísticos que agrupam números em um único valor chamado risco relativo, que supostamente inferem o quão benéfico ou perigoso é um determinado alimento, ou dieta. Só que o risco relativo esconde o risco verdadeiro, porque sem saber a que esse risco é relativo, não sabemos o tamanho real do risco.
O professor de bioética David Shaw, da Universidade de Maastricht, na Holanda, publicou uma crítica do problema de risco relativo no Journal of Medical Ethics. Examinou um estudo epidemiológico de 2019 cuja conclusão foi a de que comer duas fatias extras de bacon por dia aumentava o risco de câncer de cólon em 20%. Parece um aumento assustador, mas… 20% em relação a quê?
Se eu vendo bombons e falo que vou te dar 20% a mais se você vier à loja hoje, ficará feliz, certo? Mas 20% em relação a quê? Se for 20% de 1 bombom, significa 1,2 bombons. Já se fosse 20% de 100 bonbons seriam 120 bombons (20 a mais).
Acontece que o risco aumentado de 20% de câncer de cólon em pessoas que comem duas fatias extras de bacon por dia foi em comparação com pessoas que relataram comer cerca de uma fatia de bacon por dia e que tiveram um risco de câncer de cólon de 0,4%. Como 20% de 0,4% é 0,08, um risco relativo 20% maior eleva o risco absoluto total para 0,48%.
De outra forma: estima-se que as pessoas que relataram comer uma fatia de bacon por dia tenham um risco de câncer de cólon de 0,4% (40 casos por 10.000 pessoas) e estima-se que as pessoas que relatam comer três fatias de bacon por dia tenham um risco de câncer de cólon de 0,48% (48 casos por 10.000 pessoas). Viu como é mais útil relatar o risco absoluto junto com o risco relativo? O mesmo deveria ser feito em relação aos alimentos saudáveis.
O fato é que não existe mágica. Nossa saúde é resultado da combinação entre genética, alimentação (que inclui milhares de itens alimentares), padrão de sono, estresse, atividade física, exposições tóxicas etc. Não é fácil de entender. Mas a nutrição tem evoluído e cada vez mais estudos clínicos e ensaios aleatorizados vêm sendo publicados. Estes estudos estão a dismistificar alguns dos apectos da nutrição e para ficar sempre atualizado te convido a seguir o meu canal no YouTube:
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