Variantes Genéticas Cruciais para a Saúde da Gestante

Durante a gestação, o corpo feminino passa por transformações fisiológicas profundas que envolvem adaptações metabólicas, hormonais, cardiovasculares e imunológicas. Avanços recentes da genética permitiram identificar polimorfismos (variantes genéticas) que influenciam diretamente essas adaptações, ajudando a entender o risco aumentado de condições como diabetes mellitus gestacional (DMG), hipertensão, disfunções endócrinas e ganho de peso excessivo. Variações de genes podem modificar a saúde da gestante. Contudo, muitas variações podem ser moduladas para prevenção de problemas para mãe e bebê.

Genes Cardíacos

GNB3 (rs5443)

  • Participa da sinalização de receptores acoplados a proteínas G.

  • A variante T está associada a maior risco de hipertensão gestacional e retenção de peso pós-parto.

  • Modulação sugerida: atividade física regular reduz os efeitos adversos desta variante.

Genes do Pâncreas e Metabolismo Glicêmico

TCF7L2 (rs7903146, rs4506565, rs12255372)

  • Fortemente associado à secreção de insulina e DMG.

  • Genótipo TT pode aumentar em até 5x o risco de DMG.

HHEX (rs5015480)

  • Envolvido no desenvolvimento pancreático e regulação de insulina/somatostatina.

KCNQ1 (rs2237892)

  • Afeta canais de potássio em células beta pancreáticas, com impacto na secreção de insulina.

Modulação clínica: monitoramento precoce da glicemia e intervenções como dieta personalizada, uso de incretinas e insulina, quando necessário.

Genes do Tecido Adiposo

ADIPOQ (rs2241766)

  • Codifica adiponectina, hormônio anti-inflamatório e sensibilizador da insulina.

FTO (rs9939609)

  • Associado ao aumento de apetite, obesidade e resistência insulínica.

MIF (rs755622)

  • Participa da resposta inflamatória; sua expressão elevada pode impactar negativamente o ambiente uterino.

Modulação: dieta equilibrada e prática de atividade física ajudam a neutralizar os efeitos do FTO e ADIPOQ. Abordagens anti-inflamatórias podem ser consideradas para MIF.

Genes da Placenta

SHBG (rs6257)

  • Regula a biodisponibilidade de hormônios sexuais, com impacto nos níveis de estrogênio e testosterona.

VEGF (rs2146323 e rs3025039)

  • Fator de crescimento vascular essencial para angiogênese placentária.

Implicação clínica: variantes que afetam esses genes podem prejudicar o fluxo sanguíneo fetal. Avaliação Doppler e suporte vascular podem ser indicados.

Genes do Músculo Esquelético

DIO2 (rs225014)

  • Enzima que ativa o hormônio tireoidiano (conversão de T4 em T3), com impacto no metabolismo.

Modulação: verificação de função tireoidiana materna e suplementação de iodo ou T3 em casos selecionados.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Há relação entre o uso de acetaminofen (paracetamol) e autismo?

O paracetamol, também conhecido como acetaminofen ou acetaminofeno, é um dos fármacos mais indicados para tratamento de febre e/ou dor. Começou a ser usado em 1955, após os estudos de Julius Axelrod, com diferentes nomes comerciais, como Tylenol (EUA), Panadol (Reino Unido), Doliprane (França), Ben-u-ron (Portugal).

Apesar de serem de venda livre na maioria dos países, devemos ter cuidados. Muitos medicamentos para tosse, gripe, contém paracetamol e se a pessoa estiver usando vários fármacos simultaneamente pode ultrapassar a dose segura. Doses altas podem conduzir a falência aguda do fígado (quadro grave, com náuseas e vómitos, mal-estar, confusão mental, dores abdominais, tremores, icterícia). Também existem estudos sobre a segurança do paracetamol na gestação e primeira infância que mostram aumento do risco de transtornos do neurodesenvolvimento.

Por exemplo, o Estudo Nacional de Coorte de Nascimentos da Dinamarca acompanhou 64.322 crianças e mães para investigar a associação entre o uso de paracetamol durante a gravidez e transtornos do espectro autista (TEA). Constatou-se que o uso pré-natal de paracetamol estava associado a um risco aumentado de TEA acompanhado de sintomas hipercinéticos, mas não a outros casos de TEA [1].

Os sintomas hipercinéticos no Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem se manifestar como movimentos corporais excessivos e repetitivos, inquietação, dificuldade em manter a atenção e comportamentos impulsivos. É importante ressaltar que nem todas as pessoas com TEA apresentam esses sintomas, e eles podem variar em intensidade e manifestação. 

Uma meta-análise envolvendo 73.881 pares mãe-filho de seis coortes europeias indicou que crianças expostas pré-natalmente ao paracetamol tinham 19% mais probabilidade de apresentar sintomas limítrofes ou clínicos de TEA em comparação com crianças não expostas. A associação foi ligeiramente mais forte entre os meninos [2].

Uma revisão sistemática de 16 estudos, incluindo estudos de coorte e meta-análises, sugeriu uma associação entre o uso materno de paracetamol durante a gravidez e desfechos neurodesenvolvimentais adversos, incluindo TEA e TDAH. O uso prolongado e o aumento da dose foram associados a associações mais fortes [3]. Contudo, dois estudos de 2024 refutam esta associação e defendem que o risco é puramente genético [4][5].

Ainda precisamos de mais estudos, mas todo o cuidado é pouco, principalmente em famílias já com casos diagnosticados de TEA e também após o nascimento. Alguns geneticistas ainda criticam os estudos por não considerarem variações genéticas importantes para o risco de uso de fármacos, como o acetaminofen.

Uma pesquisa online com pais de 1.515 crianças constatou que a exposição pós-natal (após ao nascimento) ao paracetamol antes dos dois anos de idade estava associada ao TEA entre crianças do sexo masculino [6]. Outro estudo baseado em pesquisa constatou que o uso pós-natal de paracetamol estava associado a um risco aumentado de TEA [7].

É sempre importante discutir com o obstetra o uso de medicamentos na gestação. Cerca de 10% das mulheres graves têm febre no primeiro trimestre. A falta de controle aumenta o risco de defeitos congênitos, como fenda palatina e problemas cardíacos.

Por outro lado, não recomenda-se o uso de AINEs (anti-inflamatórios não esteroides), como aspirina e ibuprofeno, durante o terceiro trimestre da gravidez, pois esses medicamentos podem causar o fechamento prematuro de um vaso sanguíneo no feto. Assim, a escolha de antipiréticos e analgésicos deve ser feita com muita cautela para garantir a segurança para mãe e bebê.

O paracetamol ainda costuma ser o mais indicado pois tem um perfil mais seguro do que dipirona, ibuprofeno, aspirina, naproxeno e cetoprofeno. É muito importante que a mulher prepare-se para gravidez, garantindo as melhores condições de saúde possíveis para uma gestação saudável.

CONSULTA DE NUTRIÇÃO PARA PREPARO PARA A GESTAÇÃO

Referências

1) Z Liew et al. Maternal use of acetaminophen during pregnancy and risk of autism spectrum disorders in childhood: A Danish national birth cohort study. Autism research : official journal of the International Society for Autism Research (2015). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26688372/

2) S Alemany et al. Prenatal and postnatal exposure to acetaminophen in relation to autism spectrum and attention-deficit and hyperactivity symptoms in childhood: Meta-analysis in six European population-based cohorts. European journal of epidemiology (2021). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34046850/

3) FY Khan et al. A Systematic Review of the Link Between Autism Spectrum Disorder and Acetaminophen: A Mystery to Resolve. Cureus (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35989852/

4) P Damkier et al. Acetaminophen in Pregnancy and Attention-Deficit and Hyperactivity Disorder and Autism Spectrum Disorder. Obstetrics and gynecology (2024). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39637384/

5) VH Alhqvist et al. Acetaminophen Use During Pregnancy and Children’s Risk of Autism, ADHD, and Intellectual Disability. JAMA (2024). doi:10.1001/jama.2024.3172

6) SS Bittker et al. Postnatal Acetaminophen and Potential Risk of Autism Spectrum Disorder among Males. Behavioral sciences (Basel, Switzerland) (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31906400/

7) SS Bittker et al. Acetaminophen, antibiotics, ear infection, breastfeeding, vitamin D drops, and autism: an epidemiological study. Neuropsychiatric disease and treatment (2018). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29910617/

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Importância dos vegetais para a microbiota

O artigo Rethinking healthy eating in light of the gut microbiome (Cell Host & Microbe, 8 junho 2022), revisita os conceitos de alimentação saudável à luz das descobertas sobre o microbioma, destacando:

  • A epidemia global de doenças crônicas ligadas à dieta ocidental e a importância de orientações alimentares baseadas em evidências.

  • O microbioma intestinal como mediador crítico dos efeitos fisiológicos da dieta e no desenvolvimento de doenças crónicas.

  • A necessidade de incorporar dados sobre microbioma nas recomendações nutricionais nacionais. Diretrizes dietéticas de diversos países começam a incluir fermentados e fibras, mas a nutrição personalizada ainda não chegou à prática comum.

Mecanismos principais dos vegetais

1. Alimentos integrais de origem vegetal vs. ultraprocessados

  • Plantas inteiras (legumes, frutas, grãos integrais, leguminosas, nozes) são fontes de fibras fermentáveis. Bactérias usam estas fibras para a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) — como butirato — que promovem:

    • Secreção de mucina e melhoria da barreira intestinal.

    • Hormonas de saciedade e sensibilidade à insulina.

    • Inibição de patógenos e redução da inflamação.

  • Polifenóis (presentes em frutas coloridas, ervas, especiarias, café e chá) são metabolizados pelas bactérias, ganhando propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.

Por contraste, alimentos ultraprocessados contêm aditivos, açúcares refinados, gorduras saturadas e interferem no ecossistema microbiano e na função da barreira intestinal. Dieta rica em industrializados "empobrece" o microbioma: gera menos diversidade bacteriana, com perda de espécies funcionais importantes. Isto aumenta o risco de uma série de doenças.

2. Alimentos fermentados e microrganismos vivos

  • Probióticos e alimentos fermentados (como iogurte, kefir, kombucha, kimchi) introduzem microrganismos vivos com benefícios intestinais.

  • Uma dieta com 6 porções/dia de alimentos fermentados aumenta a diversidade do microbioma e reduz marcadores inflamatórios.

Nem todos os fermentados são iguais — queijos processados, iogurtes com açúcar e enchidos fermentados podem trazer sal e gordura em excesso .

3. Restauração da diversidade microbiana

  • Estratégias de restauração incluem a ingestão de fibras, fermentados e talvez a reposição de espécies “VANISH” perdidas — ainda em fase experimental .

VANISH” é um acrônimo em inglês para:

Volatile and/or Associated Negatively with Industrialized Societies of Humans

Ou seja, são espécies de bactérias intestinais que desaparecem ou se tornam muito raras em pessoas que vivem em sociedades industrializadas, mas que ainda estão presentes em populações tradicionais, como indígenas ou comunidades rurais isoladas.

Exemplos de espécies VANISH

Algumas bactérias que fazem parte desse grupo incluem:

  • Prevotella copri

  • Treponema spp.

  • Oxalobacter formigenes

  • Algumas espécies do gênero Spirochaetes e Christensenellaceae

Essas espécies são mais comuns em pessoas com dietas ricas em plantas, fibras e alimentos minimamente processados e nas populações sem uso frequente de antibióticos ou exposição a dietas industrializadas.

Nutrição de precisão (personalizada)

Cada pessoal tem uma microbiota. Exames metabolômicos permitem melhor compreensão das particularidades de cada paciente e respostas dietéticas individualizadas.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/