Tecnologias ômicas no lipedema

As ciências ômicas (genômica, transcriptômica, proteômica, metabolômica, lipidômica etc.) vêm sendo aplicadas progressivamente no estudo do lipedema, ajudando a compreender melhor essa condição ainda pouco elucidada.

O lipedema é uma condição crônica caracterizada pelo acúmulo anormal de gordura, geralmente nas pernas, quadris e, em alguns casos, nos braços. A causa exata do lipedema ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que fatores hormonais e genéticos desempenham um papel importante. O tratamento do lipedema pode envolver uma combinação de abordagens para aliviar os sintomas, melhorar a qualidade de vida e, em alguns casos, reduzir a aparência do acúmulo de gordura.

Pesquisas genômicas sugerem uma predisposição genética ao lipedema, já que há forte agregação familiar. Estudos exploram genes relacionados ao desenvolvimento do tecido adiposo, angiogênese, matriz extracelular e inflamação crônica de baixo grau. Falo um pouco sobre este tema neste vídeo:

A transcriptômica avalia quais genes estão sendo mais ou menos expressos no tecido adiposo de pacientes com lipedema. Achados iniciais sugerem aumento de expressão de genes pró-inflamatórios e de angiogênese, além de alterações em vias de remodelamento da matriz extracelular. Isto pode explicar sintomas como dor, facilidade de hematomas e edema persistente.

A proteômica identifica proteínas circulantes e no tecido adiposo. Estudos apontam diferenças em proteínas inflamatórias, de coagulação e remodelamento tecidual. A ideia é que estas proteínas possam futuramente contribuir como biomarcadores diagnósticos, já que hoje o diagnóstico é essencialmente clínico.

A metabolômica analisa metabólitos no sangue, urina ou tecido adiposo. Pacientes com lipedema apresentam alterações no perfil metabólico, mas diferentes das encontradas em obesidade comum. Sugerem metabolismo lipídico peculiar, o que pode explicar porque o lipedema não responde bem à dieta e exercício convencionais. Esta abordagem emergente nos ajuda a entender os mecanismos metabólicos subjacentes a essa condição. A metabolômica fornece insights sobre processos bioquímicos alterados no organismo.

Principais Descobertas na Metabolômica Urinária do Lipedema

Estudos indicam que pacientes com lipedema podem apresentar padrões metabólicos distintos, refletindo inflamação crônica, disfunção do metabolismo lipídico e estresse oxidativo. Algumas das principais alterações identificadas incluem:

  1. Metabólitos do metabolismo lipídico

    • Alterações nos ácidos graxos de cadeia curta e longa, sugerindo possível resistência à lipólise.

    • Aumento de metabólitos relacionados à β-oxidação incompleta, indicando um metabolismo energético ineficiente.

  2. Marcadores de inflamação e estresse oxidativo

    • Elevação de metabólitos associados ao estresse oxidativo, como produtos da peroxidação lipídica.

    • Alterações em metabólitos relacionados à resposta inflamatória, como aminoácidos derivados da via do triptofano (quinurenina, por exemplo).

  3. Desequilíbrios no metabolismo de aminoácidos

    • Alterações em aminoácidos como leucina, isoleucina e valina (aminoácidos de cadeia ramificada), o que pode indicar disfunção na sinalização da insulina e resistência anabólica.

    • Possível impacto no metabolismo do colágeno e matriz extracelular devido a variações nos níveis de prolina e hidroxiprolina.

  4. Metabólitos do ciclo do ácido cítrico (TCA)

    • Redução de intermediários como citrato e succinato pode sugerir menor eficiência na produção de energia celular (disfunção mitocondrial).

  5. Alterações na microbiota intestinal

    • Metabólitos derivados da microbiota, como indóis e ácidos biliares secundários, podem estar alterados, sugerindo um impacto do lipedema na saúde intestinal.

Implicações Clínicas

Esses achados sugerem que o lipedema envolve não apenas um acúmulo anormal de gordura, mas também um metabolismo energético comprometido, inflamação persistente e possíveis alterações na microbiota. Isso pode abrir caminho para estratégias terapêuticas personalizadas, como ajustes na dieta, suplementação específica e tratamentos anti-inflamatórios (Kempa et al., 2023).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Metabolômica no tratamento do câncer

A metabolômica é uma abordagem analítica que estuda os metabólitos presentes em células, tecidos ou biofluidos. No contexto do câncer e da radioterapia, a metabolômica tem um papel crucial na compreensão dos efeitos da terapia, na identificação de biomarcadores e na personalização do tratamento.

A metabolômica urinária reflete não apenas as alterações metabólicas internas das células tumorais, mas também as influências do microambiente tumoral. A figura abaixo mostra como o metabolismo das células é reprogramada por uma combinação de fatores intrínsecos (alterações na glicólise, glutaminólise, ciclo de Krebs, função mitocondrial, mutações) e fatores extrínsecos (hipóxia, acidez extracelular, disponibilidade de nutrientes).

Reprogramação metabólica em células cancerígenas (Suri et al., 2023)

Essa interação bidirecional gera perfis metabólicos característicos, que podem ser detectados em biofluidos como a urina. Assim, biomarcadores urinários relacionados a purinas, aminoácidos aromáticos, carnitinas e intermediários do ciclo de Krebs não apenas refletem a biologia tumoral intrínseca, mas também o impacto do microambiente, sendo valiosos para diagnóstico, monitoramento de resposta terapêutica e detecção de toxicidade.

1. Metabolômica no Tratamento do Câncer

A metabolômica permite identificar assinaturas metabólicas específicas de diferentes tipos de câncer e estados de progressão tumoral. Isso auxilia na:

  • Detecção precoce: Biomarcadores metabólicos podem indicar a presença de câncer antes que ele seja detectável por exames convencionais.

  • Caracterização do tumor: Tumores apresentam alterações metabólicas distintas, como o efeito Warburg (aumento do metabolismo glicolítico mesmo na presença de oxigênio).

  • Personalização da terapia: A resposta ao tratamento pode ser monitorada metabolicamente, permitindo ajustes na terapia.

2. Metabolômica na Radioterapia

A radioterapia atua induzindo danos ao DNA das células cancerígenas, mas também afeta células normais. A metabolômica pode ser aplicada para:

  • Monitorar resposta ao tratamento: Mudanças nos perfis metabólicos podem indicar a eficácia da radioterapia.

  • Identificar resistência: Algumas células tumorais desenvolvem resistência à radiação, muitas vezes alterando seu metabolismo. Fenilalanina, tirosina, triptofano e histidina são possíveis biomarcadores de progressão tumoral pós-tratamento.

  • Minimizar efeitos colaterais: Biomarcadores metabólicos podem prever toxicidade, ajudando a ajustar doses e proteger tecidos saudáveis.

3. Plataformas analísticas

  • Espectrometria de Massas (LC-MS/UPLC-MS): detecção de metabólitos polares e lipídicos (alta sensibilidade).

  • Ressonância Magnética Nuclear (NMR): menos sensível, mas muito reprodutível e quantitativo.

  • Cromatografia Líquida ou Gasosa acoplada à MS (LC-MS, GC-MS): ideal para ácidos orgânicos, aminoácidos, ácidos graxos voláteis.

Métodos usados na metabolômica (Suri et al., 2023)

4. Interpretação Biológica

A interpretação é feita mapeando os metabólitos em vias metabólicas (KEGG, HMDB, MetaboAnalyst).

Exemplos práticos:

a) Radiação e estresse oxidativo

  • ↑ Hipoxantina, xantina, ácido úrico → ativação do metabolismo de purinas (turnover de DNA/RNA).

  • ↑ Carnitinas (acetilcarnitina, TML, decanoylcarnitina) → alterações em transporte mitocondrial de ácidos graxos → sinalizam dano energético.
    ➡ Interpretação: indicadores precoces de dano por radiação e biodosimetria. Há necessidade de integração com outras bases (transcriptômica, proteômica) para fundamentar escolhas terapêuticas.

b) Progressão tumoral pós-radioterapia (câncer de mama)

  • Alterações em aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina, triptofano) → associados a inflamação crônica e biossíntese de neurotransmissores.

  • ↓ Histidina → estresse oxidativo e resposta imune.
    ➡ Interpretação: podem prever resistência ou progressão da doença.

c) Diagnóstico de câncer de bexiga

  • Perfis alterados de piruvato, ácidos graxos, aminoácidos.

  • Alterações no metabolismo energético (efeito Warburg) → ↑ glicólise, ↓ ciclo de Krebs.
    ➡ Interpretação: assinatura metabólica tumoral detectável em urina com alta acurácia.

5. Integração com Clínica

  • Monitoramento: repetir coleta durante o tratamento → verificar se assinaturas metabólicas se aproximam de controles saudáveis ou de padrão de resposta.

  • Personalização: pacientes com perfis metabólicos de toxicidade (ex.: aumento de derivados de triptofano indicando inflamação intestinal) podem receber ajustes de dose/protetores.

  • Descoberta de alvos: se uma via (ex.: metabolismo de arginina/prolina) aparece alterada, pode sugerir terapias complementares (ex.: inibidores de arginase).

5. Desafios para o uso da metabolômica na oncologia

Há necessidade de maior padronização, estruturação de fluxos de pesquisa (coleta, extração de amostras, cromatografia, instrumentação, normalização, processamento e análises de dados multivariada). Boas práticas com controle de qualidade são fundamentais.

Fora isso, os custos dos testes ainda são elevados. Outro grande problema é a falta de expertise técnica para estudos na área.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Dieta cetogênica, treino e composição corporal

Descubra como a dieta cetogênica afeta peso, gordura, músculo e performance em atletas e não atletas segundo a revisão do British Journal of Nutrition.

A dieta cetogênica (também conhecida como keto ou ceto) é um dos temas mais discutidos no mundo da nutrição e do fitness. De um lado, quem garante que é a forma mais rápida de perder gordura; do outro, quem critica os riscos de perda muscular e queda de performance. Afinal, qual é a verdade?

Um estudo de revisão publicado em 2022 no British Journal of Nutrition.(Ashtary-Larky et al.) analisou dezenas de investigações para entender como a ceto afeta a composição corporal (peso, massa gorda e massa magra) em três grupos diferentes: pessoas com excesso de peso, atletas de endurance e praticantes de treino de força. Os resultados trazem respostas valiosas — e algumas surpresas.

O que é a dieta cetogênica?

A dieta keto é uma alimentação muito baixa em carboidratos, rica em gordura e com proteína ajustada às necessidades individuais. Esse padrão induz a chamada cetose nutricional, estado em que o corpo passa a usar corpos cetônicos como combustível alternativo.

Principais descobertas da revisão científica

1. Perda de peso: funciona, mas não é “mágica”

A dieta reduz peso e gordura de forma consistente. O motivo principal é o déficit calórico espontâneo, já que muitas pessoas comem menos sem perceber.

Contudo, quando calorias e proteínas são controladas, a keto não é superior a outras dietas. Ou seja, se o objetivo é emagrecer, muitas dietas funciona e a a keto é uma delas, especialmente por ajudar a controlar o apetite, mas não faz milagres.

2. Massa magra: resultados dependem do contexto

  • Em pessoas com obesidade: tende a preservar bem a massa magra.

  • Em atletas de endurance: pode até ajudar a manter mais massa magra após adaptação.

  • Em praticantes de treino de força: existe risco real de perda de massa muscular se calorias ou proteínas ficarem aquém do necessário. Assim para quem quer hipertrofia, esta dieta não é a primeira opção.

3. Performance: endurance ganha, força pode perder

Após 2–4 semanas, o corpo aumenta significativamente a capacidade de oxidar gordura. Isso beneficia provas longas, mas pode atrapalhar atividades explosivas e de alta intensidade que dependem do glicogênio. Para atletas de endurance, pode ser útil — mas precisa de tempo de adaptação.

4. Diferenças entre homens e mulheres

Alguns estudos sugerem que homens perdem mais gordura do que mulheres na dieta cetogênica. Isso pode estar ligado ao maior gasto energético basal masculino (mais massa magra). Mas os dados ainda não são conclusivos.

Como aplicar de forma inteligente

  • Para perda de peso: usar como ferramenta para controlar o apetite. Contudo, lembre de garantir proteína suficiente para não perder peso. Estudo de caso publicado na revista Foods (2023), relata os resultados da dieta cetogênica associada ao jejum. Foram observadas:

    • Redução significativa da glicose e da insulina sanguíneas.

    • Queda da resistência insulínica (HOMA-IR).

    • Melhora do perfil lipídico.

    • Aumento de testosterona e vitamina D.

    • Redução de enzimas hepáticas (ALT, AST, GGTP), sugerindo melhora na função do fígado.

    • Perda significativa de peso, gordura corporal e IMC.

    • Aumento relativo da massa magra e da massa muscular.

    • Melhora da pressão arterial e frequência cardíaca.

  • Para endurance: planejar 4+ semanas de adaptação e considerar cargas de carboidratos antes de competições intensas.

  • Para treino de força/hipertrofia: avaliar se a ceto faz sentido; se sim, garantir energia e proteína adequadas, além de monitorar massa magra.

Perguntas e respostas sobre dieta cetogênica, treino e composição corporal

1. A dieta cetogênica emagrece mais rápido que outras dietas?
Não necessariamente. O que acontece é que reduz o apetite, levando a comer menos. Em calorias iguais, o emagrecimento é semelhante.

2. A dieta keto faz perder músculo?
Depende. Em pessoas com obesidade e em endurance, a massa magra tende a ser preservada. Já em treino de força, pode haver perda se calorias e proteínas não forem bem ajustadas.

3. Quanto tempo demora a adaptação?
Geralmente entre 2 a 4 semanas para o corpo aumentar a capacidade de usar gordura como combustível.

4. Vale a pena para atletas?
Para endurance pode ser interessante; para modalidades explosivas, a falta de carboidrato disponível pode atrapalhar.

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Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/