Marcadores metabolômicos na depressão

A metabolômica é o estudo de metabólitos — pequenas moléculas presentes no sangue, urina, saliva ou tecido — que refletem o estado metabólico do organismo em tempo real. Aplicada à depressão, ela vem oferecendo novas perspectivas para diagnóstico e tratamento.

Por que é relevante na depressão?

A depressão não é apenas química; envolve alterações metabólicas e inflamatórias no cérebro. A metabolômica permite identificar biomarcadores específicos que diferenciam tipos de depressão ou preveem resposta a tratamentos. Pode ajudar a personalizar intervenções, como medicações, dieta e estilo de vida, de forma mais precisa.

Exemplos de achados:

  • Ácido Esteárico, Fitoesfingosina, Glicina, Glutamina e Fosfolipídios: São identificados como importantes biomarcadores metabólicos no plasma de pacientes deprimidos. Estão envolvidos em vias como as vias de sinalização PI3K-Akt e mTOR, intimamente relacionadas aos mecanismos patológicos da depressão [1].

  • Liso-PE 22:6 e Liso-PE 20:4: Esses metabólitos estão associados ao desenvolvimento de depressão leve a moderada. Eles demonstram potencial para distinguir pacientes com depressão de controles saudáveis e estão envolvidos nas vias metabólicas de aminoácidos e lipídios [2].

  • Ácido Glutâmico e Fosfatidilcolina (32:0): Níveis elevados desses metabólitos são consistentemente observados em pacientes depressivos. Outros metabólitos, como triptofano, ácido quinurênico, acetilcarnitina, serotonina, creatinina, inosina, fenilalanina e valina, apresentam níveis mais baixos em amostras de sangue de pacientes com depressão [3].

  • GABA, Dopamina, Tiramina, Quinurenina: Um painel de neurometabólitos composto por esses biomarcadores de metabólitos plasmáticos pode representar marcadores clinicamente úteis para transtorno depressivo maior (TDM) [4].

  • Creatinina, Succinato de Arginina, N-acetilisoureia, 3-amino-2-piperidona, Carboxietil-GABA: Esses metabólitos do líquido cefalorraquidiano apresentam hereditariedade genética significativa e estão potencialmente relacionados à depressão [5].

  • Marcadores de estresse oxidativo, relacionados à neurodegeneração e fadiga.

    • Malondialdeído (MDA): Produto final da peroxidação lipídica, frequentemente elevado em indivíduos com depressão, indicando dano celular oxidativo [6].

    • Glutationa (GSH): Antioxidante intracelular essencial, com níveis reduzidos observados em pacientes deprimidos, sugerindo comprometimento das defesas antioxidantes [7].

    • 8-Oxo-2'-desoxiguanosina (8-OHdG): Indicador de dano ao DNA, com aumento significativo em plasma e urina de indivíduos com TDM, refletindo estresse oxidativo intracelular.

    • Superóxido dismutase (SOD): Enzima antioxidante, com níveis plasmáticos correlacionados positivamente com a amplitude de flutuação de baixa frequência (ALFF) em pacientes com TDM, sugerindo relação com a atividade cerebral funcional [8].

Esses achados destacam vários marcadores metabolômicos associados à depressão, fornecendo insights sobre potenciais alvos diagnósticos e terapêuticos. O objetivo da avaliação metabolômica é contribuir para um diagnóstico precoce e mais objetivo, potencializar as prescrições para que sejam mais eficazes, considerando o perfil metabólico do paciente, contribuir para monitorização e individualização do tratamento.

Referências

1. Gao Y, et al. A Novel Network Pharmacology Strategy to Decode Metabolic Biomarkers and Targets Interactions for Depression. Front Psychiatry. 2020. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32760300/

2. Yu J, et al. Plasma Lyso-PE 22:6 and Lyso-PE 20:4 are associated with development of mild to moderate depression revealed by metabolomics: a pilot study. BMC Psychiatry. 2025. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40597055/

3. Pu J, et al. Characterizing metabolomic and proteomic changes in depression: a systematic analysis. Mol Psychiatry. 2025. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39955468/

4. Nikolac Perkovic M, et al. A Load to Find Clinically Useful Biomarkers for Depression. Adv Exp Med Biol. 2021. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33834401/

5. Zhang Y, et al. The Causal Association Analysis between Depression and Cerebrospinal Fluid: From the Perspective of Mendelian Randomization. Psychol Res Behav Manag. 2025. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40352659/

6. Mulić R, Ivanković M, Vučković I, Ćosić V, Papić N. Biomarkers of Oxidative Stress in Major Depressive Disorder. Open Access Maced J Med Sci. 2020;8(B):4144. doi:10.3889/oamjms.2020.4144.

7. Bader, M., Abdelwanis, M., Maalouf, M. et al. Detecting depression severity using weighted random forest and oxidative stress biomarkers. Sci Rep 14, 16328 (2024). https://doi.org/10.1038/s41598-024-67251-y

8. iu Y, Zhang B, Zhou Y, Li M, Gao Y, Qin W, et al. Plasma oxidative stress marker levels related to functional brain abnormalities in first-episode drug-naive major depressive disorder. Psychiatry Res. 2024;333:115742. doi:10.1016/j.pscychresns.2024.115742.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Tratamento da intoxicação por metanol e uso da vitamina B9

A intoxicação por metanol é uma emergência médica grave que ocorre quando uma pessoa ingere (ou, mais raramente, inala) metanol (álcool metílico) — uma substância altamente tóxica encontrada em solventes, combustíveis, anticongelantes e bebidas adulteradas (“álcool caseiro”).

Fisiopatologia

O metanol em si não é extremamente tóxico, mas seu metabolismo hepático produz compostos altamente tóxicos:

O ácido fórmico é o principal responsável pela acidose metabólica grave e toxicidade ocular (pode causar cegueira). O metabolismo é lento, então os sintomas podem demorar horas a se manifestar.

Sintomas

Início: 6–30 horas após ingestão (mais rápido se não houver etanol junto).

Fases e sinais típicos:

  1. Fase inicial (semelhante ao álcool comum):

    • Euforia, tontura, náuseas, vômitos, dor abdominal.

  2. Fase tóxica (após metabolização):

    • Cefaleia intensa, visão borrada ("como se tivesse uma névoa"), cegueira.

    • Hiperventilação (por acidose metabólica).

    • Confusão, convulsões, coma.

Diagnóstico

Baseia-se em histórico clínico e achados laboratoriais:

  • Gasometria arterial: acidose metabólica com ânion gap elevado.

  • Osmolaridade plasmática: aumento do gap osmolar

  • Dosagem de metanol (se disponível).

  • Exame oftalmológico: edema de papila, alterações retinianas.

Tratamento

Deve ser imediato — quanto mais precoce, melhor o prognóstico.

  1. Suporte básico:

    • Manter via aérea, ventilação e circulação.

    • Corrigir acidose (bicarbonato de sódio IV).

    • Diazepam para crise convulsiva

  2. Bloquear metabolismo do metanol:

    • Fomepizol (inibidor da álcool desidrogenase) — tratamento de escolha.

    • Etanol (alternativa quando fomepizol não está disponível).

  3. Remover metanol e metabólitos:

    • Hemodiálise (principal medida em casos graves).

  4. Tratar toxicidade metabólica:

    • Ácido fólico ou folinato de cálcio — aceleram a conversão do ácido fórmico em CO₂ e H₂O.

Prognóstico

  • Mortalidade: 20–50% se não tratado.

  • Se o tratamento for precoce, a recuperação é possível, mas lesões visuais podem ser permanentes.

Por que usar Ácido Fólico (ou Folinato de Cálcio / Ácido Folínico)?

O ácido fólico (vitamina B9) e o folinato de cálcio participam de uma via alternativa que ajuda a eliminar o ácido fórmico do organismo.

Mecanismo bioquímico:

O ácido fórmico é normalmente convertido em CO₂ e H₂O por uma via dependente de tetraidrofolato (THF):

Essa reação é catalisada pela enzima 10-formil-tetraidrofolato desidrogenase. Quando administramos ácido fólico (ou folinato):

  • Aumentamos o pool de tetraidrofolato ativo.

  • Isso acelera a conversão do ácido fórmico em CO₂, reduzindo sua concentração e toxicidade.

  • Resultado: menor acidose metabólica e menor lesão ocular.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Quem é a acetil-CoA?

A acetil-CoA é como uma “moeda energética universal” dentro das células. Ela vem do metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas — e alimenta o ciclo de Krebs (também conhecido como ciclo do ácido tricarboxílico), a principal rota de geração de energia nas mitocôndrias.

A acetil-CoA é o intermediário comum da oxidação de carboidratos (via piruvato → piruvato desidrogenase), de ácidos graxos (via β-oxidação) e de certos aminoácidos. Ao entrar no ciclo do TCA (Krebs), a acetil-CoA combina-se com oxaloacetato para formar citrato, permitindo a produção de NADH, FADH₂ e GTP/ATP para alimentar a fosforilação oxidativa.

Via do mevalonato: síntese de colesterol e medicamentos que inibem a via (Griffin, Preta, & Sheldon, 2017)

Também atua como precursor para biossíntese lipídica e de colesterol: citrato exportado da mitocôndria pode ser convertido de volta em acetil-CoA no citosol para formar ácidos graxos ou esteróis.

Mas o papel dela vai muito além da geração de energia! A acetil-coA é precursora das enzimas acetiltransferases de lisina (KATs/HATs) que transferem grupos acetil para resíduos de lisina em histonas ou outras proteínas. Isso modula a estrutura da cromatina e a expressão dos genes.

Acetil-CoA e o controle dos genes 🧬

A acetil-CoA atua no núcleo da célula, doando grupos acetil para as histonas — proteínas que enrolam o DNA. Esse processo, chamado acetilação de histonas, “abre” a cromatina e ativa genes ligados a crescimento, diferenciação e defesa celular.

Em termos práticos, isso significa que os níveis de acetil-CoA afetam quais genes “ligam” ou “desligam” sem alterar o DNA em si — um mecanismo de regulação metabólica → epigenética.

Acetil-CoA e imunidade

Durante a ativação de células imunes, como macrófagos e linfócitos, os níveis de acetil-CoA aumentam para reprogramar o metabolismo e ativar genes inflamatórios ou anti-inflamatórios. Ela é literalmente um interruptor entre inflamação e reparo.

Acetil-CoA, longevidade e doenças

Alterações na produção ou uso da acetil-CoA estão ligadas a:

  • Síndromes metabólicas e resistência à insulina

  • Doenças neurodegenerativas

  • Envelhecimento celular

  • Câncer (por reprogramação epigenética)

Equilíbrio é tudo — tanto o excesso quanto a falta podem ser prejudiciais. Comer muito aumenta a disponibilidade de acetil-CoA e isso contribui, indiretamente, para um ambiente favorável ao desenvolvimento de câncer.

Em células cancerígenas, por exemplo, há evidências de que o enriquecimento (excesso) de acetil-CoA está ligado a agressividade tumoral via estimulação de genes de proliferação (via histona acetilação).

Em células cancerígenas a produção de acetil-CoA está aumentada

A imagem anterior mostra como o aumento ou a desregulação do acetil-CoA pode favorecer o desenvolvimento do câncer, estimulando várias características clássicas das células tumorais:

  • Sustentar sinalização proliferativa

  • Evitar supressores de crescimento

  • Resistir à morte celular

  • Habilitar imortalidade replicativa

  • Ativar invasão e metástase

  • Induzir angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos)

Esses processos estão associados a diferentes tipos de câncer (fígado, cérebro, pulmão, pâncreas, mama, cólon, estômago, rins).

Por que os exames metabolômicos são o futuro da medicina?

A metabolômica analisa centenas de metabólitos — como acetil-CoA, succinato, fumarato e itaconato — revelando o que realmente está acontecendo no seu metabolismo em tempo real.

Enquanto os exames tradicionais olham “o resultado” (como glicose ou colesterol), a metabolômica olha os caminhos bioquímicos. Isso permite detectar disfunções antes de surgirem sintomas ou doenças crônicas.

A acetil-CoA é o elo invisível entre o que você come, como você vive e o modo como seus genes se comportam. E a metabolômica é a lupa que permite enxergar esse elo. A análise de metabólitos mitocondriais nos ajuda a entender como a célula gera energia, responde ao estresse e como o tumor pode se adaptar, oferecendo informações valiosas para estratégias terapêuticas personalizadas.

Outros metabólitos associados ao câncer

A metabolômica está revelando insights poderosos sobre o câncer. Ela permite identificar marcadores importantes em pacientes oncológicos, como o p-hidroxifenilactato (associado à proliferação celular) e o 8-hidroxi-2'-desoxiguanosina – 8-OHdG (indicador de dano ao DNA e estresse oxidativo).

O câncer cresce em um ambiente de alto estresse oxidativo, com produção excessiva de radicais livres e antioxidantes. Esse equilíbrio delicado não só favorece a progressão tumoral, mas também influencia tratamentos como quimioterapia e radioterapia, que dependem da oxidação para eliminar células cancerígenas.

⚠️ Atenção com o uso de antioxidantes durante o tratamento oncológico! Eles podem reduzir a eficácia da terapia e até tornar o tumor mais resistente. Não suplemente sem conversar com um profisisonal de saúde habilitado na área.

📊 A metabolômica não serve apenas para diagnóstico precoce, mas também para monitorar a resposta ao tratamento e o risco de recidiva, oferecendo uma visão detalhada do metabolismo tumoral.

Você já conhecia esses marcadores? Compartilhe este post e ajude pacientes e profissionais da saúde a expandirem seu conhecimento sobre essa ferramenta transformadora da medicina de precisão!

Aprenda a interpretar estes exames aqui.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/