Neurobiologia do autismo e o impacto no estado nutricional

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos ou interesses restritos. A neurobiologia do autismo refere-se ao estudo dos mecanismos cerebrais e biológicos subjacentes ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).

1. Alterações Cerebrais Estruturais e Funcionais

Aumento precoce do volume cerebral: Muitas crianças autistas apresentam crescimento cerebral acelerado nos primeiros anos de vida, especialmente em áreas como o córtex pré-frontal.

  • Diferenças em regiões específicas:

    • Amígdala: Alterações na amígdala podem estar relacionadas às dificuldades sociais e ao processamento emocional.

    • Cerebelo: Alterações morfológicas podem afetar a coordenação motora e o processamento sensorial.

    • Córtex pré-frontal e temporal: Importantes para linguagem, interação social e comportamento adaptativo.

2. Conectividade Neural

  • Hipoconectividade de longa distância: Menor integração entre diferentes áreas cerebrais, o que pode afetar a comunicação social.

  • Hiperconectividade local: Pode explicar padrões repetitivos e foco intenso em detalhes.

3. Neurotransmissores e Sistemas Químicos

  • Serotonina: Níveis alterados de serotonina foram encontrados em algumas pessoas com autismo, afetando humor, sono e comportamento social.

  • Dopamina e oxitocina: Envolvidos na motivação social e vínculo interpessoal.

  • Glutamato: Desequilíbrio no sistema excitatório pode estar envolvido nos sintomas centrais do TEA.

  • GABA (ácido gama-aminobutírico): Redução na atividade inibitória; contribui para uma excitação neural anormal.

4. Genética e Epigenética

  • Estima-se que 60 a 90% do risco de autismo esteja ligado a fatores genéticos.

  • Estudos já identificaram cerca de 500 genes associados ao desenvolvimento sináptico, neuroplasticidade e sinalização neural (como SHANK3, MECP2, NRXN1) podem ter expressão alterada.

  • Mutação de novo, variações do número de cópias (CNVs), e mecanismos epigenéticos (modificações no DNA sem alteração da sequência) também têm papel relevante.

5. Fatores Pré-natais e Ambientais

  • Exposição a infecções maternas, complicações no parto, idade avançada dos pais, deficiências nutricionais e toxinas ambientais pode aumentar o risco de alterações neurobiológicas relacionadas ao TEA.

6. Modelos em Pesquisa

  • Modelos animais (como camundongos geneticamente modificados) e estudos com imagem cerebral (fMRI, DTI, EEG) têm sido essenciais para compreender os circuitos neurais afetados.

  • Tecnologias como organoides cerebrais e iPSCs (células-tronco pluripotentes induzidas) têm permitido estudar o desenvolvimento do cérebro autista em laboratório.

Relação entre neurobiologia do TEA e estado nutricional

1. Alterações sensoriais e seletividade alimentar

  • O cérebro de indivíduos no espectro frequentemente apresenta hiper ou hipossensibilidade sensorial, o que afeta:

    • Textura, temperatura e cheiro dos alimentos.

    • Preferência por alimentos específicos (geralmente ultraprocessados ou com sabores intensos).

    • Resultado: dieta tende a ser menos variada, mais rica em carboidratos simples e pobre em fibras, ferro, cálcio e vitaminas do complexo B.

2. Disfunção gastrointestinal

  • Indivíduos com TEA têm maior prevalência de:

    • Constipação crônica, diarreia, distensão abdominal.

    • Disbiose intestinal e alteração na permeabilidade intestinal (“intestino permeável”).

  • Acredita-se que fatores genéticos e inflamatórios relacionados ao cérebro também afetam o sistema nervoso entérico (o "segundo cérebro"). Mais de 90% dos 62 genes de risco de autismo de maior classificação no banco de dados SFARI (https://gene.sfari.org/) são expressos tanto em tecidos cerebrais e gastrointestinais, sugerindo que eles afetam mutuamente o cérebro e o intestino.

  • Relevância para a nutrição: é comum a má absorção de nutrientes e maior incidência de reações adversas a alimentos.

3. Inflamação e estresse oxidativo

  • Estudos mostram aumento de marcadores inflamatórios e estresse oxidativo no cérebro e no sangue de pessoas com TEA.

  • Dietas anti-inflamatórias e ricas em antioxidantes (ex.: vitaminas C, E, zinco, selênio, ômega-3) podem ter efeitos benéficos.

4. Alterações no metabolismo de folato e metilação

  • Deficiências em folato, vitamina B12, e B6 são comuns devido a mutações em genes como o MTHFR.

  • Consequência: comprometimento na síntese de neurotransmissores e desintoxicação cerebral (ciclo da metilação).

  • Suplementação com ácido folínico (leucovorin) vem sendo estudada com bons resultados em linguagem e cognição.

Recomendações nutricionais

1. Avaliação individualizada

  • Avaliar histórico alimentar, antropometria, exames laboratoriais e comportamento alimentar.

  • Incluir avaliação de disfunções gastrointestinais e sensoriais.

2. Dieta balanceada e anti-inflamatória

  • Rica em frutas, vegetais, proteínas magras, peixes (ômega-3), grãos integrais.

  • Limitar alimentos ultraprocessados, corantes artificiais, conservantes e açúcar refinado.

3. Correção de deficiências com suplementação direcionada

  • Suplementos usados com maior frequência:

    • Multivitamínicos

    • Vitamina D

    • Ácido folínico

    • Zinco e magnésio

    • Probióticos (para equilíbrio da microbiota intestinal)

    • Ômega-3 (EPA/DHA) – melhora sintomas de irritabilidade e atenção

4. Terapias dietéticas específicas (com cuidado)

  • Dieta sem glúten e caseína: pode melhorar sintomas em subgrupos com alterações gastrointestinais e imunológicas, mas deve ser feita com acompanhamento nutricional rigoroso.

  • Dietas cetogênicas modificadas: ainda experimentais, mas em estudo para casos refratários com epilepsia associada.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/