Como obesidade e envelhecimento deixam nosso sistema imunológico “ligado no 220”

A obesidade é uma doença que causa um tipo de inflamação leve, contínua — chamada meta-inflamação. Isso acontece porque o excesso de gordura no corpo começa a liberar sinais que atraem células inflamatórias (como os macrófagos) – e isso afeta nossa saúde metabólica (pode gerar resistência à insulina e doenças crônicas).

O envelhecimento também desencadeia um tipo parecido de inflamação leve batizado de inflammaging (inflamação+envelhecimento). Ao longo dos anos, danos celulares, acúmulo de células “senescentes” e declínio das funções de reparo criam um ambiente de inflamação silenciosa. Isso enfraquece os órgãos, o sistema imune e acelera o envelhecimento biológico (Qu et al., 2022).

Estas duas inflamações crônicas e silenciosas — uma por excesso de nutrientes, a outra por desgaste natural — atraem monócitos, células do sistema imune que se diferenciam em macrófagos. Estes, por sua vez, amplificam a produção de mediadores inflamatórios.

Quem são os macrófagos e por que importam?

Macrófagos são células de defesa que vivem pelos tecidos do nosso corpo — nosso “faxineiros” e “socorristas” internos. Quando há excesso de gordura (na obesidade) ou sinais de desgaste (no envelhecimento), eles respondem ao chamado, se acumulam nos tecidos e mudam para um modo que libera substâncias inflamatórias. Assim, mesmo sem uma infecção, o corpo fica em estado de alerta — mas de um alerta que causa dano se for constante.

Os macrófagos “sentem” lipídios, glicose, radicais livres e sinais de células senescentes e passam por metafluxos (mudanças em vias como glicólise, respiração celular, β-oxidação de gorduras) que travam um circuito de inflamação crônica de baixo grau. Em meta-inflamação, isso sustenta resistência à insulina e aumenta o risco de diabetes. Em inflammaging, contribui para fibrose, sarcopenia e fragilidade.

A inflamação persistente também remodela a arquitetura linfoide e a qualidade da ajuda T-dependente. Células T auxiliares (Th, do inglês T helper) são cruciais para anticorpos de alta afinidade. Porém, tanto na obesidade crônica quanto na imunossenescência, o “ruído” inflamatório e a disbiose de citocinas alteram a geração/função de Th (Alonso, Fomin, & Rizzo, 2021).

Sem os Tfh funcionando bem:

  • Os anticorpos produzidos podem ser mais fracos ou de curta duração.

  • As respostas a vacinas e infecções ficam comprometidas.

  • Em alguns casos, falhas nos Tfh também estão ligadas a doenças autoimunes, quando os anticorpos passam a atacar o próprio corpo.

Imunossenescência: o sistema imune envelhecendo junto com o corpo

Imunoscenecência é um termo que fala sobre como o sistema imunológico fica “cansado” com a idade: o timo (onde nascem os linfócitos T) encolhe, temos menos T jovens, mais células envelhecidas e também mais células mieloides supressoras (MDSCs) — que atuam silenciosamente reduzindo a resposta imune. Tudo isso ocorre sob a batuta da inflammaging (Alves, & Bueno, 2019).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Como entender o exposoma?

O exposoma é o conjunto de todas as exposições ambientais e estilos de vida que um indivíduo sofre ao longo da vida, incluindo fatores químicos, físicos, biológicos e sociais. Ele influencia diretamente a saúde, interagindo com a genética e o metabolismo, podendo levar a doenças como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, etc. Entender e medir o exposoma é complexo porque ele é dinâmico e multifatorial.

Componentes do exposoma

O exposoma pode ser dividido em três grandes domínios:

  1. Exposições externas gerais:

    • Poluição do ar, água, produtos químicos ambientais, radiação.

    • Condições sociais e estilo de vida: dieta, sono, estresse, atividade física.

  2. Exposições internas:

    • Biotransformações químicas no corpo (xenobióticos metabolizados).

    • Microbiota intestinal.

    • Processos inflamatórios e oxidativos.

  3. Resposta biológica:

    • Alterações no metabolismo, epigenética, proteômica e sinalização celular.

    • Fenótipo clínico (como resistência à insulina ou obesidade).

Como avaliar o exposoma?

Não existe um exame único que diga “esse é seu exposoma”. Mas podemos aproximar usando várias abordagens:

a) Exames clínicos

  • Para diabetes e doenças metabólicas:

    • Glicemia de jejum

    • Hemoglobina glicada (HbA1c)

    • Perfil lipídico

    • Pressão arterial

    • IMC, circunferência abdominal

  • Esses exames não medem exposições diretamente, mas mostram consequências do exposoma (ex.: dieta, sedentarismo, poluição, inflamação crônica).

b) Exames metabolômicos

  • Metabolômica: análise de metabólitos no sangue, urina, fezes ou tecidos.

    • Permite identificar sinais de exposição a poluentes, dieta inadequada ou estresse oxidativo.

    • Técnicas principais: LC-MS (cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas), GC-MS (cromatografia gasosa), NMR (ressonância magnética nuclear).

  • Aplicações:

    • Descobrir padrões metabólicos associados à obesidade, resistência à insulina e diabetes.

    • Avaliar biomarcadores de exposição química (metabolitos de pesticidas, metais, ftalatos, etc.).

    • Estimar interações gene-ambiente.

c) Exames genômicos / epigenômicos

  • Avaliam como exposições modificam a expressão gênica (metilação do DNA, microRNAs).

  • Útil para estudar efeitos cumulativos do exposoma ao longo do tempo.

Estratégia prática de avaliação do exposoma em saúde metabólica

  1. Coleta de dados clínicos:

    • Histórico de dieta, atividade física, tabagismo, uso de medicamentos.

    • Peso, circunferência abdominal, pressão arterial.

  2. Análises laboratoriais padrão:

    • Glicemia, HbA1c, perfil lipídico, função hepática e renal.

  3. Metabolômica:

    • Amostras de sangue/urina para identificar metabolitos indicativos de exposição ambiental ou alterações metabólicas.

    • Ferramenta poderosa para entender alterações pré-clínicas (antes da diabetes ou síndrome metabólica).

  4. Integração com dados de estilo de vida e ambientais:

    • Questionários de dieta e exposição.

    • Dados de poluição local ou ocupacional.

  5. Análise de risco:

    • Correlacionar alterações metabolômicas com risco de diabetes, obesidade ou hipertensão.

    • Pode usar inteligência artificial ou modelos estatísticos multivariados para integrar os dados.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Th17 e a Via da Quinurenina: Entendendo a Neuroinflamação

A relação entre células Th17 e a via da quinurenina é fundamental para compreender a inflamação no sistema nervoso e como terapias complementares podem atuar.

O que é a via da quinurenina?

É o principal caminho metabólico do triptofano, aminoácido essencial do nosso corpo. Produz metabólitos importantes, como quinurenina, quinolinato, ácido quinolínico e picolinato.

A via é ativada pela enzima IDO1, que aumenta em resposta a citocinas inflamatórias, como IFN-γ. Os metabólitos podem ser neurotóxicos ou neuroprotetores, dependendo do equilíbrio no organismo.

Como Th17 interage com essa via?

Citocinas como IL-6, IL-1β e IL-23 estimulam a diferenciação de Th17. Th17 produz IL-17, que aumenta a inflamação, compromete a barreira hematoencefálica e contribui para danos à mielina e aos axônios.

  • Th17 é pro-inflamatória, atuando em doenças autoimunes e neurodegenerativas. No SNC, Th17 contribui para:

    • Quebra da barreira hematoencefálica

    • Recrutamento de neutrófilos

    • Ativação da microglia

    • Danos à mielina e axônios, como na esclerose múltipla.

Modulação pela via da quinurenina

  • Baixo triptofano: A via da quinurenina consome triptofano, podendo inibir a proliferação de Th17.

  • Metabólitos reguladores:

    • Quinurenina e ácido quinolínico atuam sobre receptores como AHR, modulando Th17.

    • Kynurenic acid tem efeito anti-inflamatório.

    • Quinolinic acid pode ser neurotóxico, aumentando a inflamação.

  • Equilíbrio crítico: Uma via bem regulada diminui Th17 e protege o sistema nervoso; desregulada, pode agravar doenças neurodegenerativas.

Modulação da via da quinurenina

  • Suplementos e nutrientes: Substâncias como N-acetilcisteína, resveratrol, probióticos e triptofano podem favorecer a produção de metabólitos neuroprotetores e reduzir a ativação de Th17.

  • Medicação:

    • Agonistas de RORγt: Aumentam resposta imunológica em casos como câncer.

    • Antagonistas de RORγt: Reduzem Th17 em doenças autoimunes ou neurodegenerativas.

    • Medicamentos moduladores: Minociclina e dextrometorfano ajudam na neuroinflamação.

Referência: Vojdani A, Lambert J, Kellermann G. The Role of Th17 in Neuroimmune Disorders: A Target for CAM Therapy. Part III. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, 2011.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/