Regressão e encefalite autoimune

A encefalite autoimune (EA) é uma condição rara, caracterizada por uma inflamação no cérebro causada por uma resposta imune do corpo que ataca suas próprias células, levando a uma série de sintomas neurológicos.

A presença de anticorpos específicos, como aqueles contra a proteína-2 associada à contactina (CASPR2), foi associada à encefalite autoimune. Títulos mais altos de anticorpos e achados de ressonância magnética podem auxiliar no diagnóstico e podem se correlacionar com a probabilidade de regressão dos sintomas após o tratamento [1].

Um estudo envolvendo crianças com encefalite autoimune descobriu que as características da função imune, particularmente a proporção CD4/CD8, se correlacionavam com o prognóstico. Os fatores de prognóstico ruim incluíam idade jovem, distúrbio de consciência e função imune anormal durante a remissão, indicando que as respostas imunes podem influenciar os resultados da regressão e recuperação da doença [2].

Encefalite autoimune no autismo

A relação entre encefalite autoimune (EA) e transtorno do espectro autista (TEA) é uma área emergente de pesquisa. Alguns estudos sugerem que a EA pode atuar como um agente causador do TEA ou produzir sintomas que se assemelham ao autismo. Isso é particularmente observado em casos em que o autismo se apresenta com padrões de regressão ou início atípico, indicando que a EA deve ser considerado em diagnósticos diferenciais [3].

A presença de autoanticorpos anti-receptor de N-metil-D-aspartato (anti-NMDAR), pode levar a sintomas associados ao autismo. Esses autoanticorpos afetam a neurotransmissão do glutamato, que é crucial para a função cerebral normal [4].

A EA pode se manifestar com sintomas cognitivos, psiquiátricos e neurológicos, que podem se sobrepor a traços semelhantes ao autismo. Essa sobreposição pode complicar o diagnóstico, tornando essencial investigar condições autoimunes em pacientes diagnosticados com TEA, especialmente quando os sintomas psiquiátricos são proeminentes [5].

Alterações genéticas, doenças autoimunes, infecções virais, tumor cerebral, desregulação do sistema imune são as principais causas das doenças autoimunes. No autismo, a genética alterada parece gerar maior sensibilidade. E quando as barreiras estão alteradas (especialmente intestinal e hemato-encefálica) problemas podem surgir com maior frequência. Me perguntam muito se alergias alimentares podem ser gatilhos para a encefalite.

Alergias alimentares não são uma causa direta de encefalite autoimune. No entanto, existem algumas considerações importantes sobre como as reações alérgicas podem afetar o sistema imunológico e, em casos raros, levar a alterações encefálicas.

As alergias alimentares envolvem uma resposta do sistema imunológico a certos alimentos, geralmente proteínas presentes em alimentos como amendoim, leite, ovos, soja, etc. Em casos de reações alérgicas muito intensas, pode haver alterações no sistema nervoso, como convulsões ou alterações de consciência, mas essas manifestações são muito mais raras. Alguns artigos falam de “autismo adquirido” para a hipótese de alterações comportamentais geradas pela encefalite, especialmente quando as mudanças são rápidas e há regressão [6].

As alergias alimentares envolvem uma resposta do sistema imunológico a certos alimentos, geralmente proteínas presentes em alimentos como amendoim, leite, ovos, soja, etc. Em algumas pessoas, essa resposta pode ser bastante severa, levando a uma reação alérgica grave conhecida como anafilaxia.

Certos alimentos e aditivos alimentares podem, em algumas pessoas, contribuir para um estado inflamatório geral no corpo, o que pode potencialmente afetar o cérebro. Em condições como a encefalopatia causada por inflamação sistêmica ou por distúrbios metabólicos, pode haver efeitos neurológicos, mas não se trata de uma encefalite autoimune clássica.

Um ponto importante é que estudos mostram a correlação entre alergias intestinais e alterações na barreira intestinal [7], assim como na barreira hematoencefálica (BHE). Além disso, algumas evidências apontam que pessoas com alergias alimentares podem ter um risco maior de distúrbios neurológicos, como problemas cognitivos ou comportamentais, embora a relação causal ainda não tenha sido completamente estabelecida [8].

O comprometimento da BHE pode permitir que patógenos e células inflamatórias entrem no sistema nervoso central (SNC) gerando neuroinflamação. Estudos mostram a ativação da micróglia, contribuindo para a severidade dos sintomas, apesar de não podermos dizer que seja uma encefalite autoimune. Micróglia são células do SNC que desempenham um papel fundamental na defesa do cérebro e da medula. Existem evidências de que a microglia está ativada no TEA [9].

A detecção precoce da encefalite autoimune é crítica, pois o tratamento oportuno pode evitar consequências de longo prazo e diagnósticos incorretos. Tratamentos como terapia imunológica podem melhorar os resultados para aqueles com sintomas relacionados à autoimunidade. Outras estratégias precisam ser considerados em outras causas não autoimunes das encefalite.

Referências:

1) CG Bien et al. Anti-contactin-associated protein-2 encephalitis: relevance of antibody titres, presentation and outcome. European journal of neurology (2016). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27786401/

2) JY Huang et al. Immune characteristics of children with autoimmune encephalitis and the correlation with a short-term prognosis. Italian journal of pediatrics (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35698204/

3) P Whiteley et al. Autoimmune Encephalitis and Autism Spectrum Disorder. Frontiers in psychiatry (2022). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34975576/

4) RF Tzang et al. Autism Associated With Anti-NMDAR Encephalitis: Glutamate-Related Therapy. Frontiers in psychiatry (2019). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31293459/

5) D Endres et al. Novel Antineuronal Autoantibodies With Somatodendritic Staining Pattern in a Patient With Autoimmune Psychosis. Frontiers in psychiatry (2020). https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32848899/

6) P Whiteley et al. Autoimmune Encephalitis and Autism Spectrum Disorder. Front Psychiatry. 2021 Dec 17;12:775017. doi: 10.3389/fpsyt.2021.775017. PMID: 34975576; PMCID: PMC8718789.

7) H Wang et al. Advance in studies on food allergy mechanism based on gut barrier. Zhongguo Zhong Yao Za Zhi. 2015 Apr;40(7):1240-3. Chinese. PMID: 26281539.

8) G. Vitaliti et al. Parasympathetic nervous system involvement in food allergy: description of a paediatric case. J Biol Regul Homeost Agents. 2016 Oct-Dec;30(4):1137-1140. PMID: 28078865.

9) Rodriguez, & Kern. Evidence of microglial activation in autism and its possible role in brain underconnectivity. Neuron Glia Biol. 2011 May;7(2-4):205–213. doi: 10.1017/S1740925X12000142. PMCID: PMC3523548  PMID: 22874006

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

Desregulação do eixo HPA no autismo

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresenta uma gama de desafios no comportamento e na adaptação ao ambiente, frequentemente resultando em dificuldades de regulação emocional e respostas desproporcionais ao estresse. Esses comportamentos não são apenas "fora de controle" por conta do TEA; eles têm uma base bioquímica, particularmente no que diz respeito ao eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA), um dos sistemas mais importantes na regulação do estresse.

O Eixo HPA: O Corpo e o Estresse

O eixo HPA é responsável pela liberação de cortisol, o principal hormônio do estresse, que tem a função de preparar o organismo para reagir a situações de ameaça. Em indivíduos típicos, esse sistema geralmente responde de maneira eficaz ao estresse, ativando-se rapidamente e se normalizando após um período. No entanto, em crianças com TEA, a regulação desse sistema apresenta padrões distintos e paradoxais.

1. Níveis Basais de Cortisol:

Em crianças com TEA, especialmente aquelas com deficiência intelectual severa, os níveis basais de cortisol são significativamente mais baixos (até 29% mais baixos). Isso sugere uma espécie de "exaustão" ou uma resposta mais preguiçosa do eixo HPA em repouso. Essa baixa produção de cortisol pode ser indicativa de uma maior vulnerabilidade ao estresse. De fato, crianças com níveis baixos de cortisol em repouso podem ter maior sensibilidade ao estresse e dificuldades de adaptação, o que reforça a ideia de que esses indivíduos estão constantemente “preparados” para reagir de forma intensa a novos estressores, mesmo quando não há uma ameaça imediata.

Níveis mais baixos de cortisol no TEA (Corbett et al., 2006)

2. Comprometimento da Resposta ao Despertar (CAR):

O aumento do cortisol ao acordar, conhecido como Resposta ao Despertar (CAR), é crucial para preparar o corpo para as demandas do dia. Algumas crianças autistas têm dificuldades significativas nesse processo. Alguns estudos (mas não todos) mostram que pessoas com TEA não apresentam o aumento esperado de cortisol ao despertar, o que compromete a capacidade de se adaptar a transições e imprevistos ao longo do dia. Isso pode explicar por que muitos autistas demonstram maior resistência à mudança ou dificuldades em lidar com novas rotinas, já que o corpo não está adequadamente preparado para o que vem a seguir (Hadwin et al., 2019).

3. Resposta ao Estresse Agudo:

Apesar dos níveis começarem mais baixos, quando essas crianças enfrentam estressores agudos, como um "meltdown" (colapso emocional), a resposta do cortisol é desproporcional. Estudos mostram que os picos de cortisol nessas situações podem ser até 3,2 vezes maiores (0,426 μg/dL vs. 0,132 μg/dL) do que em crianças neurotípicas. No entanto, o tempo de recuperação do cortisol também é muito mais prolongado — cerca de 58% mais lento. Isso implica que, além de reagirem de maneira exagerada ao estresse, as crianças com TEA não conseguem retornar rapidamente a um estado de calma, o que pode resultar em ciclos de estresse prolongados e comportamentos repetitivos.

4. Alterações no Ritmo Circadiano:

O ritmo circadiano, que regula o ciclo sono-vigília, também é afetado em crianças com TEA. Essas crianças apresentam uma variação muito maior na inclinação do cortisol entre a manhã e a noite (38% mais variação), o que pode causar um descompasso em sua capacidade de regular a energia e o foco ao longo do dia. Além disso, um subgrupo de crianças autistas apresentam um aumento paradoxal do cortisol à noite, interferindo na qualidade do sono e agravando problemas de comportamento (Corbett et al., 2008). Alterações nos genes CLOCK, nos níveis de melatonina e no eixo HPA influenciam estas alterações no ritmo circadiano no TEA (Dell'Osso et al., 2022).

5. O Padrão Hormonais em Crianças com Comportamentos Estereotipados:

Em crianças com TEA que apresentam comportamentos estereotipados (como balançar o corpo, bater as mãos, etc.), a relação com o cortisol é ainda mais complexa. Crianças com déficit intelectual (DI) e TEA mostram menos cortisol, sugerindo que os comportamentos repetitivos podem funcionar como uma forma de autorregulação, uma tentativa do corpo de controlar o estresse interno. Em contraste, crianças com apenas DI, sem o TEA, podem mostrar um aumento no cortisol, o que indica que comportamentos repetitivos nessas crianças estão associados a uma maior ativação do sistema de estresse (Dufour, Lanovaz, & Plusquellec, 2022; Ohtsubo et al., 2024).

6. Hiperresponsividade Sensorial e o Esgotamento HPA:

Muitas crianças autistas apresentam hiperresponsividade sensorial — uma resposta exagerada a estímulos como luzes fortes, sons altos ou toques inesperados. Estudos mostram que essas crianças também demonstram um esgotamento mais rápido do eixo HPA, com uma queda de cortisol mais acentuada após a exposição a estressores. Isso sugere que essas crianças estão constantemente em um estado de alerta elevado, o que pode levar a uma sobrecarga do sistema de estresse e dificultar sua recuperação emocional. Em adultos com TEA, aqueles com maior grau de neuroticismo experimentam maior estresse, especialmente quando em ambientes novos e pessoas diferentes (van Oosterhout et al., 2022).

Como regular o eixo HPA no TEA?

Esses dados mostram que os comportamentos de crianças com TEA não são apenas respostas imprevisíveis. São manifestações de desequilíbrios bioquímicos mensuráveis, causados por disfunções no eixo HPA e em outros sistemas hormonais.

Regular o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e os níveis de cortisol em indivíduos com autismo pode ser complexo, mas vários estudos fornecem insights sobre possíveis abordagens.

Intervenções que reduzem o estresse e a ansiedade podem ajudar a regular os níveis de cortisol. Técnicas como terapia cognitivo-comportamental (TCC), atenção plena e estratégias de relaxamento podem ser benéficas no gerenciamento de respostas ao estresse (Corbett, & Simon, 2014).

A atividade física regular demonstrou ajudar a reduzir os níveis de cortisol e melhorar o gerenciamento geral do estresse. Incentivar atividades físicas estruturadas pode dar suporte à regulação do eixo HPA (Riis et al., 2024).

Uma dieta balanceada que apoie a saúde geral também pode desempenhar um papel no gerenciamento do estresse e dos níveis de cortisol. Intervenções nutricionais adaptadas às necessidades de indivíduos com autismo podem ajudar nesse sentido. Probióticos, ginseng, cetose ajudam a ativar o eixo HPA (Ryan et al., 2018; Wu et al., 2022).

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/

10 perfis clínicos para o autismo

Existe na comunidade científica um esforço de encontrar biomarcadores para o autismo. Existem os grupos que estudam os biomarcadores de diagnóstico (ajudam a diagnosticar o autismo), os biomarcadores de probabilidade (preveem quem pode ser diagnosticado), biomarcadores de estratificação (agrupam as pessoas com certas características), biomarcadores prognósticos (preveem o desenvolvimento futuro), biomarcadores preditivos (ajudam a decidir a terapia mais adequadas). Biomarcadores são indicadores biológicos. Podem incluir exames genéticos, avaliações neurológicas, exames de imagem, exames de sangue, metabólitos urinários, microbiota, dentre outros.

Um artigo recente propõe um modelo de estratificação para o transtorno do espectro autista (TEA), com o objetivo de refinar o tratamento, reconhecendo a heterogeneidade da condição (Cruz, 2024). O estudo propõe dez perfis clínicos distintos do TEA, cada um associado a comorbidades específicas e mecanismos biológicos subjacentes, como gastrointestinal, metabólico, imunológico e neurológico. Ao identificar esses perfis, os profissionais de saúde podem desenvolver abordagens terapêuticas mais personalizadas e integradas, visando melhorar os resultados de saúde globais dos indivíduos com TEA.

O modelo busca complementar os critérios diagnósticos tradicionais, considerando a complexa interação entre sintomas psiquiátricos e condições médicas coexistentes para otimizar o cuidado e a qualidade de vida. A pesquisa reconhece as limitações iniciais da validação do modelo, enfatizando a necessidade de estudos futuros com amostras mais amplas para confirmar sua aplicabilidade na prática clínica.

10 perfis clínicos para o TEA

Os 10 perfis clínicos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) citados no artigo são:

• Sindrômico

• Gastrointestinal

• Metabólico

• Mitochondrial

• Endócrino

• Infeccioso

• Bioacumulativo

• Imunológico

• Inflamatório

• Neurológico

Perfil sindrômico

Este perfil é observado em indivíduos com síndromes genéticas como a Síndrome de Down, Síndrome de Fragile X e Síndrome de Rett. Uma característica crucial é o potencial para um diagnóstico tardio ou negligenciado de autismo, pois os sintomas da síndrome genética podem obscurecer os sinais comportamentais e de desenvolvimento do TEA. Existe um risco de atribuir todos os sintomas e comportamentos exclusivamente à síndrome primária, ignorando a possibilidade de autismo coexistente. Mecanismos fisiopatológicos como inflamação e disfunções metabólicas podem agravar os sintomas.

Os achados biológicos podem incluir marcadores genéticos específicos da síndrome, indicadores de disfunção mitocondrial e marcadores inflamatórios e imunológicos. A intervenção essencial envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo aconselhamento genético, intervenções educacionais e terapêuticas individualizadas e gestão proativa das comorbidades associadas à condição genética. Os resultados são altamente variáveis, dependendo da severidade da síndrome, comorbidades e intervenção precoce

Perfil Gastrointestinal

Este perfil é prevalente em indivíduos com TEA que não receberam intervenções nutricionais para alergias, intolerâncias ou sensibilidades alimentares que afetam o eixo microbiota-intestino-cérebro. Uma proporção significativa de indivíduos com autismo apresenta sintomas gastrointestinais crônicos, como diarreia (prevalente em até 45%) e constipação (em aproximadamente 30%–45% dos casos). Outros sintomas comuns incluem distensão abdominal, erupções cutâneas e assaduras persistentes. Condições como a superproliferação bacteriana no intestino delgado (SIBO) e a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) também podem contribuir.

Os achados laboratoriais podem incluir marcadores inflamatórios elevados (como CRP e calprotectina fecal), deficiências nutricionais (ferro, vitamina D, zinco), pH fecal alterado, presença de partículas de alimentos não digeridos em testes de fezes funcionais, evidência de SIBO em testes de respiração e anticorpos IgG4 específicos para alimentos.

As intervenções nutricionais visam corrigir deficiências com planos dietéticos e suplementação personalizados, incluindo pré e probióticos. A gestão das comorbidades gastrointestinais e o tratamento de reações adversas a alimentos são críticos, com identificação e evitação de alérgenos e intolerâncias. Frequentemente, observa-se uma rápida melhora com intervenções nutricionais e correção das comorbidades gastrointestinais, com potencial para resultados positivos a longo prazo através da gestão dietética contínua.

Perfil Metabólico

Este perfil envolve um complexo interplay entre fatores genéticos e não genéticos. Variantes genéticas, como polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs), podem afetar vias metabólicas críticas, como o metabolismo de um carbono. Fatores não genéticos e epigenéticos, incluindo enteropatias e deficiências de nutrientes essenciais como zinco, ferro e cálcio, também desempenham um papel substancial. Essa combinação leva a desafios metabólicos, resultando em aumento do estresse oxidativo, diminuição da produção de energia e alteração das vias metabólicas.

Os achados laboratoriais podem incluir níveis elevados de amônia e lactato, níveis sanguíneos diminuídos de nutrientes necessários para as vias metabólicas (selênio, zinco, magnésio, cálcio, ferro, vitaminas do complexo B), evidência de acidemias orgânicas e perfis anormais de carnitina.

A implementação de planos de gestão metabólica personalizados inclui a suplementação de nutrientes chave e terapias direcionadas para mitigar o estresse oxidativo e apoiar a função mitocondrial. A gestão proativa de gatilhos externos é essencial para prevenir a descompensação episódica e crises metabólicas. Os resultados são variáveis, dependendo da gravidade e do tipo do distúrbio metabólico subjacente, bem como da natureza e extensão das exposições ambientais e infecções. A gestão eficaz desses fatores é crucial para um prognóstico favorável.

Perfil mitocondrial

Indivíduos com TEA frequentemente apresentam disfunção mitocondrial, que pode se manifestar de várias formas, como hipotonia facial, atraso na fala, suspeita de apraxia da fala, epilepsia e desafios cognitivos. A disfunção mitocondrial pode estar ligada a erros inatos do metabolismo, como polimorfismos no gene MCAD, e a deficiências de nutrientes essenciais, como o complexo vitamínico B. Pacientes com disfunção mitocondrial também podem apresentar aumento de alergias e condições atópicas, exacerbadas por alérgenos e toxinas ambientais.

Os achados laboratoriais podem incluir níveis elevados de lactato e piruvato, níveis aumentados de CK e perfis de carnitina alterados, além de deficiências de nutrientes críticos para a função mitocondrial (zinco, carnitina, vitaminas do complexo B).

O suporte mitocondrial inclui carnitina, CoQ10, vitaminas do complexo B, antioxidantes (vitaminas C e E). A prevenção de gatilhos, como infecções virais, e a gestão dietética para intolerâncias e alergias são importantes, assim como o tratamento de comorbidades como disfunções autonômicas, distúrbios musculares e inflamação crônica. O curso é frequentemente progressivo, exigindo gestão ao longo da vida. A disfunção mitocondrial secundária pode mostrar melhora significativa com intervenções precoces e direcionadas.

Perfil endócrino

Indivíduos com TEA podem apresentar deficiências na produção hormonal, particularmente em esteroides e hormônios tireoidianos, caracterizando este perfil. Uma preocupação chave é a disfunção do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal-tireoide (HPA-T), que pode afetar vários sistemas corporais. A apresentação inicial pode envolver níveis elevados de cortisol que podem diminuir com o tempo.

Achados laboratoriais podem incluir níveis elevados ou suprimidos de TSH, níveis alterados de T3/T4, presença de anticorpos antitireoidianos, níveis desregulados de cortisol, ACTH, vasopressina, aldosterona, renina, SHBG, aumento da insulina em jejum e índice HOMA-IR alterado, e diminuição do colesterol LDL.

As intervenções incluem reposição hormonal e suporte adrenal, intervenções nutricionais focadas na função endócrina, terapias comportamentais e gestão de infecções crônicas, melhora da desintoxicação e redução de estressores ambientais. O tratamento endócrino frequentemente requer suporte adrenal inicial, especialmente para distúrbios da tireoide. A gestão a longo prazo é necessária devido à natureza crônica das disfunções endócrinas, com foco na minimização de exposições ambientais e gestão de comorbidades relacionadas à inflamação crônica, infecções, doenças autoimunes e estressores ambientais, metabólicos e emocionais.

Perfil infeccioso

Transtornos psiquiátricos, neurológicos e do neurodesenvolvimento, incluindo o autismo, estão frequentemente ligados a respostas imunes e inflamatórias a várias infecções. Este perfil envolve desregulação imune crônica e resposta pós-inflamatória, levando a infecções recorrentes e superproliferação de fungos no intestino delgado (SIFO), resultando em ativação imune e inflamação sistêmica contínuas. Sintomas neurológicos (disfunção cognitiva, distúrbios do sono, letargia, confusão mental, névoa cerebral, fadiga persistente, falha no crescimento, atrasos no desenvolvimento) e comportamentais (agitação, irritabilidade, agitação psicomotora, comportamento auto-lesivo e agressão) são comuns.

Achados laboratoriais podem incluir aumento da contagem total de leucócitos, monocitose, marcadores inflamatórios elevados (CRP, ESR, TNF-α), perfil de imunoglobulinas alterado e títulos positivos para EBV, CMV, HSV, Bartonella spp., Borrelia burgdorferi, além de detecção de parasitas intestinais.

O cuidado abrangente inclui terapia antimicrobiana, imunomodulação e restauração intestinal. A prevenção foca na redução de futuras infecções e surtos. Intervenções dietéticas visam deficiências nutricionais e reforçam a resiliência imunológica, juntamente com a gestão de comorbidades como inflamação crônica e distúrbios do processamento sensorial. Os resultados são variáveis, dependendo da abrangência do tratamento e da consistência no monitoramento, com potencial para melhora a longo prazo com suporte imunológico e desintoxicação, embora desafios crônicos possam persistir sem gestão adequada de infecções e disfunções imunes.

Perfil bioacumulativo

A expressão fenotípica do autismo é influenciada pela interação entre fatores ambientais (exposição a toxinas e pesticidas) e predisposições genéticas. SNPs em vias de desintoxicação podem levar a um processamento prejudicado de toxinas (metais pesados, pesticidas) e acúmulo crônico de toxinas. Indivíduos podem apresentar sinais clínicos de intoxicação sistêmica, como olheiras, edema, dermatite, fadiga crônica e sintomas neurológicos.

Achados laboratoriais podem incluir anormalidades hematológicas (anemia microcítica), acúmulo de toxinas (níveis elevados de metais pesados, pesticidas e toxinas ambientais no sangue ou cabelo), comprometimento da desintoxicação (níveis reduzidos de cofatores essenciais como glutationa e zinco), metabolismo da porfirina alterado (porfirinas urinárias elevadas) e alterações nos níveis de hormônios adrenais e tireoidianos. O

foco da intervenção é reduzir as exposições ambientais, apoiar as vias metabólicas (especialmente o ciclo de metilação), melhorar a desintoxicação hepática e restaurar a integridade intestinal com mudanças dietéticas, pré e probióticos. A terapia antioxidante com glutationa, vitaminas C e E também é utilizada. Geralmente, os resultados são favoráveis com intervenções precoces e eficazes e monitoramento regular para minimizar a exposição e prevenir o reacúmulo de toxinas. A vigilância contínua é necessária, e o prognóstico pode variar dependendo da extensão da bioacumulação e de fatores genéticos individuais.

Perfil Imunológico

Este perfil apresenta desafios significativos devido à sua complexidade e gravidade, resultando frequentemente em prognóstico reservado. É influenciado por vários gatilhos imunológicos, incluindo infecções, exposição a agentes tóxicos e comorbidades. Há uma sobreposição significativa de sintomas com condições como encefalite viral, levando a potenciais erros de diagnóstico. Pacientes podem apresentar TOC, DMDD, alimentação seletiva e múltiplas alergias. Condições como PANS e PANDAS estão fortemente associadas a este perfil, caracterizadas por sintomas neuropsiquiátricos de início súbito após uma infecção.

Achados laboratoriais podem incluir anticorpos específicos para patógenos, marcadores estreptocócicos positivos (teste de estreptozima), perfil de imunoglobulinas alterado (IgE e IgG elevadas, IgA diminuída, autoanticorpos positivos) e marcadores inflamatórios elevados (CRP, ESR, TNF-α, NSE).

A intervenção visa modular o sistema imunológico com vitaminas C e D, zinco e selênio. Intervenções nutricionais personalizadas abordam sensibilidades e intolerâncias alimentares, focando na prevenção de gatilhos imunológicos. A gestão da disbiose gastrointestinal, o tratamento de infecções subjacentes e, em casos selecionados, terapia com corticosteroides pulsados ou IVIG podem ser considerados A resposta é frequentemente menos favorável devido à significativa desregulação imune, com recaídas comuns. O tratamento ao longo da vida é necessário em condições autoimunes crônicas, com um prognóstico geralmente reservado.

Perfil inflamatório

Caracteriza-se por inflamação crônica, evidente por níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias como interleucina-6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Frequentemente observado em pacientes com distúrbios gastrointestinais e é comum em indivíduos com TEA. Sintomas gastrointestinais podem ser indicadores precoces de inflamação originada no intestino. A característica definidora é a inflamação persistente, mesmo após o tratamento de várias questões subjacentes.

Achados laboratoriais podem incluir marcadores inflamatórios elevados (homocisteína, ESR, NSE, ferritina, TNF-α, IL-6, IL-1beta) e marcadores de inflamação intestinal (calprotectina fecal aumentada, zonulina elevada).

As intervenções incluem dietas anti-inflamatórias e suplementação nutracêutica (ômega-3 rico em EPA, vitamina D e palmitoiletanolamida - PEA) para reduzir a inflamação e apoiar a saúde geral. Frequentemente, obtêm-se resultados positivos com adesão estrita à dieta anti-inflamatória, intervenções nutricionais direcionadas e gestão eficaz da inflamação persistente. A inflamação crônica geralmente requer intervenção contínua, com potencial para melhorias significativas na qualidade de vida.

Perfil Neurológico

Este perfil é frequentemente identificado precocemente ou pode ter sido previamente diagnosticado com uma condição relacionada ao sistema nervoso central (SNC), como epilepsia, malformações congênitas e síndromes que resultam em distúrbios convulsivos. Em alguns casos, pode desenvolver-se devido à falta de diagnóstico e tratamento de neuroinflamação crônica. A desregulação do metabolismo do triptofano tem sido implicada na patogênese de distúrbios neuropsiquiátricos e pode influenciar este perfil.

Achados biológicos podem incluir anormalidades na ressonância magnética (RM), achados anormais no eletroencefalograma (EEG), marcadores neuroinflamatórios elevados (NSE, TNF-α, IL-6) e níveis alterados de neurotransmissores (desequilíbrios em dopamina e serotonina).

A gestão das crises pode envolver o uso de medicamentos antiepilépticos. A neuro-reabilitação abrangente inclui terapias cognitivas, motoras e de fala. Intervenções dietéticas são personalizadas para alergias alimentares, deficiências nutricionais e para apoiar a saúde neurológica (incluindo dieta cetogênica).

A gestão de comorbidades como neuroinflamação, infecções e desequilíbrios metabólicos é crucial para prevenir a deterioração neurológica. Os resultados são geralmente menos favoráveis devido à natureza crônica e grave dos sintomas neurológicos e comorbidades. O foco da gestão é principalmente o tratamento das sequelas e a prevenção de maior deterioração. A identificação e diferenciação dos perfis clínicos são alcançadas através de uma abordagem multi-nível que inclui a observação de sinais e sintomas característicos, o acompanhamento da progressão dos protocolos de tratamento e a utilização de exames laboratoriais direcionados.

Limitações da classificação

Com base nos estudos existentes sobre autismo e nas informações fornecidas no próprio texto, é possível levantar algumas possíveis críticas a este modelo de classificação de perfis clínicos:

Validação Preliminar e Diversidade do TEA: Muitos esforços vêm sendo realizados para categorizar o TEA em subgrupos. Estes esforços são importantes para entendermos melhor quem se beneficiaria de determinadas estratégias. Por exemplo, a exclusão de glúten seria benéfica para todos ou para subgrupos específicos? Que biomarcadores (genéticos, metabólicos etc) devem ser considerados? A heterogeneidade do autismo é uma característica bem estabelecida e um modelo inicial pode ter dificuldades em abranger todo o espectro de manifestações.

Dependência da Literatura Existente: O desenvolvimento de modelos depende fortemente da literatura existente e acredito que nos próximos anos muitas novas pesquisas complementarão este trabalho. Embora extensa, a literatura contém vieses e limitações inerentes ao desenvolvimento atual da ciência. O conhecimento sobre o TEA está em constante evolução, e um modelo baseado no conhecimento atual certamente precisará passar por atualizações.

Captura Parcial de Nuances Individuais: Dada a natureza complexa e variável do TEA, o modelo, apesar da sua estrutura robusta, pode apenas capturar parcialmente as nuances dos casos individuais. Cada pessoa com TEA apresenta uma combinação única genética, metabólica, de sintomas e comorbidades, e a redução a 10 perfis pode simplificar excessivamente esta complexidade.

Necessidade de Estudos Empíricos Mais Amplos: Para validar a eficácia do modelo, são necessários estudos empíricos mais amplos que se estendam além das configurações clínicas iniciais e incluam cohortes de pacientes mais diversos em diferentes ambientes. Isso ajudaria a estabelecer a robustez e a generalização do modelo.

Desafios na Integração na Prática Clínica de Rotina: A forma como o modelo pode ser integrado perfeitamente na prática clínica de rotina precisa ser explorada. O desenvolvimento de ferramentas e diretrizes práticas de implementação facilitaria o seu uso por uma gama mais ampla de profissionais de saúde, aumentando assim a acessibilidade e utilidade do modelo. Considerar as possibilidades e renda das famílias para realização de exames e rastreamento também é muito importante.

Necessidade de Caracterização Detalhada dos Perfis: Estudos futuros deveriam fornecer uma caracterização mais detalhada de cada perfil para ajudar os clínicos a integrar essas descobertas na prática de rotina. Isso incluiria investigações laboratoriais e a identificação de sintomas clínicos para melhorar a qualidade de vida e a estratificação clínica de pacientes com autismo.

Potencial de Sobreposição e Natureza Dinâmica dos Perfis: O próprio artigo reconhece que a apresentação destes perfis pode variar. Um determinado perfil pode ser mais evidente durante as avaliações iniciais, enquanto avaliações adicionais podem revelar perfis associados. Esta natureza dinâmica e a potencial sobreposição entre perfis podem dificultar a classificação estrita e requerer avaliações longitudinais.

Risco de Interpretação Incorreta de Sintomas: Embora o modelo vise melhorar o diagnóstico, ainda existe o risco de interpretar incorretamente os sintomas como pertencentes a um perfil específico sem considerar totalmente outros fatores. É crucial garantir que a identificação de comorbidades não obscureça a avaliação dos critérios diagnósticos principais do TEA.

Compreensão em Evolução dos Mecanismos Biológicos Subjacentes: Embora o modelo se baseie em mecanismos biológicos subjacentes, a nossa compreensão atual desses mecanismos no TEA ainda está em andamento e constante evolução. À medida que a pesquisa avança, a base biológica dos perfis pode precisar de ser refinada ou expandida.

Foco nas Comorbidades: Embora as comorbidades sejam importantes e frequentemente negligenciadas, a classificação primária baseada em comorbidades pode não abordar diretamente a heterogeneidade dos sintomas nucleares do TEA (comunicação, comportamento e interação social). É importante garantir que o modelo complemente, e não substitua, os critérios diagnósticos comportamentais estabelecidos.

Complexidade da Neurodiversidade: Dada a complexidade da neurodiversidade, correlacionar os sinais e sintomas centrais do autismo com potenciais comorbidades clínicas é crucial. No entanto, a própria neurodiversidade implica uma vasta gama de apresentações que podem não se encaixar perfeitamente em categorias clínicas distintas.

O próprio artigo reconhece várias destas limitações e aponta para futuras direções de pesquisa para validar e refinar o modelo. O objetivo final dos pesquisadores, profissionais de saúde, pensadores e, principalmente, das famílias é melhorar a precisão do diagnóstico e a eficácia do tratamento, garantindo mais qualidade de vida para todas as pessoas com TEA.

Dra. Andreia Torres é Nutricionista, especialista em nutrição clínica, esportiva e funcional, com mestrado em nutrição humana, doutorado em psicologia clínica e cultura/ensino na saúde, pós-doutorado em saúde coletiva. Também possui formações no Brasil e nos Estados Unidos em práticas integrativas em saúde. Para contratar envie uma mensagem: http://andreiatorres.com/consultoria/