As microglia são células imunológicas do sistema nervoso central (SNC) que desempenham papéis cruciais na manutenção da homeostase, defesa contra patógenos e reparo de tecidos. Elas possuem a capacidade de adotar diferentes estados funcionais, que podem ser divididos em duas conformações principais: M1 (pró-inflamatória) e M2 (anti-inflamatória).
Conformação M1 (Microglia ativada pró-inflamatória)
Função principal: Defesa imunológica e resposta inflamatória.
Ativação: Ocorre em resposta a estímulos como infecções, lesões e doenças neurodegenerativas. Exemplos de fatores ativadores incluem lipopolissacarídeos (LPS) e interferon-gama (IFN-γ).
Características:
Alto potencial fagocítico em situações patológicas.
Produção de citocinas pró-inflamatórias: IL-1β, IL-6, TNF-α, que alteram o metabolismo de neurotransmissores como a serotonina e dopamina.
Essas citocinas podem atravessar a barreira hematoencefálica e modular o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), promovendo a liberação de cortisol, que agrava os sintomas depressivos. Evidências sugerem que pacientes com depressão maior apresentam níveis aumentados de marcadores inflamatórios no líquido cefalorraquidiano e no cérebro.
Liberação de espécies reativas de oxigênio (ROS) e óxido nítrico (NO).
Capacidade de promover danos teciduais, exacerbando inflamações crônicas, como na doença de Alzheimer, esquizofrenia ou esclerose múltipla e doenças mentais como transtorno afetivo bipolar (TAB)
Estudos de neuroimagem e biomarcadores indicam uma ativação microglial excessiva em regiões como o córtex pré-frontal e o hipocampo em pacientes esquizofrênicos.
Durante episódios maníacos ou depressivos, há um aumento da ativação M1 e da liberação de citocinas inflamatórias.
A inflamação também pode interferir na formação de memórias adaptativas, exacerbando os sintomas de TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático)
Em estudos neuropatológicos, observa-se ativação crônica de microglia no estado M1 em cérebros de pessoas com TEA.
Drogas (cocaína, metanfetamina, opioides) estimulam receptores microgliais (como TLR4 e P2X7), induzindo o estado M1.
Conformação M2 (Microglia ativada anti-inflamatória e reparadora)
Função principal: Resolução de inflamação, reparo tecidual e manutenção da homeostase.
Ativação: Ocorre em resposta a estímulos de reparo, como IL-4, IL-10 e IL-13.
Características:
Produção de citocinas anti-inflamatórias: IL-10, TGF-β.
Papel na fagocitose de debris celulares e no suporte à regeneração de tecidos.
Estímulo ao crescimento neuronal e à neurogênese.
Essencial para a proteção do tecido nervoso após danos.
Plasticidade Microglial
As microglias têm alta plasticidade, o que lhes permite transitar entre os estados M1 e M2 de acordo com os sinais microambientais. Essa plasticidade é crucial para manter o equilíbrio entre a defesa imunológica e a reparação tecidual, mas, em condições patológicas, pode ser desregulada, contribuindo para doenças neurodegenerativas ou inflamações crônicas.
Reduzir a ativação de microglia no estado M1 (pró-inflamatório) e promover o estado M2 (anti-inflamatório e reparador) é uma abordagem promissora para tratar várias doenças neurodegenerativas e inflamatórias do sistema nervoso central (SNC). Aqui estão estratégias que podem ser utilizadas:
1. Modulação Farmacológica
Diversos compostos têm sido estudados para alterar o equilíbrio M1/M2:
Inibidores de inflamação:
Minociclina: Um antibiótico que reduz a ativação M1, diminuindo a produção de citocinas inflamatórias e espécies reativas de oxigênio (ROS).
N-acetilcisteína (NAC): Um antioxidante que reduz o estresse oxidativo associado ao estado M1.
Promotores da polarização M2:
Agonistas de PPAR-γ (receptores ativados por proliferadores de peroxissomas gama):
Ex.: Pioglitazona e rosiglitazona, que promovem a polarização para o estado M2.
Canabinóides:
Estímulo do receptor CB2 (canabinóide tipo 2) favorece a conversão para M2.
2. Terapias Baseadas em Nutrição e Compostos Naturais
Certos nutrientes e compostos naturais têm propriedades neuroprotetoras que ajudam a regular a ativação microglial:
Ácidos graxos ômega-3 (DHA e EPA):
Reduzem a ativação pró-inflamatória e promovem um fenótipo mais resolutivo (M2).
Curcumina (encontrada no açafrão-da-terra):
Tem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, promovendo o equilíbrio para M2.
Resveratrol (encontrado em uvas e vinho tinto):
Reduz a produção de citocinas inflamatórias e aumenta fatores neuroprotetores.
Polifenóis (chá verde, cacau, etc.):
Ajudam a mitigar a ativação de M1 e a promover M2.
3. Estímulos Elétricos e Físicos
Estimulação Magnética Transcraniana (TMS):
Tem mostrado potencial em modular a atividade inflamatória microglial e favorecer M2 em modelos experimentais.
Estimulação vagal:
Reduz a inflamação sistêmica, podendo impactar positivamente o equilíbrio M1/M2.
4. Terapias Gênicas e Moleculares
Inibição de NF-κB:
A via de sinalização NF-κB é fundamental para a ativação de M1. Bloqueá-la com técnicas moleculares pode reduzir a inflamação microglial.
CRISPR/Cas9:
Pode ser usado para regular genes associados ao estado M1 ou M2 em condições específicas.
5. Terapias Baseadas em Células
Transplante de células-tronco mesenquimais (CTMs):
As CTMs secretam citocinas e fatores de crescimento que podem induzir a polarização M2 em microglia.
6. Controle Ambiental e Estilo de Vida
Atividade física:
O exercício moderado reduz a neuroinflamação, favorecendo a ativação M2.
Redução do estresse crônico:
Níveis elevados de cortisol e inflamação sistêmica favorecem M1. Técnicas de mindfulness, ioga e controle do estresse podem ajudar.
Sono de qualidade:
A privação de sono exacerba a ativação pró-inflamatória; melhorar a qualidade do sono pode contribuir para um fenótipo mais equilibrado.
7. Controle de Doenças Sistêmicas
Diabetes e obesidade:
Condições metabólicas aumentam a inflamação sistêmica e exacerbam M1. O controle glicêmico e a redução da obesidade podem ajudar a favorecer M2 no SNC.