Hipersensibilidade visceral

Hipersensibilidade visceral é um fenômeno fisiopatológico caracterizado por uma resposta aumentada dos órgãos internos a estímulos mecânicos, químicos ou inflamatórios que normalmente não provocariam dor ou desconforto significativo. Está associada a alterações na transdução e transmissão de sinais nociceptivos (de dor) ao nível periférico (receptores viscerais e aferentes nervosos) e central (medula espinhal e cérebro), envolvendo modulação neural anormal, plasticidade sináptica e sensibilização central.

A hipersensibilidade visceral pode desempenhar um papel na síndrome do intestino irritável e é influenciada por fatores como secreções do tecido adiposo, microbiota gastrointestinal, deficiência de vitamina D e o eixo cérebro-intestino [1].

Em pacientes com hipersensibilidade visceral (por exemplo, SII), a interação entre os componentes dos alimentos e uma microbiota intestinal desequilibrada pode aumentar a atividade dos nervos nociceptivos por meio de: (1) secreção de imunomoduladores (por exemplo, histamina) ou (2) aumento da abundância de lipossacarídeos bacterianos (LPS), que, por sua vez, desencadeiam uma resposta imune do hospedeiro, como a secreção de mediadores de mastócitos (isto é, histamina, triptase e prostaglandinas), levando à ativação dos nervos nociceptivos.

Outros mecanismos potenciais que requerem investigação adicional incluem (a) ativação direta dos nervos nociceptivos por mediadores microbianos e (b) ativação de células epiteliais por mediadores microbianos, levando à secreção de fatores (por exemplo, proteases) que, em última análise, impulsionam a ativação dos nervos nociceptivos.

Dor visceral, transtornos mentais e do neurodesenvolvimento

A relação entre dor visceral e transtornos mentais é complexa, com o estresse psicológico e condições inflamatórias na primeira infância contribuindo para a dor crônica na vida adulta [2].

A hipersensibilidade sensorial está fortemente ligada a comportamentos repetitivos tanto em crianças autistas quanto em crianças com desenvolvimento típico, sendo que o diagnóstico de autismo neste estudo não adicionou influência preditiva além da própria hipersensibilidade sensorial [3].

Porém, outro estudo encontrou uma associação positiva entre hipersensibilidade alimentar e o risco de transtorno do espectro autista (TEA), particularmente em meninas e crianças menores de 12 anos [4].

Referências

1) W Yanping et al. The interaction between obesity and visceral hypersensitivity. Journal of gastroenterology and hepatology (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36478286/

2) JN Sengupta et al. Visceral pain: the neurophysiological mechanism. Handbook of experimental pharmacology (2009). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19655104/

3) SE Schulz et al. Sensory hypersensitivity predicts repetitive behaviours in autistic and typically-developing children. Autism : the international journal of research and practice (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30244585/

4) H Li et al. Association of food hypersensitivity in children with the risk of autism spectrum disorder: a meta-analysis. European journal of pediatrics (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33145704/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Alterações metabolicas no TEA já estão presentes ao nascimento

No estudo “Metabolic network analysis of pre‑ASD newborns and 5-year-old children with autism spectrum disorder” (Lingampelly et al., 2024), pesquisadores investigaram como o metabolismo difere em crianças que desenvolvem autismo. Eles analisaram amostras de sangue seco de recém-nascidos que mais tarde foram diagnosticados com autismo e também de crianças de 5 anos já diagnosticadas. O objetivo foi identificar padrões metabólicos que possam servir como sinais precoces ou ajudar a entender os mecanismos do autismo.

Foram analisados cerca de 450 metabólitos e 50 vias metabólicas. Das análises, 14 vias se destacaram, sendo responsáveis por 80% do impacto metabólico observado. Entre os achados, crianças com autismo ou em risco mostraram aumento de moléculas associadas ao “stress” fisiológico (como lactato e ceramidas) e redução de antioxidantes e defensas anti-inflamatórias (como glutationa e CoQ10).

Um ponto-chave foi a análise da rede metabólica. Os pesquisadores criaram um parâmetro chamado “taxa de crescimento da rede metabólica” para medir como as conexões entre metabolitos evoluem com o tempo. Essa taxa foi menor em crianças com autismo. Um destaque especial foi a via das purinas, ligada à sinalização de energia e função mitocondrial: em crianças típicas, a rede de purinas muda bastante entre o nascimento e os 5 anos; em crianças com autismo, essa mudança não ocorre.

Além disso, as conexões entre lipídios e metabólitos polares estavam significativamente alteradas no autismo, mostrando que não é apenas uma molécula isolada alterada, mas toda a estrutura da rede metabólica.

Esses achados sugerem que já desde o nascimento podem existir sinais metabólicos de risco para autismo, reforçando a ideia de que olhar para o metabolismo como um todo — energia, lipídios, sinalização purinérgica — é mais informativo do que focar em um único marcador.

Conversei sobre este e outros estudos com a Mayra Gaiato:

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Inflamação no TEA

Um grupo de pesquisadores brasileiros quis entender se crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam diferenças nos perfis metabólicos e inflamatórios, e como isso se relaciona com a intensidade dos sintomas do transtorno. A pesquisa envolveu 154 jovens entre 2 e 17 anos, e os cientistas analisaram células do sistema imune (leucócitos, linfócitos e monócitos), glicemia, insulina, lipídios e o índice HOMA-IR, que indica resistência à insulina. Também consideraram fatores como idade, peso, gênero, uso de medicação e intensidade dos sintomas de TEA (Gaspar et al., 2024).

Principais descobertas

Em relação às células inflamatórias, não houve diferenças significativas ligadas à idade, peso, medicação ou intensidade dos sintomas — os valores estavam dentro do esperado para crianças.

Já nos marcadores metabólicos, alguns padrões chamaram atenção:

  • Crianças com maior peso apresentaram triglicérides e insulina mais altos.

  • Crianças mais velhas mostraram elevação de triglicérides, insulina e ácidos graxos livres, mesmo quando considerando medicação, sexo e intensidade dos sintomas.

  • Crianças com sintomas mais intensos (nível 3) tiveram níveis maiores de ácidos graxos livres.

Apesar dessas diferenças, muitos marcadores, como colesterol total, HDL, LDL e glicemia, ainda estavam dentro dos valores de referência para crianças.

O estudo sugere que, embora as células inflamatórias periféricas não terem apresentado alterações significativas neste estudo, crianças e adolescentes com TEA podem ter sinais de risco metabólico, especialmente se forem mais velhos ou apresentarem maior peso. Isso reforça que o cuidado com a saúde de jovens com TEA não deve se limitar ao desenvolvimento e comportamento: atenção à alimentação, peso e atividade física é fundamental para prevenir complicações futuras.

Os pesquisadores também apontam que o monitoramento de marcadores metabólicos como insulina, triglicérides e ácidos graxos livres pode ser uma ferramenta útil na gestão clínica do TEA.

Além do acompanhamento do desenvolvimento e comportamento, é importante observar a saúde metabólica. Manter peso saudável, incentivar atividade física e monitorar certos marcadores metabólicos pode ajudar a prevenir problemas futuros. Mesmo dentro da faixa “normal”, crianças com TEA podem apresentar tendências que merecem atenção, especialmente se tiverem sintomas intensos, usarem medicação ou forem mais velhas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/